Estreia de Medeia Negra marca volta do teatro em Salvador

Espetáculo solo com Márcia Limma incorpora cultura negra ao mito grego

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 2 de setembro de 2021 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Ricardo Bonni/divulgação

Márcia Limma nunca tinha ficado tanto tempo longe dos palcos. Com quase 25 anos de carreira, ela havia praticamente emendado 20 espetáculos, um atrás do outro. Mas em março do ano passado veio o baque provocado pela pandemia, que a deixou praticamente um ano e meio sem atuar, exceto por uma apresentação que ocorreu num festival de teatro, em novembro do ano passado, em apenas uma sessão. No caso dela, a ausência das apresentações foi ainda pior que para alguns colegas, já que é uma atriz que se dedica exclusivamente ao teatro.

Por isso, a noite de hoje vai ter um significado especial: às 19h, Márcia sobe no palco do Sesc Pelourinho para novamente apresentar o solo Medeia Negra, que estreou há três anos em Salvador. De acordo com a produção, é a primeira montagem teatral que estreia na cidade após a pandemia. O espetáculo, resultado da pesquisa da atriz no Mestrado em Artes Cênicas na Ufba, recria o mito grego para os contornos da voz, do corpo e do pensamento de uma mulher negra.

Durante a pandemia, Medeia Negra foi visto por mais de 6 mil pessoas de todo o País em formato online no Sesc em Casa. Antes da paralisação, havia sido apresentado em festivais no Uruguai, Alemanha e Portugal, além de São Paulo, Ceará e diversas cidades do interior da Bahia. Em 2018, a montagem foi listada como um dos espetáculos nacionais mais importantes de 2018 pela revista Bravo. Em 2019, Márcia foi indicada ao Prêmio Braskem.

Além de marcar seu retorno ao teatro, a montagem tem outro significado especial para a atriz, já que é seu primeiro trabalho após a morte de sua mãe, vítima de covid. "O palco para mim é um lugar de resistência e me dá certeza de estar viva. E preciso celebrar isso. Com muita segurança, claro", alerta. Por isso, o teatro terá a capacidade reduzida em 40% e apenas 60 lugares estarão disponíveis, com distanciamento entre os espectadores e também entre artistas e plateia, além de controle de temperatura no acesso ao teatro.

A ideia de adaptar o mito grego para uma protagonista negra surgiu depois que Márcia teve uma experiência com mulheres em situação de encarceramento no Conjunto Penal Feminino de Salvador, num curso que a atriz promovia para mulheres que cumpriam pena. Ali, depois de apresentar o texto original de Medeia para as estudantes, a atriz lhes propôs que escrevessem uma carta para a personagem, falando sobre suas vidas. 

Algumas frases daqueles textos estão na montagem que será apresentada no Sesc. As mulheres que escreveram a carta tiveram um presente: puderam assistir à estreia da peça em 2018, no Espaço da Cultural da Barroquinha, depois de uma autorização especial. "Elas foram trajadas como civis e fiquei muito emocionada ao vê-las na plateia", lembra Márcia.

A montagem trata das opressões que a mulher negra sofre em diferentes épocas e lugares de fala, como um manifesto contra a estrutura social que a marginaliza. O espetáculo é repleto de elementos musicais do jazz e blues americanos e tem referências políticas e da intelectualidade negra, como Ângela Davis, Djamila Ribeiro e Grada Kilomba. 

A cultura e a religiosidade negras estão muito presentes no palco. Márcia contrapõe a tradição grega a arquétipos das divindades como Nanã, Iansã, Exu e Omolu, que auxiliam as mulheres a reagir e lutar pela libertação. "Os orixás entram para substituir os códigos eurocêntricos. O espetáculo tem a ver com esse meu processo de mulher negra. De certa forma, na Escola de Teatro, minha formação foi eurocêntrica. Nossas referências negras não aparecem facilmente na grade curricular da Escola de Teatro", diz Márcia.

Para a direção, a atriz convidou Tânia Farias, que integra o coletivo gaúcho Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz e conheceu Márcia em Salvador. "Esse espetáculo reflete a vivência de Márcia e eu queria que esta atriz negra estivesse em primeiro plano. Medeia Negra é para ela um empoderamento de sua voz", diz a diretora. 

Tânia diz que a experiência de Márcia com mulheres encarceradas colaborou para a o trabalho da atriz neste espetáculo. "Ela trouxe todo aquele material e e organizamos tudo sob a perspectiva dela, sob a perspectiva do que ela queria dizer. Chegamos a um formato que mostra algo em comum entre Márcia e aquelas mulheres".

SERVIÇO

Espetáculo Medeia Negra

Curta temporada: nos dias  2, 3, 4, 10 e 11 de setembro, às 19h

Ingressos a  R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada).

Ajustes para garantir distanciamento entre o público. Total de 60 lugares disponíveis.