'Eu tinha esperança que ele pudesse voltar', diz socorrista que carregou menino Davi, de 6 meses

Bebê estava na lancha com mãe, irmã de 4 anos e avó

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 25 de agosto de 2017 às 15:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

O socorrista Jaelinton Assis Souza Batista, 51 anos, já carregou muitas pessoas nos braços. Ontem, curiosamente, precisou de toda a força do mundo para pegar nas mãos a vítima mais leve que resgatou em seus 32 anos de carreira: o menino Davi Gabriel Monteiro Coutinho, de 6 meses. Filmado e fotografado em ação, se tornou um herói sem ter salvo uma vida sequer.

“Por mais situações que a gente pegue no Samu, situações de coisas até piores, isso realmente comoveu”, disse Jaelinton, na manhã desta sexta-feira (25), em frente ao terminal marítimo de Salvador, mais de 24 horas depois do acidente que deixou pelo menos 18 mortos na Baía de Todos os Santos. No trajeto do barco até a unidade móvel do Samu, Jaelinton carregou o peso de uma vida inteira pela frente. “A cena em si diz tudo, né?”, resume. Jaeilton: 32 anos de profissão (Foto: Marina Silva/CORREIO) O pequeno Davi vinha fazer exames médicos em Salvador. Estava com a mãe, avó e irmã de 4 anos. Todas foram hospitalizadas, mas já tiveram alta. “É marcante. Foi uma cena que marcou muito. Vidas foram ceifadas. A população está abalada, de luto”, lamentou Jaelinton. “Muito sofrimento para as pessoas que vivenciaram esse momento e para os que assistiram”.

Em sete anos como motociclista do Samu, piloto da chamada motolância, o técnico de enfermagem contou com detalhes o que aconteceu no momento do resgate de Davi. Jaelinton revelou que foi o primeiro socorrista a chegar no terminal marítimo, antes mesmo de saber que havia um naufrágio. Uma incrível coincidência. “Eu, na verdade, tava vindo para cá para atender uma outra ocorrência, de uma pessoa vítima de desmaio”.

A vítima do desmaio iria pegar a lancha do acidente e acabou chegando atrasada. Entrou na próxima. “Ela pegou outra lancha e, quando passou, presenciou o acidente. Aí chegou aqui abalada, nervosa. Foi quando a gente soube do ocorrido e informamos a central. A determinação deles foi de que ficássemos aqui”, relatou.

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Minutos depois, quando os socorristas montavam as arenas de atendimento, chegou uma embarcação com cerca de 30 vítimas do acidente. Todas sobreviventes. Exceto uma. “Avaliamos e as pessoas estavam tranquilas, respirando confortavelmente. Então o médico perguntou se tinha algum óbito. Foi quando, no canto, avistamos uma criança”. Jaelinton corre com o pequeno Davi nos braços pelo terminal, em Salvador (Foto: Reprodução/TV Bahia) Quando o doutor Márcio Bittencourt tocou em Davi, ele já estava, como eles costumam dizer, “cianótica”, com coloração arroxeada. As extremidades estavam frias e não havia sinais vitais. Os procedimentos foram iniciados na própria embarcação. “Não tinha espaço para os procedimentos e o barco balançava”. A única solução foi interromper as compressões no peito.

Foi quando Jaelinton tomou Davi nos braços e levou o menino para a unidade móvel. Equipada, inclusive, com desfibrilador. “A conduzimos para a unidade e foram feitas todas as manobras possíveis”. Davi foi, inclusive, entubado. Por uma hora e meia os médicos tentaram reanima-lo. “A gente sempre tem esperança, né? Eu tinha esperança que aquela criança pudesse voltar. Por toda a situação, por ser criança ainda. Infelizmente...”, disse Jaelinton, tão acustumado com tragédias, pela primeira vez com a voz embargada. 

Homem de fé, praticante do candomblé, Jaeliton diz que não se sente frustrado, mas triste. "Fizemos a nossa parte, né? Deus fez a dele. Não sinto frustração, mas a gente fica triste, né? Com todo esse investimento que a gente fez não ter conseguido”. No dia seguinte ao que se tornou herói sem ter salvado ninguém, Jaelinton preferiu o conforto à família de Davi. “O que eu diria para a família? Eu diria que, no rio da vida, as águas do tempo aliviam tudo”.

Dedicação Durante 10 anos o atual coordenador de Urgência e Emergência da prefeitura de Salvador, Ivan Paiva, trabalhou com Jaelinton no Samu. Ele contou que as ambulâncias da capital fazem, em média, 300 atendimentos por dia e que as lembranças que tem do colega é de um profissional empenhado no serviço.

"Ele sempre foi muito dedicado e competente, buscando sempre aprender. Um bom profissional. Tudo que aconteceu ontem demonstra a importância do trabalho em equipe. Os motociclistas, técnicos em enfermagem, é que chegam primeiro ao local e dão os primeiros-socorros, até a equipe médica conseguir chegar. O trabalho é de fundamental importância", contou.

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Paiva disse que após o acidente acionou os hospitais do Subúrbio e o Geral do Estado (HGE), as duas unidades de traumas da capital, e seguiu para a Itaparica. Ao todo, 50 profissionais do Samu participaram dos resgates, profissionais que trabalham nos municípios de Salvador, Santo Antônio de Jesus e na Ilha de Itaparica.

"Mas esse número é maior porque tivemos muitos voluntários, pessoas que trabalhavam em hospitais e se ofereceram para ajudar. A Ilha tem duas unidades do Samu, uma básica e outra avançada, eu sabia que elas não dariam conta dos atendimentos sozinhas e, por isso, montamos um planejamento. Acionei as unidades de trauma e fui para a Ilha, para checar se haveria condições de fazer os atendimentos nas unidades de saúde porque não adiantaria a Samu socorrer se o hospital não conseguisse receber bem os pacientes", afirmou.

Quatro ambulâncias foram colocadas de plantão em frente ao Terminal Náutico, em Salvador, para atender as vítimas. Foi para uma dessas unidades que Jaelinton levou o bebê resgatado. "Atendemos casos de emoção todos os dias, mas não com tantas vítimas. Por trás de todo médico, enfermeiro ou técnico de enfermagem, tem um pai ou uma mãe de família, mas no nosso trabalho é preciso ter um preparo emocional muito grande para não comprometer a qualidade do atendimento, por isso, estão todos de parabéns", disse Paiva. 

Ambulâncias de Santo Antônio de Jesus, Salinas das Margaridas e Jaguaribe também foram usadas no atendimento às vítimas.