'Eu vim para comer': as histórias de quem aproveita a gastronomia da folia

Do dogão ao purê de aipim, passando por feijoada e comida árabe

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 11 de fevereiro de 2018 às 07:24

- Atualizado há um ano

Tenho um amigo que, quando solteiro, tinha uma tradição no Carnaval: dar a volta ao mundo. O que isso significava? Beijar o maior número de bocas – de preferência, no bloco Os Mascarados – numa volta pelo circuito. Hoje, o moço está casadíssimo, mas, mesmo assim, não consegui deixar de lembrar dele quando descobri que tinha que dar minha própria volta ao mundo na folia. 

Antes que eu diga algo que me comprometa no amor e na vida, preciso alertar: meu passeio era diferente. Minha volta ao mundo era em busca de um dos maiores prazeres do universo – quiçá o maior, em minha humilde opinião – a comida. Era uma viagem por todas as dezenas de opções gastronômicas possíveis de serem encontradas pelos circuitos. 

Minha incursão no sábado (10) foi na Barra, principalmente na Rua Marques de Leão, que é paralela à Orla, onde os trios tomavam conta. Na rua que era praticamente o lado B da folia, encontrei logo um grupo de amigas da cidade São Mateus (ES), que me garantiram ter encontrado o melhor acarajé da região. Duvidei, de início: como boa baiana, deveria confiar em um paladar forasteiro? 

“Tem três dias que a gente vem aqui comer o acarajé. Hoje, comemos o acarajé e agora estamos no bolinho de estudante, que também está muito bom”, garantiu a servidora pública Ivanilda de Freitas, 56 anos.  O grupo alugou o apartamento de frente para a folia e, em um momento ou outro, dava uma escapada para o lanchinho. “Tem muita opção aqui, basta você achar o que quer”, me aconselhou a também servidora Ana Márcia Feitosa, 57.  As amigas do Espírito Santo recomendaram o acarajé (Foto: Thais Borges/CORREIO) Eu, que lá pelas 18 horas não tinha sequer almoçado, senti o estômago reclamar. Diante daquele cheiro todo, me rendi à propaganda. Pedi o meu tradicional acarajé com camarão, vatapá e salada à baiana Adriana Oliveira, 37, que comandava o tabuleiro ali. Por R$ 10, posso dizer que valeu mais do que um almoço. Não sei se era o melhor acarajé da região – afinal, não provei os outros – mas o quitute estava crocante e bem temperado.  A baiana Adriana assumiu o posto da mãe na Barra (Foto: Thais Borges/CORREIO) Adriana assumiu o posto da mãe, que, com 65 anos, já não trabalha no Carnaval, embora mantenha o ponto na praia de Ipitanga, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). “No Carnaval, é muita gente de fora, que não conhece. É diferente da clientela normal”, me explicou. Ela me disse, ainda, que as vendas não iam tão bem quanto esperava. O problema nem era o movimento, mas a quantidade de pessoas vendendo comidas só ali. Muita gente desempregada, ela concluiu. Comentamos que a crise não deixava as coisas fáceis para ninguém e segui meu caminho. 

Fast food Passei por churrasco na chapa, pastel, crepe, hambúrguer artesanal, coxinha, amendoim, arrumadinho e até feijoada. Fui fisgada pelo aroma de umas batatinhas que, visualmente, pareciam fazer qualquer franquia de restaurante estadunidense que faz às vezes de australiano ficar com inveja. Por R$ 5, dava para levar um prato de batatas com queijo cheddar e banco.  As irmãs Flávia, Rainan e Elaine aprovaram a batatinha (Foto: Thais Borges/CORREIO) As irmãs Elaine, 36, Rainan, 34, e Flávia Santos, 30, me contaram que aprovaram a iguaria. Entre as qualidades, listaram ‘crocante’, ‘quentinho’ e ainda soltaram um ‘muito bom’ pelo meio. “Estamos na pipoca e vamos ficar só na batata e na água”, contou a dona de casa Rainan, revelando que não é da turma dos que preferem a bebida. Mesmo entre tantas opções, elas não tiveram muito problema para escolher. “A gente viu e bateu a fome logo na batata”, brincou Elaine, que prometeu não passar daquela porção. 

Logo do outro lado da rua, o enfermeiro Ivo Zarnh, 36, batia aquele prato de purê de aipim com carne seca para aguentar o pique. Tinha acabado de chegar e se deparou com a barraca de Rosemeire Azevedo, 35, que ainda tinha feijão fradinho com carne seca e churrasco na chapa – tudo por R$ 10.  Ivo escolheu o purê com carne na chapa (Foto: Thais Borges/CORREIO) Ivo explicou que não gosta nem de comer no Carnaval; prefere comer em casa. Porém, dessa vez, praticamente não teve tempo em casa, antes de chegar ao circuito. Precisava, então, de alguma coisa que lhe garantisse ‘sustância’. “Mas tá aprovado, viu? É uma delícia”, contou, sob o olhar atento de Rosemeire, a dona do tempero.  Rosemeire vende o purê há oito anos no Carnaval (Foto: Thais Borges/CORREIO) Ela, que costuma trabalhar em shows e outros eventos da cidade, vende no Carnaval há oito anos. Toda orgulhosa, me conta que o pessoal sempre diz que a comida é deliciosa. Muitos voltam para repetir. “Só estou achando o movimento meio devagar, porque acho que está faltando dinheiro no bolso do povo mesmo”, brincou. 

Vila gastronômica Além da Rua Marques de Leão, há uma Vila Gastronômica oficial na Rua Lemos de Brito, onde ficam 11 comerciantes em estruturas tipo balcões. Tem de hambúrguer artesanal a comida árabe. Encontrei um grupo de fluminenses de Maricá que, em sua primeira vez na Bahia, buscaram o hambúrguer do Burguiles para dar energia. 

“Hoje, viemos no início, mas geralmente o lanche fica no final. Ontem, chegamos 14h30, mas hoje chegamos agora e vamos até o último trio”, contou a advogada Cristina Ramos, 39. Os turistas de Maricá foram no hambúrguer (Foto: Thais Borges/CORREIO) Mas, entre sanduíches, há quem não abandone o bom e velho dogão. A professora Graça Costa, 48, logo aceitou o convite do filho, Lázaro Fontoura, 25, para dividir um. “Eu comi um abará já, mas a gente tem que comer o que gosta, né?”, disse, antes de me explicar que era um intervalo para o lanche. 

Só que o que mais me chamou atenção mesmo foi ter visto mais de uma tapiocaria ali, no meio de tanto fast food. Conversei com uma atendente de uma delas, Stephane da Silva, que, com a família, está à frente da Tapioca do Almir. Lá na barraca, eles também vendem o Dogão da Amada e uma carne com purê. Mesmo assim, a tapioca ganhava disparado.  Stephane e Almir, da Tapioca (Foto: Thais Borges/CORREIO) “A tapioca é saudável e o pessoal está querendo uma coisa mais leve. O pessoal que está comprando é diferente dos clientes de sempre, porque agora tem muito turista. Mas o que importa é que eles estão gostando e voltando”, contou ela. No resto do ano, a Tapioca do Almir tem um ponto no Largo da Mariquita. 

O casal Roberto Freitas, 33, e Washington Rodriguez, 44, escolheu a de carne seca com quatro queijos. Antes disso, tinham provado o churrasco na chapa em outra barraca. “A gente veio fazer uma pausa, porque, se não for assim, não dá para ir até o final”, brincaram os dois, que são do Rio de Janeiro (RJ) e ficam em Salvador até segunda (12).  Washington e Roberto escolheram a tapioca de carne seca e quatro queijos (Foto: Thais Borges/CORREIO) Ao final do passeio, achei que as coisas seriam diferentes para mim. Meu placar na volta ao mundo, contudo, foi quase nulo: fiquei só no acarajé mesmo.