'Eu vou atrás de responsabilizar os policiais', diz pai de menino morto em ação da PM

Após a morte de Hebert, 11 anos, José Carlos vai buscar MP

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  • Tailane Muniz

Publicado em 16 de março de 2019 às 18:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

O encanador caldeireiro José Carlos Silva, 70 anos, virou a chave da vida. Há dois anos, a meta de todos os dias era trabalhar fazendo carreto na cidade de Aracajú, em Sergipe, para sustentar a mulher e três filhos, mas a missão agora é outra: esclarecer a morte do caçula, o pequeno Hebert Felipe Souza Silva, 11, assassinado após uma ação da Polícia Militar em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

A criança, que brincava com dois amiguinhos, de 7 e 10 anos, foi baleada três vezes e caiu dentro casa de um amigo da família, a metros de casa, na Rua dos Pássaros, no bairro Jardim Brasília, Centro da cidade. Ferido, Hebert chegou a ser levado por PMs para o Hospital Geral de Camaçari (HGC), onde já chegou morto.“Eu quero justiça, mas é justiça de verdade. Não sei quando vou voltar ao trabalho, que é o nosso ganha pão. Mesmo que eu precise morar debaixo da ponte, que eu não tenha o que comer, eu vou atrás de responsabilizar esses policiais, que são uns despreparados”, afirmou José, neste sábado (16). O encanador, que já formalizou uma queixa na Corregedoria da Polícia Miliar, adiantou o próximo passo: vai até o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), na terça-feira (19), protocolar uma denúncia contra a corporação. José estava em Sergipe quando soube da morte do filho, mas ouviu dos vizinhos que a PM chegou ao local atirando a esmo.

Hebert era aluno do 5º ano, do Colégio Dom Pedro II, uma instituição particular da cidade, que chegou a suspender as aulas nesta sexta. O corpo do estudante foi na tarde de ontem, no Cemitério Jardim da Eternidade, no bairro Lama Preta, em Camaçari. “Eu vou me dedicar só a isso a partir de agora, que meu filho já foi enterrado. Eles [policiais] são bandidos procurando bandidos. O preparo deles é matar inocente e eu não vou deixar barato. Eu conto com o apoio dos órgãos públicos”, acrescentou o pai.Arma de fogo Em contato com o CORREIO, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) afirmou que, em depoimento na Corregedoria da PM, os quatro militares envolvidos na ação afirmaram que trocaram tiros com bandidos que haviam roubado um veículo, modelo Classic, de placa não informada, na localidade. 

Por meio da assessoria, a SSP disse, ainda, que os policiais não souberam afirmar se são os responsáveis pelos tiros que mataram a criança, e que uma perícia nas armas - tanto as dos militares, quanto a apresentada por eles, um revólver calibre 38 - deve atestar de onde partiu o tiro. Os policiais do 12º Batalhão de Polícia Militar (Camaçari), de acordo com a pasta, foram parados por um homem que afirmou que havia sido acabado de perder o carro em um assalto. Os PMs teriam ido até o bairro em busca dos suspeitos. Procurada pela reportagem, a Polícia Militar, por meio da assessoria, disse, no entanto, que desconhecia a informação do revólver.

Após a morte da criança, os quatro PMs foram presos em flagrante e levados até a Coordenadoria de Custódia Provisória, no Complexo Penitenciário de Mata Escura, em Salvador, onde estão detidos desde a sexta-feira (15). 

A versão dos moradores, no entanto, indica que a chegada dos policiais tem relação com a fuga de cinco adolescentes da Comunidade de Atendimento Socioeducativo Irmã Dulce (Case), localizada no bairro do Santo Antônio, também no Centro, na mesma noite.

A SSP afirmou, no entanto, que os casos ocorreram no mesmo horário, por volta de 19h, e, por tanto, não poderiam ter relação. Os cinco internos da Case foram apreendidos na manhã de sexta-feira, também na região central da cidade. Abalados, vizinhos da criança fizeram cartazes com pedidos de justiça (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) ‘Estavam procurando alguém’ Em nota, a Polícia Militar reiterou que testemunhas, além de familiares da vítima e os policiais envolvidos, já foram ouvidos na Corregedoria da Polícia Militar, em Salvador. A corporação reiterou que se solidariza com os familiares da vítima. "Sobre as circunstâncias, estão em processo apuratório por meio do Inquérito Policial Militar (IPM)", concluiu.

O garoto Hebert Felipe foi baleado e, junto com os amigos, tentou correr. Uma das crianças, de 7 anos, filha do marceleteiro Francisco Sousa, 49, chegou a faltar com as pernas no momento em que, apoiando o amigo ferido, entrou na varanda de casa.“Eu achei que os dois estivessem baleados. Meu filho cambaleava e Felipe, aos pouquinhos, foi arriando, arriando, até cair. A outra criança correu para uma outra casa da vizinhança. Eu ainda tentei segurar ele pelo braço, mas era tarde”, disse Francisco, acrescentando que os PMs pegaram a criança e colocaram dentro de uma viatura.Ele disse ao CORREIO que, do campo de visão da varanda de casa, onde estava quando ouviu os tiros, não viu qualquer movimentação além dos policiais correndo, armados. "Eu só ouvi os tiros, não vi qualquer outro carro suspeito ou troca de tiros. Eu não sou médico, mas acho que ele foi levado já morto. Ele caiu do meu lado", comentou.

A testemunha contou que toda sua versão foi reportada em depoimento formal, prestado na Corregedoria da PM, nesta sexta-feira. 

"Eu estou muito comovido. O bairro inteiro está de luto, porque era só uma criança que brincava com os amigos. Estou disposto a colaborar como eu puder", garantiu o vizinho da família da vítima. O filho de Francisco, que assistiu à morte do amiguinho, segundo o pai, continua em estado de choque: não conversa, não quer comer e, menos ainda, sair de casa.