Ex-mulher de advogado morto responde por incêndio, ameaça e roubo de herança da avó

Gláucia é suspeita de encomendar morte por R$ 4 mil

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 16 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A servidora aposentada do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) Gláucia Mara Ottan de Souza Machado e Ferraz, 47 anos, que foi presa nesta quinta-feira (14), acusada de mandar matar o ex-marido, o advogado Júlio Zacarias Ferraz, 43, tem um longo histórico na Justiça criminal da Bahia. Gláucia foi presa na quinta-feira (14) (Foto: TV Bahia/Reprodução) O CORREIO fez um levantamento das ações penais que tem a ex-servidora como ré e descobriu que ela já se envolveu em um incêndio criminoso no condomínio onde morava, em Feira de Santana, além de ser acusada de ameaça de morte e falsificação de documentos, junto com a mãe, para se apropriar indevidamente da herança da avó morta em 2004.

Ao todo, Gláucia responde a cinco ações penais, todas tendo como advogado de defesa o ex-marido morto, além de mover três ações contra o município de Feira de Santana, com pedido de isenção do pagamento do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) em imóveis da cidade do centro norte baiano.

Incêndio e pixação Nos autos do processo e em boletim de ocorrência registrado no dia 1º de dezembro de 2014, na 33ª Delegacia (Monte Gordo), Gláucia também é apontada como a autora de um incêndio criminoso no apartamento de um vizinho.

A vítima contou à Justiça que, em 16 de novembro do mesmo ano, a ex-servidora ateou fogo em dois condensadores de ar-condicionado do apartamento dele e pixou a porta de entrada. O homem disse que a ação foi praticada com a ajuda dos filhos de Gláucia, além da empregada doméstica que trabalhava para ela e que também é acusada no envolvimento da morte do advogado.

De acordo com testemunhas, a mulher ainda ateou fogo na porta da casa do vizinho, enquanto seu filho, menor de idade, tentava danificar as câmeras de segurança do prédio - em vão, já que todas as ações ficaram registradas nas filmagens e foram comprovadas, mais tarde, com a realização de perícia.

Moradores disseram ainda que Gláucia ameaçou “dar uma facada” em todos que prestaram depoimento contra ela. Gláucia não aceitava partilha de bens (Foto: Reprodução) Herança da avó Gláucia ainda responde a um processo por ter roubado a herança da avó. E o pior: com ajuda da própria mãe. Em 2013, um dos três tios dela entrou na Justiça contra as duas por terem, juntas, falsificado documentos e se apropriado de herança deixada pela avó, que morreu em 2004. 

Na denúncia, proposta pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) em nome dos três irmãos da mãe de Gláucia, consta que as duas acusadas falsificaram documentos, em 2006, para se apropriar de R$ 5.118, deixados pela falecida. No processo, as duas alegaram que a mãe da ex-servidora era a única herdeira da morta.

Na ação, Gláucia atuou como advogada da mãe, o que colocou ela, segundo o MP-BA, como também autora do crime de estelionato, uma vez que sabia da existência dos demais tios, bem como dos direitos que eles tinham sobre os bens da avó dela. O valor em questão era referente à restituição do Imposto de Renda de 2004.

Ainda no mesmo processo, ficou comprovado que Gláucia não poderia exercer a função de advogada, uma vez que ocupava cargo na Secretaria do Juizado Especial Criminal. A denúncia foi recebida em 24 de fevereiro de 2014.

‘Sou do sudeste’ Outra acusação que recai sobre Gláucia é a de ameaçar e cometer os crimes de calúnia e difamação contra o dono de uma empresa de assistência técnica e informática. Em processo aberto em 2016, um homem disse que foi chamado de “estelionatário e ladrão” pela suspeita.

Todas as acusações foram gravadas em um aplicativo de troca de mensagens. Gláucia disse à vítima que iria registrar um Termo Circunstanciado contra ele, além de escrever:“Pensa que está diante de uma dessas baianas idiotas? Sou do sudeste. E não essas paraíbas daqui”, disse Gláucia , que nasceu no Rio de Janeiro . Nos autos que o CORREIO teve acesso é possível perceber que Gláucia acusa o homem de ter roubado um repetidor de sinal da casa dela, após realizar um serviço de reparação em computadores. Ainda de acordo com a vítima, após expor a empresa do autor do processo, a mulher ligou se retratando e retirando as acusações.

‘Viúva loira e rica’ Após comprar uma lancha no valor de R$ 35 mil e ficar devendo R$ 10 mil, que seriam parcelados em seis vezes, Gláucia se recusou a pagar o débito e ainda atentou contra a vida e a honra do vendedor. As informações são de um processo aberto da Justiça Criminal contra a ex-servidora.

Constam nos autos que, três meses após o não pagamento da primeira parcela, o vendedor, que estava em Feira de Santana com a esposa, decidiu ir até o prédio de Gláucia saber o motivo do atraso. Ela não o deixou subir e, após pedir que ele se retirasse do condomínio, enviou, segundo a petição inicial, inúmeras mensagens agressivas para o celular da vítima.

Entre as ameaças, Gláucia afirmou que “possuía a placa do veículo do vendedor, iria mandar o major prendê-lo e que a polícia estaria no seu encalço". 

Após uma sucessão de mensagens de texto, via SMS, a ex-servidora continuou as ameaças.“Buuum. Morreu. Infartou. Adeus. Mas se ainda não infartou, morra, desgraçado. É melhor reservar mais um quarto no [Hospital] Aliança. Vai infartar velhinho e deixar a loura gostosa viúva e rica”, escreveu ela.Em 22 de abril de 2013, o vendedor foi ao Departamento de Polícia do Interior - 1ª Coordenadoria de Polícia de Feira de Santana - onde registrou boletim de ocorrência contra Gláucia, o que levou à abertura de uma ação penal. Mesmo com inúmeras tentativas, a mulher nunca recebeu a citação, alegando motivos de doença. Júlio foi encontrado com mãos amarradas (Foto: Reprodução) Esquizofrenia Para todas as ações mencionadas acima, a justificativa dada pela defesa de Gláucia foi sempre a mesma: ela é portadora de esquizofrenia, um transtorno mental grave. O ex-marido da acusada, que supostamente teve a morte encomendada por ela, após ficar desaparecido por 21 dias, argumentava nas petições que a mulher não era capaz de responder pelos próprios atos.

Inclusive, o condomínio onde morava o casal e os dois filhos menores entrou com uma ação na Justiça, em 2017, alegando que Gláucia apresentava um perigo para os demais moradores. O processo foi motivado após diversos vizinhos se queixarem da ex-servidora para a administração do condomínio durante uma assembleia.

Em uma das denúncias, consta que Gláucia é acusada de ameaçar um morador e danificar o carro dele com arranhões, além de quebrar os limpadores de vidro. Na mesma ocorrência, o dono do veículo contou que a mulher chegou a dizer que jogaria dinamites na casa dele. Segundo o homem, tudo começou quando o filho dele estacionou o carro numa vaga de visitantes do condomínio.

Um vizinho também disse “ser inadmissível que os condôminos fiquem acuados por causa de uma moradora que tanto mal faz aos condôminos e ao condomínio”. Outro argumentou que é “impossível viver no condomínio sendo refém de uma condômina, demonstrando como é urgente a necessidade de adotar medidas para cessar o sofrimento passado por todos os condôminos”.

Segundo o processo, após saber da manifestação de todos os moradores do condomínio, Gláucia ainda ligou para uma das casas e ameaçou de morte duas crianças, que foram defendidas pela babá. “Vou te matar também, porque tenho horror a negros”, disse ela à cuidadora das crianças.De acordo com o condomínio, as ameaças e confusões feitas por Gláucia, à época, já somavam mais de oito anos. “A moradora enviou para a portaria do condomínio alguns avisos escritos e assinados por ela, impedindo a entrada de Oficiais e Polícia Civil. Assim, nenhum porteiro está autorizado a receber citação”, afirmou.

Na mesma ação, o condomínio juntou os laudos psiquiátricos apresentados por Gláucia, comprovando a condição de portadora de transtorno mental. O documento, datado de fevereiro de 2014 e assinado pelo médico Antônio Ferreira de Miranda Silva, demonstra que a mulher tem doença mental grave diagnosticada como esquizofrenia.

Ainda no processo, o condomínio pediu à Justiça, em caráter liminar (de urgência), que Gláucia fosse submetida pela família a “tratamento adequado e internação compulsória”. No entanto, em sentença proferida em 8 de novembro de 2017, a juíza Regianne Yukie Tiba Xavier afirmou que não detém competência para julgar o caso.

“O pedido de internação compulsória deve ser intentado por quem detenha relação de parentesco com o paciente ou pelo Ministério Público (...) Além disso, tratando-se de questão afeta à capacidade civil, a distribuição deste feito deveria ser realizada para uma das Varas de Família, Sucessões, Órfãos, Interditos e Ausentes desta Comarca e não para umas das Varas Cíveis”, escreveu.

A magistrada continuou: “inobstante a reconhecida ilegitimidade da parte autora para figurar no pólo ativo desta demanda, os fatos denunciados são graves e reclamam a apuração pela autoridade policial, bem como a ciência do Ministério Público para adoção das providências cíveis e criminais pertinentes”.

Todas as ações que tiveram Gláucia como ré ou foram arquivadas e baixadas ou continuam em curso, porém com grande lapso temporal entre as movimentações. No entanto, em todas, a própria mulher, pela figura do advogado (ex-marido morto), afirmava que era incapaz de responder pelos próprios atos, uma vez que é esquizofrênica. Empregada também foi presa por participação na morte (Foto: Aldo Matos/Acorda Cidade) Falsa juíza Não bastassem todos os processos, Gláucia também ficou conhecida como "falsa juíza" em maio de 2018.

Ela se aposentou do TJ-BA em agosto de 2014 mas, durante a paralisação dos caminhoneiros, que causou um caos no país e fez com que a população disputasse o que sobrou de gasolina nos postos de combustíveis, a ex-servidora tentou passar na frente de outras pessoas que estavam na fila de um estabelecimento de Feira de Santana, se passando por juíza.

Relembre a morte de Júlio Zacarias Ferraz O advogado Júlio Zacarias Ferraz foi encontrado morto no dia 5 de fevereiro deste ano, 21 dias após ser dado como desaparecido. O corpo dele foi localizado na localidade de Oliveira dos Campinhos, em Santo Amaro, município no Recôncavo da Bahia, sem roupas, com as mãos amarradas e com duas perfurações de tiros.

A Polícia Civil informou que o corpo do advogado estava no Instituto Médico Legal (IML) de Santo Amaro desde o dia seguinte ao desaparecimento, mas foi reconhecido apenas 20 dias depois, após ser localizado pela família.

Júlio foi enterrado na cidade de Vitória da Conquista, no sudoeste baiano, onde a família dele mora. Nesta quinta-feira (14), a ex-mulher dele, Gláucia, além da empregada dela, foram presas, acusadas de participação no homicídio.

A ex-servidora do Tribunal de Justiça da Bahia foi apontada como mandante do crime, enquanto a empregada é acusada de ter contratado os homens para matar o advogado. Segundo a funcionária, ela foi ameaçada para realizar a ação.

De acordo com a polícia, Gláucia estava separada de Júlio há seis anos, sem, no entanto ter assinado o divórcio. Ela não aceitava a partilha de bens proposta e, para resolver a situação, teria contratado dois homens para matar o advogado. Cada um deles recebeu R$ 2 mil - os suspeitos ainda não foram localizados. O casal tem dois filhos, de 11 e 13 anos.

* Com supervisão da subeditora Fernanda Varela