Experiências no Brasil e exterior para inspirar jovens pretos

Marcelo Lima e Sophia Laura contam sobre suas trajetórias e experiências no mundo da moda

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  • Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2020 às 13:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Edgar Azevedo/Afro Fashion Day

Não é apenas sobre moda. O Afro Fashion Day fala sobre sonhos. Autoconfiança. Histórias. Reinvenção. Inspiração. Luta pela vida. Aquilombamento. São várias as palavras possíveis para definir a passarela que vai muito além da passarela. Histórias de vidas como as de Sophia Laura e Marcelo Lima, que, juntas, mal chegam a meio século - e já servem de espelho para muitas meninas e meninos negros.

Criado sozinho pela mãe, dona Rejane Lima,  desde os dois anos - quando seus pais se separaram-, Marcelo começou na moda totalmente por acaso. Era estoquista de um supermercado, ganhando R$ 500 por mês, quando a ex-namorada o convidou para participar de um evento de moda no seu bairro, o Engenho Velho da Federação. Muito tímido, ele relutou: não gostava nem de usar sunga na praia, quanto mais aparecer somente de roupa de banho na frente de um monte de gente que iria avaliá-lo?

Só deu o braço a torcer porque não resistiu ao ‘aperto de mente’ de sua então companheira. “Mulher quando quer que você faça alguma coisa, já sabe, né?”, contou aos risos enquanto dava detalhes da decisão que mudou sua vida. Mudou mesmo.

Por conta daquele dia, hoje ele tem mais de 20 mil seguidores no instagram, posou para revistas como Marie Claire e Vogue, quebrou recorde de número de desfiles em uma única edição da São Paulo Fashion Week em 2019 (aparecendo oito vezes na passarela), fez campanhas para C&A, Riachuelo e Natura, a mais recente. Com tudo isso, Marcelo realizou um dos seus grandes sonhos: dar uma casa própria à sua mãe, Rejane. Tudo isso sem sequer imaginar que um dia seria modelo.

“Eu sou muito alto (1,90m), então já tinha pensado em ser jogador de futebol, de basquete, até bombeiro. Mas modelo, nunca. Eu não sabia que existia esse universo para homens, na minha cabeça era algo mais feminino”, conta o rapaz de 22 anos. 

Essa aura feminina dentro da moda fez com que Marcelo fosse alvo de piadas, inclusive homofóbicas, no bairro onde morava ou em grupo de colegas de escola. Ele atribui tudo isso a uma falta de compreensão, que curiosamente mudou após toda essa turma vê-lo na televisão ou ir até uma loja e se deparar com a imagem dele como modelo do local. Marcelo desfilou na passarela do Afro pela primeira vez (Foto: Edgar Azevedo/Afro Fasion Day) Qual o padrão?

Uma outra modelo que deu vida ao Afro Fashion Day este ano, Sophia Laura, 16, também já sofreu muito com comentários desagradáveis e um outro tipo de incompreensão: a dela em relação ao próprio corpo.

Nascida e criada na Avenida Luiz Viana, rua Travessa de São Francisco, no bairro da Massaranduba, a garota também contou com o impulsionamento familiar para trilhar sua carreira. Enquanto na escola ouvia comentários maldosos sobre ser muito magra e não ter o que chama do “padrão esperado para uma mulher brasileira”, dentro de casa vinha o incentivo do cunhado Wallace Souza, 25, que batia o pé afirmando: “Sophia, você tem muito jeito de modelo”.

Ela sempre gostou de brincar de desfilar com amigas, fazia caras e bocas de frente para o espelho no corredor de casa - mas levar a sério essa história de modelo não era algo que passava muito pela cabeça. Wallace conhecia um fotógrafo que ficava fazendo concursos virtuais e ensaios pelo Facebook. Assim, conseguiu uma oportunidade para Sophia que, desde a primeira vez que ficou de frente para a câmera, viu que aquele era seu lugar.“E eu não gostava de tirar foto porque na época tinha muitas inseguranças comigo mesma e só tirava quando necessário. Meu cunhado me levou, fiz o ensaio fotográfico e amei. E aí continuei fazendo vários ensaios”, conta. Sophia Laura diz que o Afro Fashion Day é o sonho de qualquer modelo preto (Foto: Edgar Azevedo/Afro Fashion Day) Depois disso, foi para o concurso Beleza Black, promovido pela agência One Models, e a partir dali tudo decolou. Até sentiu vontade de desistir após participar de alguns castings e não ser contratada, mas aí veio o convite da Model Directors e de repente Sophia estava dentro de um avião, indo até a distante Coreia do Sul, para modelar.

“Foi tudo muito rápido. Numa hora eu estava querendo abandonar porque não era aprovada nos castings e só continuei porque minha mãe e meu pai me motivaram. Fiz um casting internacional e quando falaram que gostaram de mim fiquei sem acreditar. Passei o dia 31 de dezembro no avião com minha mãe”, disse Sophia.

A experiência na Coreia do Sul cresceu e ela fez uma temporada no Japão antes de retornar para o território sul-coreano mais uma vez. A menina lá da Massaranduba acreditou, e se tornou modelo internacional antes de completar 18 anos. Na Ásia, Sophia modelou para campanhas assinadas por Nicki Minaj e também fez um trabalho para a Samsung (Foto: Divulgação) Sophia e Marcelo acreditam muito na persistência. A dupla foi entrevistada pelo CORREIO em momentos separados, mas o discurso foi tão alinhado que dá a entender que não é coincidência. Por ter a pele preta, os dois entendem que as dificuldades serão ainda maiores e a dica que oferecem a outras pessoas que, como eles, querem virar modelos, é persistir. E não esquecer de sonhar.

Marcelo diz que aproveita a visibilidade que alcançou para inspirar pessoas e diz que sempre tira um tempo da sua semana para conversar com seus seguidores e seguidoras, dando dicas, respondendo dúvidas e tentando ajudar da melhor maneira para que outras histórias como a dele e a de Sophia se repitam: jovens negros, periféricos, no topo das passarelas. Ganhando o mundo, mudando realidades e se tornando referência para que histórias assim virem regra e deixem de ser exceção.