Faltou ciência e tecnologia em Brumadinho

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  • Da Redação

Publicado em 11 de fevereiro de 2019 às 15:41

- Atualizado há um ano

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Aos poucos, infelizmente, vamos perdendo parte da capacidade de nos surpreendermos com acidentes ambientais como o rompimento da barragem de rejeitos controlada pela Vale S.A, inicialmente classificada como de "baixo risco" e "alto potencial de danos", localizada no município de Brumadinho, a 65 km da capital mineira. Apesar de não conseguirmos identificar grandes diferenças entre as tragédias ocorridas em Miraí (2007), Mariana (2015) e Brumadinho (2019), operadas pelas empresas Mineração Rio Pomba Cataguases, Samarco Mineração S.A. (empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton) e a Vale S.A., respectivamente, podemos facilmente identificar algo em comum: a falta de investimento em ciência e tecnologia.

Observaram-se, nestes casos, materiais com grande riqueza mineral, tratados simplesmente como rejeitos, serem literalmente empilhados em barragens de rejeitos ou bacias de decantação, sem qualquer plano sustentável de utilização futura. Estavam lá, esperando a tragédia acontecer... A tentativa de se criar Bolsas de Resíduos em nosso país não evoluiu como deveria pelo fato de não termos um volume de investimento adequado das empresas geradoras nas instituições de pesquisa. Afinal, como descobrir uma eventual aplicação técnica, econômica e ambientalmente adequada para um rejeito se as empresas geradoras não buscam caracterizá-los completamente, tampouco desenvolverem estudos de desenvolvimento de produtos?

Na contramão desta tendência nacional, destaca-se a recente disposição da Cristal Pigmentos do Brasil, financiadora de pesquisas na Universidade Federal da Bahia, na busca de solução tecnicamente viável para uso do minério não reagido (MNR), resíduo do processo de beneficiamento do dióxido de titânio (TiO2), em um excelente exemplo de parceria Indústria-Universidade eficiente.

Após 2 anos de pesquisas, o MNR já está sendo utilizado na produção piloto de uma argamassa industrializada de revestimento que tem a capacidade de degradar os compostos orgânicos aderidos à sua superfície, além de gases NOx, que podem provocar danos severos aos pulmões, tais como a enfisema pulmonar e a inflamação da mucosa nasal, além de gerar a chuva ácida e levar à formação do ozônio troposférico. Em resumo: uma argamassa fotocatalítica que pode reduzir a poluição atmosférica e, ao mesmo tempo, apresentar maior durabilidade, devido à sua capacidade autolimpante. Em breve, estará disponível no mercado.

Na busca de uma segunda alternativa, foi desenvolvida uma formulação que permitiu produzir cimento Portland com características superiores às dos cimentos disponíveis no mercado, a uma temperatura cerca de 110ºC abaixo do convencionalmente praticado (1340ºC contra 1450ºC), utilizando, para isso, a adição controlada de pequenas quantidades do MNR (agora sub-produto) gerado pela Cristal, reduzindo, assim, drasticamente, o consumo de energia e a emissão de CO2. Esta pesquisa, cujos resultados já despertam interesse das maiores cimenteiras do país, foi recentemente premiada no 9th International Conference on Advanced Materials Research (ICAMR 2019) e no 3rd International Conference on Civil and Building Materials (ICCBM 2019), realizados em Singapura, entre 24 e 27 de janeiro de 2019.

O trabalho, de autoria de José Andrade Neto (apresentador), Bruna Bueno Mariani, Nilson Amorim Jr. e do Prof. Daniel Véras Ribeiro (orientador), intitulado “Characterization of cements produced from clinker co-processed with TiO2 waste (UOW)”, foi escolhido pelo Comitê Organizador do evento como o melhor trabalho no tema Novas Tecnologias em Materiais de Construção, quanto à qualidade técnica, originalidade, sustentabilidade, aplicabilidade e apresentação.

Mais uma vez, comprova-se que as instituições de pesquisa nacionais podem contribuir decisivamente para que tragédias como as de Mariana e Brumadinho não ocorram mais. O MNR já encontrou os seus caminhos.

É engenheiro civil, pós-doutor em engenharia de materiais e coordenador do Laboratório de Ensaios em Durabilidade dos Materiais (www.ledmaufba.com.br) e autor do livro “Resíduos Sólidos: Problema ou Oportunidade?”.