Família de garota morta por PMs no Santo Inácio pede R$ 477 mil ao governo do Estado

Mãe de Geovana da Paixão, 11 anos, não conseguiu voltar para casa

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  • Carol Aquino

Publicado em 17 de abril de 2018 às 11:50

- Atualizado há um ano

“Mãe, não vai lá não, para você não ficar vendo o sangue de Geovanna”. É difícil de acreditar, mas a frase vem da boca de um menino de 5 anos. O pequeno Enzo, com tão pouca idade, viu a irmã Geovanna Nogueira da Paixão,11, ser morta com um tiro na cabeça enquanto a família tomava café da manhã. O crime aconteceu no dia 24 de janeiro, na comunidade Paz e Vida, no Jardim Santo Inácio. 

Geovanna foi morta com um tiro na cabeça disparado por um policial militar que entrou na comunidade atirando, segundo a família. A menina tinha levantado da mesa e ido até a porta ver o avô que se aproximava da casa. Foi bem na hora que a viatura passava no local.  Geovana tinha 11 anos quando foi morta (Foto: Reprodução) Após o crime, a família se mudou do pequeno barraco de madeira em que a menina vivia com o irmão, a mãe e a avó. “Não quero ir lá para não voltar a lembrança”, conta a mãe de Geovanna, a auxiliar de serviços gerais Maria Ângela de Jesus Nogueira, 34.

“Ela era uma menina tão boa, prestativa, responsável. Ela cuidava do irmão e dava os remédios da avó. No dia em que isso aconteceu, eu fiquei tonta, não sabia nem o que fazer”, conta Maria Ângela, ainda perdida com a morte da filha mais velha. Apesar dos esforços de todo mundo, a lembrança daquele dia trágico permanece na cabeça dos três sobreviventes. 

Justiça A família de Geovanna espera agora por Justiça. Já que o processo na Corregedoria da PM anda a passos lentos - até o momento só se fez a oitiva de testemunhas -, a família resolveu entrar com uma ação contra o estado. O pedido é de indenização civil pelo assassinato da garota por policiais militares.

O processo pede indenização por danos morais de 500 salários mínimos (R$ 477 mil), fora o ressarcimento de despesas funerárias e a pensão mensal de dois terços do salário mínimo a partir da data em que a garota completaria 14 anos.

“Nesse caso entende-se que a menina seria uma força de trabalho e que ajudaria a família com as despesas da casa”, explica o advogado da família, Lucas Macedo. O processo foi impetrado na última sexta-feira (13) e tramita na 5ª Vara da Fazenda Pública, em Salvador. 

“Até hoje o Estado não procurou saber se eu precisava de um copo d’água, de uma assistência. Eu sei que eu tenho meus direitos. Entrei com o processo porque ele (o estado) tem obrigação de fazer com que não apareça nenhuma outra mãe passando pelo que eu estou passando, chorando o que eu estou chorando”, contou a avó de Geovanna, Valdete Maria Paixão, 66. 

A mulher contou que vive atormentada: “Eles não tiraram só a vida da minha filha (jeito a que se refere à neta), mas tiraram a minha também. Eu vejo ela todo dia, a lembrança da minha filha naquele local, ali deitada para morrer”, disse. 

A esperança da família é que os policiais desmintam a versão alegada de que a morte da criança foi resultado de uma troca de tiros. “Eu não falo em vingança, o que eu quero é justiça. Quero que eles parem de mentir. Não houve troca de tiros, estava chovendo não tinha nem ninguém na rua. Quero que eles assumam o que fizeram”, falou dona Valdete, indignada. 

Até o momento, o que se sabe é que os dois policiais envolvidos no crime foram afastados das funções e respondem a processo administrativo na Corregedoria da Polícia Militar. Em nota, a PM informou que o Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado para apurar a ocorrência está em curso e  a corporação só irá se posicionar após a conclusão. "Em relação ao processo de indenização solicitado pela família da vítima, como o Estado não foi citado oficialmente, através da PGE, o ideal é que procure a assessoria do Tribunal de Justiça". 

A Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA) informou que é a Procuradoria Geral do Estado (PGE) que representa o estado em casos como esse. Procurada pelo CORREIO, a PGE não tinha sido notificada ainda pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Até sexta-feira, o processo só teve uma movimentação - data em que foi distribuído para sorteio. 

Já o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), através da assessoria, informou que o inquérito ainda está em andamento no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A Polícia Civil também foi procurada, mas não emitiu posicionamento.

O crime No dia do crime, a assessoria da PM disse que no momento em que a menina foi baleada, policiais da 48ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Mata Escura) buscavam informações sobre a fuga de autores de homicídios na região da Mata Escura. No entanto, quando a equipe chegou na localidade Paz e Vida foi recebida por tiros disparados por bandidos. 

Diante disso, continua a PM no comunicado, os policiais revidaram, “no intuito de neutralizar os agressores”. Logo após o fim do tiroteio, um homem pediu socorro aos PMs, porque uma menina tinha sido atingida por um dos tiros. Os policiais prestaram socorro e levaram a criança até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Pirajá

Diferente da versão contada pelos policiais militares, que alegaram ter sido recebidos a tiros por bandidos, na comunidade Paz e Vida, Maria Ângela de Jesus Nogueira afirmou que tudo estava tranquilo na rua, quando os policiais chegaram atirando. Vizinhos confirmaram que esta é uma prática comum por parte dos agentes. 

“Não houve troca de tiros. Os PMs chegaram atirando. Desde ontem [um dia antes do crime] que estão fazendo isso”, disse a mãe da garota, à época. A família relatou que, no início da manhã daquela quarta-feira, a menina viu o avô - que sempre visitava a casa - chegando na rua. Nessa hora, segundo a mãe, a menina gritou: “É vem meu avô”, e se dirigiu à porta da casa - um barraco de madeira.

Segundo Maria Ângela, bastou ela colocar a cabeça para fora do imóvel que foi atingida pelo tiro fatal. “Ela era um chamego com esse avô”, contou, desolada, a auxiliar de serviços gerais. 

Vizinhos ouviram o barulho de tiros e saíram correndo para ver o que era. "Só vimos dona Valdete caída por cima dela", contou uma moradora da comunidade Paz e Vida sobre o desespero da avó materna.

Testemunhas revelaram que os policiais iam continuar circulando pela comunidade sem prestar socorro a Geovanna, até que um vizinho gritou com a menina nos braços: "Olha o que vocês fizeram aqui". Só com o apelo do homem que os policiais pararam a viatura e levaram os dois até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Pirajá.

O corpo de Geovanna foi enterrado dois dias depois, no Cemitério Municipal de Paripe.