Família de jovem que teve útero retirado no parto aciona MP

Relatório mostra que Mirene teve hemorragia, parada respiratória e convulsões

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 20 de março de 2019 às 19:51

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Oito meses depois do parto malsucedido, que fez com que Mirene Santos da Silva, 19 anos, entrasse em estado vegetativo, a família dela ainda aguarda receber o prontuário médico para saber o que, de fato, ocorreu com a jovem no Hospital Municipal Nossa Senhora da Conceição, em Araci, Nordeste da Bahia. Foto: Reprodução Para encontrar uma resposta, familiares, por meio do advogado Dante Vinícius Santos Araújo, protocolaram nesta quarta-feira (20) um pedido no Ministério Público da Bahia (MP-BA) para que a Prefeitura de Araci forneça o documento. O mesmo pedido já foi realizado diretamente à unidade de saúde na terça-feira da semana passada (12).“Vamos esperar mais cinco dias úteis para o laudo médico ser fornecido. Caso isso não ocorra, vamos acionar a Justiça”, disse o advogado.Segundo ele, desde que a jovem teve o problema de saúde, a família tenta obter o laudo, sem receber resposta do hospital, dirigido pelo técnico em enfermagem do trabalho João Batista da Silva Santiago.

De acordo com os familiares, hoje, Mirene só consegue abrir os olhos, chorar e sorrir. Ela mantém todas as funções autônomas do corpo (respiração, batimentos cardíacos e funcionamento do intestino), mas não interage com o meio. 

Segundo o médico neurologista Tiago Fukuda, no estado vegetativo não persistente há chances de a pessoa voltar a ter reações. Já no caso de pacientes que estão em estado vegetativo persistente, de longa duração, chamado também de coma vigil, a probabilidade de volta à normalidade é menor. A classificação na qual Mirene se enquadra não foi informada pelos médicos que acompanham a jovem.

“Quando estava ainda fazendo residência, ocorreu de um paciente ter ficado por seis meses em estado vegetativo pós-trauma e acordar e começar a falar, mas, é raro. Quando chega a um ano em diante, é muito mais difícil disso ocorrer”, declarou.

“É diferente de a pessoa estar em coma, quando ela precisa de aparelhos para respirar, por exemplo. Neste caso, o paciente vai estar sempre dormindo, de olhos fechados. E do coma pode evoluir para o estado vegetativo, a depender da situação”.   Foto: Reprodução Médica relata hemorraria e parada cardiorrespiratória A gravidez de Mirene, que fez o pré-natal conforme indicado pelos médicos, foi considerada normal pelos profissionais. Segundo a família, no dia do parto, no entanto, Mirene teve o útero extraído junto com a placenta durante o parto, o que causou hemorragia, parada respiratória de 10 minutos e convulsões. Após o nascimento do filho, Jordan, que não teve nenhuma sequela, ela foi levada às pressas para o Hospital Estadual da Criança (HEC), em Feira de Santana.

O relatório médico do HEC, assinado pela médica Ilza Maria da Silva, diz que Mirene chegou de Araci “no pós-parto imediato de parto natural, com sangramento vaginal intenso e hipotensão, sendo identificado inversão uterina”, e, depois, foi levada para o centro cirúrgico, onde teve uma parada respiratória.

“Desde então, mantém quadro neurológico de status pós-PCR [parada cardiorrespiratória], não contactante, Glascow 7 [coma profundo]”, relata a médica, que colocou como diagnóstico principal a “inversão uterina pós parto”. Ainda no documento, Ilza Maria da Silva constatou choque hipovolêmico (ou hemorrágico), devido à perda de sangue.

De acordo com a família, Mirene ficou entubada por 15 dias e, depois, entrou em estado vegetativo. 

O marido dela, Gean Guimarães da Silva, 21, disse que o parto estava previsto para ter sido cesárea, “mas insistiram em fazer normal, mesmo com o útero dela estando invertido. O útero ficou retorcido e foi arrancado, e ela perdeu muito sangue”.

Consultado sobre o assunto, o médico Caio Nogueira Lessa, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia (Sogiba), informou que é incomum ter o parto cesáreo quando o útero do paciente é invertido.

Nos casos de retroversão uterina, explica, o útero está posicionado no corpo da mulher virado para trás, em direção às costas, ao invés de ser voltado para frente, como é o comum na maioria das mulheres. A inversão pode ser uma condição natural da mulher, que nasce assim, ou ocorrer durante o parto.“Um inversão uterina não é complicação que poderia pensar em parto cesáreo como alternativa, e seria depois do nascimento a cirurgia, mas não é cesariana a solução disso. Uma outra situação que poderia ser é de uma placenta grudada no útero e que na retirada dessa placenta é que inverte o útero”, comentou.O especialista destaca, ainda, que no caso de Mirene, o que pode ter agravado a situação de saúde da jovem é o fato da cirurgia corretiva ter demorado a ocorrer, já que foi feita apenas em Feira de Santana, e não de forma imediata, em Araci.

Hospitais não podem negar informações O Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina, no artigo 86 do parágrafo X, diz que é vedado ao profissional da medicina “deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu representante legal quando aquele for encaminhado ou transferido para continuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta”.

Conselheiro do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) e do Conselho Federal de Medicina (CFM), o médico Otávio Marambaia acrescentou que é vedado ao profissional da medicina “negar ao paciente acesso a seu prontuário”.

Disse, ainda, que o médico "não deve deixar de fornecer ao paciente uma cópia, quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros”.

Segundo disse Marambaia, o Cremeb ainda não foi comunicado do fato ocorrido no Hospital Municipal Nossa Senhora da Conceição. O CORREIO também entrou em contato com o MP-BA para saber quais serão as providências tomadas, mas não obteve retorno.

“Se comprovadas essas irregularidades, o médico pode ser advertido em graus diferentes. A depender da situação, de forma sigilosa ou pública, mas não gera cassação de registro”, afirmou o médico Otávio Marambaia.

A Prefeitura de Araci se comprometeu a enviar uma nota sobre o não fornecimento do prontuário médico, mas a resposta não foi enviada até as 19h desta quarta (20).