'Faria tudo de novo', diz morador que tentou salvar homem afogado em esgoto

Nesta segunda, grupo fez protesto em Fazenda Coutos e relembrou amigo

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 26 de novembro de 2018 às 13:41

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Tragédia. Apesar dos esforços da população, a vida de Vitor Dórea de Jesus Santos, 30 anos, não foi salva. O morador do bairro de Fazenda Coutos morreu no último domingo (25) após se afogar em uma galeria pluvial.

Vitor foi até o local para tentar desentupir uma manilha de esgoto, que estava completamente obstruída e impedindo o escoamento da água. O resultado disso é que o nível do rio sobe, alagando as casas na região. Indignados com essa situação e com a perda do amigo e vizinho, moradores fizeram um protesto no bairro durante esta segunda-feira (26). Pneus, entulhos e pedaços de madeira foram colocados na pista para impedir a passagem de ônibus e veículos que transitam na região.

O grito “queremos solução” foi entoado por pelo menos 30 moradores. Entre eles, alguns dos que ajudaram na busca e resgate de Vitor - socorrido pelos vizinhos para o Hospital do Subúrbio.

O borracheiro Nelson Manoel do Nascimento foi quem conseguiu encontrar a vítima no meio da água escura e suja do esgoto. “Dei uns quatro mergulhos e consegui achar ele com vida. Faria tudo de novo se fosse preciso. Era uma vida!”, relembra o morador de 35 anos. Nelson entrou no córrego para achar o corpo  (Foto:Mauro Akin Nassor/CORREIO) Devidamente munido de uma garrafa de cachaça, compartilhada entre outros amigos presentes no protesto, Nelson Manoel reclamou da atuação do Corpo de Bombeiros. Para o morador, que conhecia Vitor desde que eram crianças, a equipe de bombeiros impediu a população de ajudar nas buscas. Além disso, houve reclamações também sobre a demora para os bombeiros chegarem e, quando chegaram, não entraram imediatamente na água.

Outro morador do bairro, Carlos Alberto Nerys, 31, afirma que enquanto os moradores tentavam ajudar no resgate, a Polícia Militar chegou a ameaçar prender quem tentasse entrar na galeria. Desesperado na busca do vizinho, Carlos disse que só pensou “então é hoje que vou preso” e desceu a contenção de grama, incentivando que os outros conhecidos também fossem até o lugar para investir nas buscas.

Ainda abatido com a morte do vizinho e amigo, Carlos contou que chegou a descer com um outro amigo e tentou fazer o percurso para onde supostamente Vitor foi sugado.“Ontem tinha casa que tava com água na perna. Tinha geladeira de pai e mãe de família boiando, véi. O irmão desceu pra tentar ajudar a diminuir a quantidade de água sozinho. Ele separou um monte de entulho na boca da manilha e aí, quando liberou, eu só vi o 'sssh' [imita um som de sucção] e ele entrou. Na mesma hora a água desceu, só que o parceiro foi junto”, recorda Carlos.Ao ver que Vitor foi sugado, ele desceu junto a outro vizinho, Tiago Santos, em busca do amigo. Contando apenas com o auxílio de uma lanterna, os dois caminharam na manilha. Carlos relata que sentia dificuldades de respirar no local.

“Eu não entro em nada pra perder. Quando senti que tava com dificuldade de respirar, falei com ele [Tiago] pra gente voltar. Ele ficou falando ‘não, bora, bora, bora achar esse cara’, mas teve uma hora que ficou insuportável e aí não teve jeito. Voltamos”.

Quando voltaram para a superfície, Carlos viu a primeira equipe do Corpo de Bombeiros que trabalhou no lugar. Segundo o morador, “eles [os bombeiros] me deram luva e bota pra ajudar. Os que chegaram primeiro ajudaram mesmo, começou a ficar ruim quando teve a troca [de equipe]”, avalia o morador.

Em nota, o Corpo de Bombeiros lamentou a morte de Vitor e alegou que seguiu procedimentos de salvamento reconhecidos mundialmente na ação para resgate da vítima.

Confira a íntegra da nota divulgada pelo Corpo de Bombeiros:“O Corpo de Bombeiros Militar da Bahia (CBMBA) informa que foram realizados todos os procedimentos necessários para o resgate do homem que acidentou-se numa galeria de águas pluviais no bairro de Paripe neste domingo (25). A instituição entende a dor dos amigos e familiares e se solidariza com a perda. O CBMBA destaca que, para este tipo de atendimento de busca e salvamento em galerias, é utilizado o protocolo Internacional de atendimento respeitando os procedimentos de segurança, o que é imprescindível. Além da preocupação com a vítima, nos preocupamos com as pessoas que tiveram contato com a água no intuito de recuperar o corpo, submergido por mais de quatro horas, e recomendamos que procurem assistência médica especializada.”

Herói Responsável direto pelo resgate, Nelson virou um herói na comunidade. “Ali o homem! Cara é herói, porra!”, exclamou um morador logo que a equipe do CORREIO chegou ao local.

Disposto até a refazer o mergulho no esgoto para descrever a situação (e devidamente desaconselhado por Carlos), Nelson se orgulha ao dizer que “o que eu fiz não é pra qualquer um. Ali é pra quem tá disposto a salvar uma vida”.

Levando uma vida simples e difícil, Nelson sobrevive como borracheiro ou “fazendo qualquer trabalho que aparecer”. Ele também conhece Vitor há muito tempo e lamentou o falecimento do antigo amigo.

“Foi uma alegria retada quando conseguimos tirar. Ele tava respirando, eu senti... quando a família dele chegou contando a notícia da morte, foi muito triste”, desabafa. 

Segundo a assessoria do Hospital do Subúrbio, o paciente chegou trazido por familiares, "já sem sinais vitais".

Vitor deixou a esposa, grávida de seis meses. Ela passou rapidamente pelo protesto enquanto se dirigia ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, mas não quis dar entrevista. Ela apenas comentou que o sepultamento do marido acontecerá na terça-feira (27) e ainda não tem local confirmado.

Providências Em função da manifestação, uma viatura da Polícia Militar, sob o comando do Major Leão, da 19ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Paripe), se prontificou para fazer a intermediação entre o protesto dos moradores e a prefeitura-bairro da região.

Após um breve diálogo, que o major classificou como “pacífico e tranquilo”, duas representantes da comunidade se deslocaram de carona na viatura até a Prefeitura-Bairro Subúrbio/Ilhas e conseguiram conversar com o gerente da unidade, Márcio Sampaio. Após cerca de uma hora e meia, o gerente foi fazer uma visita ao local.

Segundo Márcio Sampaio, a limpeza do canal foi realizada “há alguns meses” e de forma parcial porque em um dos pontos onde o rio corre existe uma obstrução: um muro, construído de forma irregular pelos moradores. O gerente alega que esse muro impede a passagem da máquina responsável por recolher a sujeira acumulada no local.

Márcio Sampaio também afirmou que a Prefeitura-bairro iniciou uma negociação com os moradores da região para que o muro seja demolido e a máquina de limpeza consiga acessar a região. Os próximos passos, ainda segundo Sampaio, dependem do andamento desse acordo.

Questionado sobre a existência desse muro, o morador Carlos Nery confirmou a existência da construção. Ele afirma que o muro só foi construído como uma medida emergencial tomada pela própria população para tentar conter a elevação de água na área.

No último domingo, a Defesa Civil de Salvador (Codesal) emitiu um alerta de indicativo de ocorrência de chuvas fracas a moderadas nas próximas 48 horas, com probabilidade de alagamento em algumas áreas da cidade. A previsão de chuva moderada continua para hoje e para a terça-feira. 

Em nota, a Secretaria Municipal de Manutenção (Seman) lamentou a morte de Vitor. "A Seman ressalta que essa ação (desobstruir manilha da rede pluvial) nunca deve ser feita por moradores, principalmente sem equipamentos de segurança e quando estiver chovendo", diz o texto. Segundo a Seman, nessas situações a população deve entrar em contato com a Codesal pelos números 199 ou 156, o que não aconteceu ontem.

A secretaria diz ainda que este ano já executou a limpeza de 62 canais. "No local onde aconteceu a fatalidade, o trabalho de limpeza é prejudicado devido ao bloqueio das residências construídas irregularmente no leito do rio. Ou seja, é perigoso até mesmo para os colaborados da Prefeitura atuarem quando os índices pluviométricos são altos. Dessa forma, é mais perigoso ainda para quem está sem equipamentos próprios para acessar a rede de drenagem, a exemplo das proteções individuais e utensílios para realizar a limpeza manual". 

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier