Fechamento de fábrica da Petrobras impactará na hemodiálise

Gás usado na fabricação de bicarbonato de sódio para hemodiálise deixará de ser fornecido para empresa

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 18 de julho de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

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Com prejuízo de R$ 200 milhões em 2017, o fechamento da fábrica de fertilizantes nitrogenados (Fafen) da Petrobras já é dado como certo para o dia 31 de outubro no Polo Industrial de Camaçari, onde está instalada. Com isso, um dos setores que será impactado é o de serviço de hemodiálise. Só em 2017, 6.758 baianos fizeram hemodiálise. Desse total, 1.706 foram em Salvador.

É que, com o fechamento da Fafen, o gás carbônico (CO2) usado na fabricação de bicarbonato de sódio para hemodiálise, deixará de ser fornecido para a empresa Carbonor, que também está no polo e é a única empresa detentora de tecnologia para produção de bicarbonato para hemodiálise no Brasil. (Foto: Arquivo CORREIO) O bicarbonato da Carbonor é um dos compostos do CPHD, uma solução que promove o equilíbrio entre a acidez e a alcalinidade no sangue durante a hemodiálise. A empresa tem capacidade de produzir 80 mil toneladas por ano, cerca de 75% da demanda nacional de bicarbonato de sódio.

A solução de CPHD, que tem ainda água ultrapura, potássio e, em alguns deles, glicose, é vendida em galões de cinco a 10 litros, por valores que clínicas de hemodiálise e fabricantes preferem não informar por confidencialidade contratual.

Em uma sessão de 4 horas de hemodiálise, por exemplo, consome-se um galão de cinco litros, segundo clínicas consultadas pelo CORREIO. O Ministério da Saúde informou que, em 2017, liberou R$ 2,27 bilhões para custear tratamentos de nefrologia como diálise e hemodiálise em várias localidades do país.

Diretor industrial da Carbonor, Ascânio Muniz Pêpe diz que o fechamento da Fafen, de quem é cliente há muitos anos, “traz preocupação porque não é simples desenvolver um novo fornecedor alternativo”. Por estarem no polo, o fornecimento do CO2 para a Carbonor é feito por meio da tubovia, o que reduz custos.

“Temos opções para comprar o CO2 de fora, mas o custo do transporte, sobretudo com frete, seria muito alto, pois nosso consumo é elevado também, da mesma quantidade que produzimos o bicarbonato”, disse. “Fechando a Fafen, teremos de elevar o custo do bicarbonato, o que tornará a solução de CPHD mais cara”.

Apesar de já ter uma estimativa de quanto deve subir de preço o bicarbonato, o executivo prefere fazer segredo tanto quando ao reajuste, quanto ao valor atual, alegando estratégia comercial, “sobretudo com relação aos estrangeiros, que são os concorrentes”. Os estrangeiros, inclusive, serão a alternativa dos fabricantes de CPHD para o bicarbonato de sódio, caso a Carbonor deixe de fornecer o produto.  

Segundo Pêpe, a utilização de CO2 liquefeito é prejudicial, devido aos altos custos de processamento e transporte, o que eleva a aquisição e inviabiliza a produção e a prática de preços competitivos. “Queremos que a Fafen continue operando, mas se não for possível, que tenhamos um prazo maior para buscarmos alternativas mais viáveis economicamente”, comentou.

Outros impactos

No Polo Industrial de Camaçari, além de gás carbônico, a Fafen, segunda maior fornecedora de matéria prima do polo, produz amônia, uréia fertilizante, uréia pecuária, uréia industrial, ácido nítrico, hidrogênio, gás carbônico e Agente Redutor Líquido Automotivo (Arla 32), único produto que não é fabricado na unidade de Laranjeiras, em Sergipe, e que também será fechada em 31 de outubro. Na Fafen de Sergipe, o prejuízo foi de R$ 600 milhões em 2017.

O Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro) divulgou nota na segunda-feira (16) informando que a Petrobras comunicou às empresas e clientes que parará suas plantas este mês por 30 dias, alegando estoque alto, devido a baixas vendas, e que, no período, não vai fornecer amônia e CO2, informação que a Petrobas negou ter divulgado.

As unidades de Bahia e Sergipe seriam fechadas no final do segundo semestre, mas depois de uma audiência pública em março deste ano, na Câmara dos Deputados, em Brasília, a Petrobras decidiu adiar para o final do ano e formar comissões estaduais para discutir alternativas para o problema.

Na Bahia, fazem parte da comissão a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), a Federação das Indústrias do Estado da Bahiam (Fieb), a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), sindicatos de trabalhadores e empresas do polo.

Já foram feitas várias reuniões da comissão, sem, contudo, nenhuma proposta que convença a Petrobras a achar viável a operação das empresas. A Petrobras possui uma Fafen ainda em Araucária, no Paraná, que será mantida. Na Bahia, são 370 empregos diretos na Fafen e 400 indiretos, segundo informações do Sindipetro.

Menor risco

O fechamento das unidades de Bahia e Sergipe, diz a Petrobras, é parte do esforço para focar os investimentos em ativos que tenham menor risco e tragam mais retorno para a companhia.

“A hibernação consiste na parada de produção de unidade industrial, com a adoção de medidas de conservação dos equipamentos. A decisão de encerrar as atividades produtivas das unidades se deve às perspectivas de perdas da Petrobras com estas operações”, diz a empresa.

Na Bahia, estima-se que 16 empresas que dependem da matéria prima fornecida pela Fafen sofrerão impactos econômicos, que terão reflexo ao consumidor final. “O fechamento terá repercussão direta no polo, e isso vai elevar os custos operacionais das empresas, que terão de arranjar outros fornecedores e se tornarão menos competitivas”, disse o superintendente de Promoção de Investimentos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Paulo Guimarães.

Nesta segunda-feira (16), Guimarães esteve na reunião do grupo de trabalho da Petrobras, no Rio de Janeiro, onde o assunto foi discutido, mas não se teve resultados positivos. Sobre alternativas por parte do Estado, o superintende disse que se estuda a possibilidade da isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), “mas o essencial são a redução de impostos federais”.

“O gás da Petrobras sempre foi repassado por um preço de produção, mas de 2015 pra cá passou a ser vendido a preço de mercado internacional, de gás importado, o que ficou bem mais caro, e tornou a Fafen inviável. Teria de baixar o preço do gás, essa é uma das soluções”, ele disse, “mas a Petrobas não quer”.

O coordenador do Sindipetro Deyvid Bacelar declarou que “os fertilizantes são insumos essenciais à produção agrícola, sendo necessário tratar sua produção como questão de Segurança Nacional”.

Para ele, “além desta questão muito delicada que envolve a vida das pessoas que necessitam da hemodiálise, a parada da Fafen coloca em risco também a nossa soberania alimentar e o agronegócio, uma vez que a produção agrícola passará a depender totalmente da importação de fertilizantes”.

Para Bacelar, a decisão da atual gestão da Petrobrás não faz sentido, “afinal, o segmento de fertilizantes encontra-se em expansão tanto no Brasil quanto no mundo e a demanda do mercado brasileiro de fertilizantes é maior que a produção nacional”.

Prejuízos

Segundo a Abiquim, as unidades de fertilizantes da Petrobras de Bahia e Sergipe possuem capacidade de produção conjunta de 36,3 mil toneladas de ácido nítrico, quase 1 milhão de toneladas de amônia e mais de 1,1 milhão de toneladas de ureia.

A Abiquim está preocupada com a dependência quase total da importação de produtos estratégicos. “O País, sua agricultura e sua indústria não podem ficar dependentes. Não podemos captar toda e qualquer vulnerabilidade que o mundo tente passar para o País, especialmente no que diz respeito à agricultura. De que adianta termos a agricultura mais competitiva do mundo se não conseguimos construir uma cadeia de fornecedores locais e que agregue valor ao País”, questiona.

A Associação Brasileira de Indústria de Suplementos Minerais (Asbram) faz um alerta para a pecuária, no que se refere à falta de ureia, usada na fabricação de suplemento alimentar animal, que consome o produto, sobretudo, em períodos mais secos. Caso tenham de importar, o suplemento ficará 15% mais caro para o pecuarista.

Segundo a Asbram, as empresas produtoras de suplementos entregaram ao mercado brasileiro em 2017 a quantidade de 2.890.000 mil toneladas de suplementos e usam aproximadamente 200.000 toneladas de ureia pecuária, muito diferente do mercado de fertilizantes que entregou em 2017 o montante de 34.438.840 mil toneladas e importou desse montante 26.305.488 mil toneladas.

“Vamos ter uma reunião nesta terça-feira para ver a possibilidade de comprar a ureia pecuária da Fafen do Paraná. Vamos ver se terá como nos atender. O melhor seria continuar na Bahia, mas não estamos vendo jeito isso ocorrer”, declarou a vice-presidente da Asbram Elizabeth Chagas.