Feminicídios e mortes por intervenção policial aumentam na Bahia

Números foram divulgados pelo 12º Anuário da Segurança Pública nesta quinta (9)

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  • Thais Borges

Publicado em 9 de agosto de 2018 às 19:15

- Atualizado há um ano

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Na frente do próprio filho, Michele da Hora de Melo, 23 anos, foi assassinada na última terça-feira (7), em Lauro de Freitas. O suspeito é o próprio namorado, um adolescente de 17 anos, que está foragido. A polícia aguarda o resultado de um laudo para confirmar se houve também abuso sexual. Na quarta (8), Adriano Silva Gomes, 18, foi morto a tiros, segundo parentes, por policiais das Rondas Especiais (Rondesp), no bairro de Águas Claras, próximo a um ponto de revenda de drogas. Nesta quinta-feira (9), William Argolo Campo, 20, conhecido como Sky, foi morto em confronto com a polícia em uma operação na Rua da Polêmica, nas proximidades da Avenida ACM.

Os crimes revelam uma estatística: o aumento do número de feminicídios e de mortes decorrentes de intervenção policial na Bahia, de acordo com o 12º Anuário da Segurança Pública, lançado nesta quinta-feira (9) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Apesar desse aumento, o número de Mortes Violentas Intencionais (MVIs) no geral, e que englobam homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, policiais mortos em confronto e mortes decorrentes de intervenção policial, caiu de 2016 para 2017 – passou de 7.091 para 6.915 – uma queda de 2,9% entre um ano e outro. A taxa, no entanto, ainda é maior do que a nacional (45,1 contra 30,8 em 2017). Foi maior também em 2016 (46,4 contra 29,9).

Já o crescimento dos feminicídios e das mortes em decorrência de intervenção policial dispararam entre 2016 e 2017: 411% e 146%, respectivamente, considerando os números absolutos.   Clique para ampliar A pesquisa indicou ainda que, em 2017, o Brasil atingiu a marca histórica de 63.880 homicídios – uma taxa de 30,8 mortes para cada 100 mil habitantes (um número 30 vezes maior do que o índice da Europa). “É um cenário onde a violência é naturalizada. As pessoas defendem, muitas vezes, que o jeito de resolver a violência é com mais violência, seja a violência doméstica, seja a violência do estado. Mas a gente precisa dar um basta nisso”, aponta o diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, em entrevista ao CORREIO. Prevenção De acordo com Renato Sérgio de Lima, o estado brasileiro tem atuado muito. “Mas a pergunta que fica é: qual é a estratégia de prevenção para fazer algo diferente?”, pondera ele, que destaca que a regulação das Polícias Militares no Brasil é de 1983. A legislação que rege a Polícia Federal e as Polícias Civis estaduais é ainda mais antiga: de 1871, quando o Brasil ainda era Império. 

“A gente percebe que o cenário no Brasil é extremamente ruim. Não bastando tudo isso, os números de violência contra a mulher indicam que não é só o tráfico e a forma como atuam, mas que a violência é aceita pela população – seja a violência sexual, com os estupros, seja a violência doméstica, seja o feminicídio, assim como as mortes derivadas das disputas de território e intervenção policial”. 

Para o professor Luiz Cláudio Lourenço, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Ufba), as polícias agem com muita “severidade”. Esta semana, um caso simbólico desse perfil teve uma resposta parcial: 17 policiais militares foram indiciados pelo desaparecimento do adolescente Davi Fiuza, durante uma operação no bairro de São Cristóvão, em 2014. “As ações policiais que resultam em morte também são significativas aqui no estado, então, a polícia também é um problema, muitas vezes, nessa questão da dinâmica da violência”, diz o pesquisador do Lassos. Os negros são as maiores vítimas dessas violências porque, como o professor explica, a cor expressa muitos estigmas sociais. “A cor também expressa uma condição social que muitas vezes é o morador da periferia, que tem pouco acesso a bens e serviços, pouca relação com o estado, não tem uma série de direitos e é abordado de forma violenta pela polícia. Tem uma série de desrespeitos e desprestígios que acabam se acumulando e aparecem sintetizados também na cor da pele. A cor da pele sintetiza uma série de preconceitos da sociedade”. 

Já Renato Sérgio de Lima acredita que, em todo o país, se vive um problema social. Ele explica que, de um lado, o movimento negro denuncia o racismo, enquanto, de outro, o estado afirma que não é regido por cor ou raça. “Independentemente de quem tem razão, as evidências mostram que, sim, o Brasil tem um enorme problema racial que faz com que os negros tenham um risco de serem mortos muito maior do que os brancos”. 

Em nota, a SSP informou que “não coloca criminosos mortos em confronto, na mesma contabilidade, pois entende que é obrigação dos policiais agir de forma enérgica e proporcional a qualquer tipo de ataque. A legítima defesa dele e da sociedade são amparadas legalmente”. A secretaria também afirmou que “trabalha para garantir segurança a todas as raças e classes sociais”.

Mulheres Na Bahia, os homicídios de mulheres passaram de 443 em 2016 para 474 no ano passado. No entanto, o aumento entre aqueles tipificados como feminicídio foi maior de 18 para 74 – ou seja, um crescimento de 411%. Para a secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Julieta Palmeira, a Bahia já avançou no critério da tipificação. 

No entanto, ela reconhece que ainda há um grande caminho a percorrer, assim como no resto do país. E há casos que ainda deveriam ser classificados como feminicídio e não são – os que envolvem violência familiar (não apenas doméstica), como está previsto na Lei Maria da Penha. 

“Nós não podemos deixar de buscar uma exatidão na tipificação do feminicídio. Aqui na Bahia estamos tentando dar visibilidade a esses fatos. Quando morre uma mulher, a gente tem registrado a partir da rede de atenção porque é uma de lutar contra essas coisas, que se referem à cultura. É uma luta longa de descontruir uma cultura que cria agressores e que coloca a mulher em situação de subalternidade em relação ao homem”. 

Crime organizado O Fórum identificou algumas variáveis que podem ter influenciado no crescimento da violência no país. Uma delas, inclusive, é constantemente apontada pelas Secretarias da Segurança Pública de boa parte dos estados do Nordeste: as novas dinâmicas do crime organizado. Em todo o Nordeste, despontaram novas rotas de tráfico de drogas e armas (o Ceará, inclusive, passou a ser considerado um ‘hub’ para a saída desses artefatos com destino à Europa).  

No Nordeste, é comum que facções disputem o domínio de um mesmo território. Em São Paulo, por exemplo, isso já não acontece. Lá, praticamente só existe o Primeiro Comando da Capital (PCC). “Eles estão disputando rotas, mas têm suas origens nas prisões. Então, a questão prisional é um grande problema; é a soma dos nossos erros na segurança pública. No debate eleitoral, a gente tem que pensar: o que a gente vai fazer com o sistema prisional?”, questiona Renato Sérgio. 

Mas não é só isso, como destaca o professor da Ufba Luiz Cláudio Lourenço. São muitas variáveis que atuam, em conjunto, para o crescimento da violência. 

“A gente tem uma resposta ineficaz do estado como um todo. Enquanto o crime em âmbito nacional está conseguindo uma melhor articulação e ação, as forças de segurança não conseguem esse tipo de organização. Agora que está se tentando uma inteligência e articulação entre os estados, mas ainda está no começo”, diz ele. 

Ao CORREIO, a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA) informou que as ações repressivas e de inteligência são as principais responsáveis pelas reduções dos Crimes Violentos Letais Intencionais (homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte) na Bahia. A queda foi de 5% (2017 em comparação com 2016) e de 6,8%, no primeiro semestre de 2018, como indicou um balanço divulgado pela pasta recentemente.