Festa de São Roque e São Lázaro reúne milhares de fiéis na Federação

Alvorada às 5h deu início ao dia de festa para católicos e candomblecistas

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  • Tailane Muniz

Publicado em 16 de agosto de 2018 às 19:47

- Atualizado há um ano

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. por Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Para uns, São Roque e São Lázaro. Para outros, Omolú e Obaluaê, respectivamente. A verdade é que, independente de como são conhecidos, se como santos ou orixás, a fé neles arrasta, todos os anos, milhares de pessoas à espera suas bênçãos. Nesta quinta-feira (16) não foi diferente.

A Igreja de São Roque e São Lázaro, na Federação, ficou lotada de fiéis que, ao seu modo, tanto pediam quanto agradeciam. A festa, que começou com a alvorada, às 5h, só terminou no início da noite, depois de quatro missas, recitação do terço, além da missa festiva com o tema “Iluminados pelo testemunho de São Roque, sejamos sal da terra e luz do mundo”. A celebração foi comandada pelo arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom  Murilo Krieger. 

A fé que move montanhas, acredita a dona de casa Alaildes Rosas, 60 anos, é a mesma que traz a cura. "É muita, muita fé neles dois [São Lázaro e São Roque], que são os santos que curam. Vim porque tenho irmãs que estão enfermas. Sem fé, não vamos a lugar algum", defende ela, que fez questão de acompanhar a procissão. O cortejo saiu da igreja em direção ao Cemitério Campo Santo, também na Federação.

Católica, Alaildes comentou que todos os anos completa o trajeto inicial, e que depois retorna ao santuário. "Hoje eu vim pedir a cura de minhas irmãs e, principalmente, agradecer pela saúde que eles me dão para poder cuidar delas", comentou.

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Diferente da aposentada, o pai de santo Luís Carlos Templo, 31, não frequenta a igreja. Mas a fé que tem em Omolu e Obaluaê também promove curas. Adepto do candomblé há 18 anos, Luís elogia a convivência pacífica entre pessoas de diferentes religiões e destaca a importância dos orixás na sua crença."São os orixás da cura, são vivos na terra. Aqui, hoje, a fé é a mesma. Não há espaço para alimentar preconceitos e distinção porque nós cremos do mesmo jeito", pontuou  Luís, que fica na porta da igreja e promove o banho de pipoca - que, segundo ele, livra do mau olhado e traz prosperidade.O pai de santo explica que, para os adeptos do candomblé, só pedir não adianta. Vestidos de branco, filhas e filhos de santo, antes de solicitar algo, ofertam o Olobajé - uma oferenda feita à base de folha de bananeira e mamona, entregue simbolicamente a Omolu e Obaluaê. Arcebispo de Salvador, dom Murilo concorda com pai Luís. Para ele, a festa tem espaço para todas as pessoas.  "Cada um pode viver bem com a sua fé. Sem querer, por causa disso, destruir o outro. Pregamos amor, temos que ter respeito pelo outro. Deixar que eles [do Candomblé] pratiquem a fé com as suas expressões próprias e pedir que nos deixem praticar a nossa fé, com nosso jeito de celebrar", afirmou ao CORREIOO religioso explicou, ainda, que São Lázaro é reconhecido como um santo que cura pois morreu após contrair a peste, no século 14, após ficar órfão e viajar o mundo em peregrinação. "Sabendo que todo mundo fugia dos lugares e das pessoas marcadas pela peste, porque era contagiosa e levava à morte, ele passou a cuidar desses doentes com carinho especial. O carinho foi tão grande que ele contraiu a peste e acabou morrendo. Deu a vida por pessoas desconhecidas".

"Todos os anos estamos aqui, ofertando, agradecendo e, principalmente, emanando paz e prosperidade com o nosso banho de pipoca", acrescentou o pai de santo Luís Carlos.Emoção Ao caminhar pela Estrada de São Lázaro, onde a festa acontece, não é difícil encontrar alguém que afirme que foi curado pelos santos. Com os olhos marejados, o aposentado Airton Góes, 65, afirma que há dois anos foi agraciado com a cura do câncer."Ninguém vai me dizer que não são eles os responsáveis por eu estar hoje aqui, vivo, agradecendo. Eles me curaram, sim", garante Airton.Enquanto caminhava, acompanhando a procissão, o aposentado chorava e agradecia em voz alta. "São Lázaro é vivo! Amém! São Roque é vivo também", entoava ele, que mora na Federação e quase não falta às missas no santuário. "Um homem sem fé é um homem vazio", reflete. 

Faz quatro anos que a estudante Evelyn Neris, 23, raspou a cabeça e virou filha de santo. Para ela, a festa de São Lázaro e São Roque contempla todas as religiões. "Somos todos por eles, independente de sermos de santo ou da igreja. O que vale mesmo é vir na paz e agradecer", conta ela, que esteve no festejo acompanhada da família. "É um momento muito emocionante. Hoje eu não vim com meu balaio, como em todos os anos, mas estou aqui com a fé de sempre", reitera ela a jovem, que estava acompanhada de primas, tias e sobrinhas. Profanos Além de católicos e candomblecistas, a festa dos santos também tem espaço para quem não é, assim, tão ligado ao religioso. Isso quem garante é a atendente Mariana Cardoso, 26, acompanhada de um grupo de amigos."Viemos para comer um feijão e tomar uma cervejinha, porque é de lei. Claro que a gente tem simpatia pelos santos, mas aqui em Salvador a gente procura é motivo pra fazer festa", brinca.Mesmo não tendo um compromisso de fé com Lázaro e Roque, a atendente afirmou que tomou o banho de pipoca e assistiu às missas antes de "tomar uma cervejinha". "Como diz minha mãe, primeiro a obrigação, depois a devoção", completou Mariana, aos risos.

Para dom Murilo Krieger, pessoas como Mariana também são bem-vindas. "Nós temos o mesmo respeito por pessoas de qualquer religião, ou até sem religião alguma. Não nos cabe julgar ninguém, mas conviver com quem convive quem está disposta conosco. Pedimos que eles nos respeitem e nós respeitaremos eles. Quem quiser participar de nossas celebrações, participa", garante.

Com uma garrafa de vodca em uma mão e uma imagem de São Lázaro na outra, o comerciante Rodrigo Carvalho, 47, explica que o que vale é a intenção. "Eu vim, pedi, agradeci e agora estou tomando uma, porque não faz mal". Quem acha que católicos, adeptos do candomblé e 'reggaeiros' não se misturam, é porque não sabe que hoje é dia de São Roque, bebê.