Festa junina onde sanfona é substituída por tambor, pandeiro e palmas

Tradição do samba junino é resgatada nos bairros da capital com tombamento da manifestação como patrimônio imaterial e concurso

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 23 de junho de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva

Há pelo menos 40 anos, as comunidades de localidades como Engenho Velho de Brotas, Engenho Velho da Federação, Federação, Fazenda Garcia, Tororó e Nordeste de Amaralina preparavam uma competição para escolher o melhor samba duro. O ápice da festa, que começava sempre no sábado de Aleluia e só se encerrava nas festas de São Pedro, era realizado na noite de São João e por isso ganhou o nome de samba junino.

 O tempo e as dificuldades amorteceram a força dessa tradição. Esse ano, a manifestação ganhou um novo fôlego através da premiação criado pela  Prefeitura Municipal, via  Fundação Gregório de Mattos (FGM). O edital, que contemplou seis propostas, veio na sequência do registro do samba junino  como patrimônio imaterial cultural da capital baiana.

 Esses grupos serão os responsáveis por uma extensa programação nesse fim de semana e no próximo. Os arrastões, passeatas e diversas apresentações começam hoje, das 19h às 23h, quando os integrantes do Samba Fama farão um arrastão musical, partindo da Vasco da Gama, na altura da agência da Caixa Econômica, ao Garcia. 

Também hoje, outros três eventos do gênero serão realizados na cidade: às 20h, o grupo Samba Fogueirão fará arrastão saindo da Federação, sentido Engenho Velho de Brotas, Brotas, Vasco da Gama e Tororó. Das 20h até as 2h da madrugada, o grupo Samba Tororó fará apresentação no Tororó. Nesse mesmo horário, o Engenho Velho de Brotas receberá passeata da banda Jaké.

Amanhã, o Samba Tororó promoverá mais um arrastão, partindo, às 17h, do Tororó ao Terreiro de Jesus, no Centro histórico. Das 16h às 23h, o grupo Leva Eu conduzirá um cortejo que sairá do Largo da Capelinha e percorrerá algumas ruas do bairro até o fim de linha, com retorno para o largo. Após o desfile, na Rua Maria Felipa, haverá apresentações do grupo de samba Os Mulatos, de uma banda de forró e, para fechar a noite, uma festa comandada pelo Leva Eu.

Berço ancestral Se você é uma dessas pessoas que se pergunta que novidade é essa de samba no São João, vale  salientar que, de nova, essa manifestação não tem nada. De acordo com a gerente do patrimônio Cultural da FGM, Magnair Barbosa, o samba junino surgiu em torno das casas de candomblé de Salvador, no bojo da religiosidade popular, presente nos terreiros e em muitas festividades de matriz africana nas festas de caboclo.

“As manifestações são iniciadas ainda na chamada queima de Judas, no sábado de Aleluia, com encerramento nos festejos ao 2 de Julho, incluindo nesse período as rezas direcionadas aos santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro”, esclarece Magnair.

O estilo samba duro, assim chamado porque era feito por homens e, na época, a convenção cultural dizia que homem não mexia, nasceu dos sambas de roda, cantados no Recôncavo e na capital. Os ensaios, competições e disputas, inclusive, serviram como base para o surgimento de estilos musicais contemporâneos como o pagode, além de projetar muitos artistas conhecidos do grande público como Tatau, Reinaldo, Alexandre Guedes, Ninha, Tonho Matéria e Márcio Victor.

Tambor no Centro  Segundo o músico Jorjão Bafafé, representante da Federação de Samba Duro Junino do Estado da Bahia - que foi fundada em 2000 e reúne dez grupos - , no samba junino o tambor é a liderança e a africanidade é o traço principal. “Era um passatempo, um lazer acompanhado de laranja e licor e de uma vontade sincera de dividir a alegria”, completa o produtor cultural, que aprendeu a festejar com a avó, que era devota de São João e São Pedro, mas também homenageava o orixá Xangô. 

Jorjão até recorda um versinho que marcava os desfiles: “Abra a porta de São Pedro que eu quero fazer meu brinquedo”..., que eram entoados aos sons dos tambores, palmas, atabaques, pandeiros e vozes nas diversas expressões do samba junino. Hoje e amanhã, ele estará à frente dos arrastões no Engenho Velho de Brotas, bairro onde cresceu e ajudou a desenvolver a festa. “Nosso São João não é feito com sanfona, é feito com tambor”, reforça o percussionista.      Márcio Victor, vocalista do Psirico, também guarda ternas lembranças dos concursos realizados no Engenho Velho de Brotas. “Desde criança participava, pois meus tios cantavam e eu aproveitava para tocar quando deixavam”, conta, ressaltando que, naquele período, as pessoas simples abriam suas casas para  os grupos de samba que saiam de bairro em bairro, fazendo uma festa junina diferente, onde a sanfona, zabumba e o triângulo não eram protagonistas. 

 “Durante um ano inteiro as pessoas pagavam um carnê que possibilitava montar a estrutura e até mesmo o ônibus que levava os músicos de bairro em bairro”, conta Márcio. Ele lembra que, na época, era comum os comerciantes dos bairros patrocinarem a farra. “Como os sambas juninos sempre foram muito populares, feitos por uma classe trabalhadora, havia ainda grupos que se especializavam em fazer sambas de protesto”, completa.

 Esse ano, o músico participará do arrastão do Leva Eu e, até o final do ano, gravará um álbum só com sambas de roda com a participação de Roberto Mendes. “O samba junino sempre foi desvalorizado e o que estamos fazendo agora é tentar encorajar os grupos a continuarem nessa expressão que foi o meu berço e de muitos outros músicos”, diz o vocalista do Psi. Márcio participará no dia 29 do Arrastão dos Abraaões e no dia 30 do Arrastão SemRanço. “Muito ainda precisa ser feito para garantir a manutenção dessa tradição, mas acredito que alguns passos estão sendo dados nesse sentido e por isso faço questão de prestigiar”, pontua.

Quem também fará festa junina com samba é Compadre Washington. Amanhã, ele promoverá, a partir das 16h, o Arrastão do Compadre, que sai da entrada do bairro da Saúde e percorre toda a localidade até o largo, onde uma fanfarra tocará músicas de São João e sucessos do grupo É O Tchan. O samba segue com apresentações até às 22h.

Memória  Boa parte da história dos últimos 40 anos de samba junino em Salvador foi catalogada em um dossiê técnico da Fundação Gregório de Mattos, exigido para o reconhecimento da manifestação como um patrimônio. Nele, constam fotografias, registros audiovisuais, textuais e orais, que podem ser consultados por pesquisadores e pela comunidade em geral na sede da fundação, na Barroquinha.

O samba duro que dá a base ao samba junino era assim chamado porque era feito por homens e, na época, a convenção cultural dizia que homem não mexia (Foto: Marina Silva) ARRASTA PÉ DIFERENTE23/06 19h às 23hSamba Fama .Arrastão Da Vasco da Gama ao Garcia23/06 A partir das 20hSamba Fogueirão. Arrastão Federação, Eng. Velho de Brotas, Brotas, Vasco da Gama e Tororó23/06 20h às 02hSamba Tororó Apresentação e homenagem a grupos e personalidade do Samba Junino no Pandeirão do Apaches23/06 22h às 02hJaké. Passeata com grupos de Samba Junino no Eng. Velho de Brotas24/06 A partir das 17hSamba Tororó . Arrastão Do Tororó ao Terreiro de Jesus24/06 16h às 23hLeva Eu . Arrastão e apresentação Largo da Capelinha no Eng. Velho de Brotas28/06 19h às 23hSamba Fama. Arrastão Da Vasco da Gama ao Engenho Velho de Brotas29/06 A partir das 20hSamba Fogueirão. Fogueirão de casa em casa. Rua 11 de Agosto. Vasco da Gama29/06 21h às 02h

Jaké. Arrastão Largo da Capelinha ao Solar Boa Vista, no Engenho Velho de Brotas30/06 16h às 22hJaké. Encontro de Samba Junino no Solar Boa Vista do Engenho Velho de Brotas07/07 18h às 00hSamba Fogueirão. Apresentação e premiação do festival de música na Rua 11 de Agosto, na  Vasco da Gama