Festa no capricho deveria ter sorvetes finos

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  • Nelson Cadena

Publicado em 3 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Na noite de 7 de abril de 1912, o Palácio da Aclamação abriu suas portas para recepcionar o corpo legislativo com um magnífico banquete dançante encomendado pelo recém-empossado governador José Joaquim Seabra. Presente a mais alta sociedade baiana, mais de uma centena de senhoras e senhoritas e, do lado de fora, outro tanto de curiosos. Destacavam-se no ambiente os carrinhos de sorvete que o Dr. Mario Imbassahy, responsável pelo buffet, encomendara na Alemanha para servir dois mil sorvetes, doces finos e chocolates. O maestro Mário De Vecchi, ao piano, revezava-se com as duas orquestras que animaram o baile até as 2h  horas da manhã.

Naquele tempo, festa no capricho deveria ter sorvetes finos, serviam-se junto com os doces e chocolates que nunca faltavam na sobremesa. E Seabra, pelo visto, era um apreciador, desde o tempo em que residia no Rio de Janeiro. Empossado ministro do Interior, em todas as recepções de sua pasta, os jornais sempre destacavam o bom serviço de sorvetes. 

O hábito dos baianos de degustar sorvetes tinha um horário, assim como o chá das cinco dos ingleses. O nosso era no pôr do sol. Os famosos sorvetes do Chalê Parisiense, no Campo Grande, eram servidos pontualmente às 18 horas. Os servidos aos frequentadores do Cinema Ideal (1915) ou do Kursal baiano (1919), que depois se tornou o cinema Guarany, também tinham esse horário como referência. Era hábito muito antigo: em 1840,  o Hotel da França, no Comércio,  servia sorvetes aos frequentadores do espaço, às 18 horas também.

Em finais do século XIX, o Restaurante Ferreira, na Rua do Palácio, famoso pelas suas gemadas, caprichava nos sorvetes de creme (preparados com leite de Itaparica) e de frutas da estação, no início da noite, antes do pianista da casa iniciar a sua apresentação. Pela mesma época, o Restaurant Cosmopolita, que oferecia deliciosas cajuadas e finos vinhos do Porto,  passou a vender sorvetes no fim de tarde. O coronel Ulysses de Castro, proprietário do Hotel Paris, que ficava do outro lado da rua do Hotel Sulamericano, na subida de São Bento, era um entusiasta do produto, servia-os no horário referido, sorvetes de diferentes frutas, na melhor tradição baiana.

A chegada de “modernas” máquinas de preparar sorvetes, na década de 1860, fabricadas nos Estados Unidos, e, mais tarde,  na década de 1890, das chamadas geladeiras portáteis, impulsionou a fabricação e venda do produto. O sorvete de rua, no século XIX, era vendido na Rua do Corpo Santo e outros pontos próximos do Porto, e em inícios do século XX pelos sírios que dominavam boa parte do comércio ambulante na cidade. Depois foi assumido pelos baianos. Não era higiênico. Usava-se um mesmo copo e uma mesma colher, “lavados” em um balde de água, a cada novo freguês. Sorvetes de duvidosa procedência como os geladinhos de gelo raspado que, mais tarde,  fariam a alegria de muitos jovens e adolescentes.

Os africanos nos legaram a culinária baiana a sal, os portugueses as sobremesas, uma variedade de doces imensa. E os sorvetes? Os de creme, chocolate e morangos podem ter tido influência francesa e portuguesa, nessa ordem de prioridades, mas os de frutas da estação servidos nos melhores hotéis, restaurantes e cafeterias da cidade tinham com certeza um toque baiano. O sucesso mais tarde de A Cubana (1930) e da Sorveteria da Ribeira (1931), nossas primeiras geladarias de fato, decorreu justamente dessa incorporação da tradição no preparo artesanal com variedade de frutas.