Festivais de cultura estão sob ameaça de não acontecer na Bahia

Produtores escreveram carta cobrando verbas da Secretaria de Cultura do Estado

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  • Roberto Midlej

Publicado em 3 de novembro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Realizadores de nove eventos culturais baianos emitiram uma carta aberta para cobrar da Secretaria de Cultura da Bahia (Secult-BA) a liberação de recursos atrasados destinados à realização de festivais programados para este ano. As produções haviam sido selecionadas no edital Eventos Calendarizados - promovido pelo Governo do Estado -, mas, segundo os signatários da carta, há risco iminente de que elas não aconteçam.

Há também casos de eventos que já foram realizados, mas ainda não receberam recursos, como o Festival de Dança de Itacaré, que aconteceu em 4 de novembro do ano passado e até agora não recebeu os valores referentes à segunda parcela do edital, no valor de R$ 69.779,83. Segundo Verusya Correia, idealizadora do festival, houve uma mudança na Diretoria de Controle  da Superintendência de Promoção Cultural da SECULT, o que provocou alterações nos critérios de prestação de contas. Verusya Correia (foto: divulgação) “Estávamos habituados a determinadas orientações, que foram alteradas depois que a nova diretoria assumiu. E a Secretaria não tem sido clara sobre alterações. A comunicação deles é ruim. E isso provocou atraso na minha prestação de contas. A minha prestação foi recusada e questionaram coisas que antes não eram questionadas”, queixa-se Verusya.

A produtora afirma que está em débito com fornecedores e prestadores de serviços que trabalharam para o Festival de Dança no ano passado. Verusya afirma que alguns técnicos da Secult não estão sequer familiarizados com a nomenclatura das linguagens artísticas. Segundo ela, os técnicos não entenderam que uma “instalação” é uma obra de arte: “Eles pensavam que estava me referindo a uma instalação elétrica ou instalação de um banheiro”, diz a produtora.

Cláudio Marques, que organiza o Panorama Internacional Coisa de Cinema, pretende realizar o evento a partir do dia 25 deste mês. Mas só na sexta-feira, 30, recebeu a última parcela referente à edição do ano passado.“Mas para liberar o recurso para o evento deste ano a lei exige que, antes, eu preste contas dessa parcela que recebi na sexta-feira. E queremos realizar o Panorama ainda neste mês. Mas como vou prestar contas em tão pouco tempo?”, questiona Cláudio. Cláudio Marques (Foto: Divulgação) Há ainda o caso de Selma Santos, que realiza o Festival Internacional de Artistas de Rua, programado para acontecer virtualmente em razão da pandemia, em dezembro.

Desde março, Selma tenta receber os recursos.“Deveríamos ter recebido as parcelas em janeiro e abril deste ano, mas, para isso, precisava prestar contas da parcela anterior. Prestei contas e elas foram aprovadas, com algumas ressalvas, referentes a alguns documentos. Enviei os documentos por e-mail em maio e me deram a confirmação de que haviam recebido. Mas hoje continuam me pedindo os mesmos documentos, alegando que eu não enviei”, diz Selma. A produtora diz que em 15 de julho mandou um e-mail para saber o andamento de seu processo, mas até hoje não obteve resposta. No mês passado, mandou uma nova mensagem, para a chefe de gabinete, mas, novamente, não teve retorno.

A Secult enviou para o CORREIO uma nota explicando o não pagamento das parcelas.  De acordo com o comunicado, “os eventos Festival de Dança de Itacaré, Festival Internacional de Artistas de Rua, Festival Internacional da Sanfona, Festival Internacional Latino Americano de Artes Cênicas da Bahia (FILTE), IC - Encontro de Artes Vivadança - Festival Internacional, Projeto Cantoria de São Gabriel e Panorama Internacional Coisa de Cinema possuem prestações de contas com pendências, não entregues ou ainda em processo de análise pela Comissão Gerenciadora do FCBA, por isso não estão recebendo os repasses financeiros”.

Leia a carta dos produtores  e a resposta da Secult na íntegra

Principais Festivais da Bahia sob Risco

Profissionais de toda a cadeia produtiva das artes – técnicos, produtores culturais e artistas – aguardam respostas sobre a realização dos principais festivais da Bahia, que sofrem o risco de não acontecer em 2020. A Secretaria de Cultura do Estado também não pagou parcelas devidas a eventos realizados o ano passado. Festival de Dança de Itacaré, Festival Internacional de Artistas de Rua, Festival Internacional da Sanfona, FILTEBAHIA – Festival Internacional Latino Americano de Teatro da Bahia, IC – Encontro de Artes, Panorama Internacional Coisa de Cinema, Projeto Cantoria de São Gabriel e Vivadança Festival Internacional possuem contratos (TAC) assinados com a Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT), mas até a presente data não receberam o repasse financeiro devido para serem realizados em 2020. Para piorar, o Festival de Dança de Itacaré, ainda não recebeu a segunda parcela devida ao evento realizado no ano passado. Já o Panorama Internacional Coisa de Cinema recebeu o dinheiro apenas no dia 29/10/2020. Isso significa que há cerca de um ano colaboradores e prestadores de serviços estão sem receber após terem trabalhado arduamente para que os eventos fossem realizados da melhor maneira possível. Normalmente, tal situação não seria aceitável. Ainda mais considerando que estamos em ano de pandemia. Todos os festivais citados foram selecionados pelo edital “Eventos  Calendarizados”, que se notabilizou nacionalmente por ser uma das mais avançadas políticas públicas implementadas pelo Governo do Estado da Bahia. Criado em 2013, o edital permite que quinze festivais se organizem e potencializem suas ações durante, pelo menos, três anos seguidos. Referência em todo país, o edital “Eventos Calendarizados” vem passando por uma grande crise desde 2019, com imensos atrasos no repasse das parcelas, pouco diálogo por parte da SECULT e alterações nas regras das prestações de contas, após a chegada de uma nova equipe na DAC (Diretoria de Controle) da Superintendência de Promoção Cultural da SECULT. Os atrasos nas análises das prestações de contas passaram a ser constantes. Ainda em 2019, muitos festivais e eventos foram adiados, ou mesmo realizados sem que os repasses devidos fossem feitos. As cobranças que recaem sobre os proponentes são inúmeras e a impressão que temos é que os distintos setores da SECULT não conversam entre si. Os proponentes, imbuídos do desejo de manter o calendário de eventos para o estado, aliado ao interesse em normalizar as relações com a nova diretoria, insistiram na comunicação com a SECULT e na realização dos eventos mesmo diante de todas as dificuldades. É preciso reiterar a importância dessa ferramenta de política pública, que garantiu e permitiu a distribuição de importantes eventos ao longo do ano. Pela primeira vez, foi possível construir um calendário em consonância com os demais festivais, em nível estadual e federal. Trata-se de uma conquista preciosa para as artes e para o público baiano, em geral. Em 2020, ano de pandemia, a situação se revelou ainda mais complicada. Apesar de termos contratos assinados, nenhum dos signatários dessa carta recebeu as parcelas devidas. Importante dizer, ainda, que a maioria dos eventos apresentou planos de trabalho para realização em formato virtual. Sem a liberação dos recursos para sua realização e sem uma previsão concreta desses repasses por parte da SECULT, os festivais se encontram em uma situação delicada, pois já não é mais possível desfazer o trabalho realizado até então.  Vale lembrar que a curadoria de um evento leva cerca de seis meses e todos os proponentes já praticamente a realizaram para suas edições, em 2020. Jamais foi trabalhada a possibilidade de não cumprimento dos contratos com a SECULT. Centenas de trabalhadores da cultura, que contam com esses festivais, se encontram em um estado de apreensão. O público baiano, acostumado com os eventos e festivais mencionados, aguardam por suas realizações em um ano em que a arte se revelou ainda mais importante do que nunca para que todos mantivessem o equilíbrio emocional. A grande maioria dos festivais se comprometeu com artistas e instituições nacionais e internacionais de diversos estados. Estamos sem poder honrar com esses acordos, o que vem prejudicando e comprometendo diversas parcerias e apoios que foram construídos durante anos de árduo trabalho por todos os proponentes. Todos compreendem que estamos em um ano atípico, de coronavírus e que existem dificuldades graves em todos os níveis e esferas da sociedade. Compreendemos as dificuldades operacionais da SECULT em ano de Covid-19 e desde sempre nos colocamos abertos ao diálogo. Já não é possível, porém, continuar com tais indefinições. Como se vê em todos os estados do país, vivemos um momento de buscar soluções para que os trabalhadores do setor cultural não se vejam em situação de abandono e precariedade. O edital “Eventos Calendarizados” é uma das mais importantes criações da SECULT e não nos parece compreensível não cuidar de sua continuidade. Juntando os últimos dois anos, os festivais mencionados acima tiveram números expressivos: 1.910 empregos diretos; 3.110 empregos indiretos; Público de 188.161 pessoas; 976 sessões; 2.158 artistas convidados; 366 atividades de formação; 165 dias com atividades artísticas;

Ainda há tempo para que a maioria dos festivais e eventos aconteça em 2020. Os proponentes se colocam à disposição para solucionar todas as questões. Temos esperança e nos colocamos à disposição da secretária Arany Santana, por quem nutrimos grande admiração e respeito, além de toda a equipe da SECULT. Para isso, é necessário que a SECULT cumpra os contratos e deposite, com urgência, a parcela devida. Para os demais eventos, a SECULT deve prorrogar o TAC para o biênio 2021/ 2022. É inadiável que a SECULT procure cumprir prazos, seja transparente e se organize para que os eventos Calendarizados, com datas previamente marcadas, não sejam mais penalizados.

Assinam essa carta:

Festival de Dança de Itacaré  Festival de Jazz do Capão  Projeto Cantoria de São Gabriel  FILTEBAHIA – Festival Internacional Latino Americano de Teatro da Bahia  IC – Encontro de Artes  Panorama Internacional Coisa de Cinema (Marília Hughes Guerreiro e Cláudio Marques Vivadança Festival Internacional Festival Internacional da Sanfona -  Celso Carvalho  FENATIFS - Festival Nacional de Teatro Infantil de Feira de Santana   

Resposta da Secult

"A Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) apoia a realização de eventos consolidados de grande e médio porte, com vistas à formação de calendário cultural que contemple diversos segmentos da cultura e diferentes regiões do estado.   Os eventos vigentes foram selecionados por meio de edital para o período de 2017-2019 e tiveram o apoio prorrogado até 2021. Até o momento já foram liberados R$ 8,8 milhões de apoio financeiro aos eventos calendarizados. Os recursos são do Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA), que acompanha os planos de trabalho, da execução até a prestação de contas.   Os repasses financeiros estão condicionados ao atendimento, pelos proponentes, de: •    obrigações legais (tributárias, contábeis, orçamentárias, cláusulas do Termo de Acordo e Compromisso - TAC),  •    aptidão no momento do desembolso (situação de aprovação de marco executivo, regularidade fiscal, dentre outros),  •    entrega e aprovação das prestações de contas das parcelas anteriores, além de valor e período de concessão de recursos por parte da Secretaria da Fazenda (Sefaz).  As exigências visam cumprir determinação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) para aprimoramento do controle interno, notadamente, quanto aos mecanismos de acompanhamento e fiscalização da execução contratual.  Os eventos Festival de Dança de Itacaré, Festival Internacional de Artistas de Rua, Festival Internacional da Sanfona, Festival Internacional Latino Americano de Artes Cênicas da Bahia (FILTE), IC - Encontro de Artes Vivadança - Festival Internacional, Projeto Cantoria de São Gabriel e Panorama Internacional Coisa de Cinema possuem prestações de contas com pendências, não entregues ou ainda em processo de análise pela Comissão Gerenciadora do FCBA, por isso não estão recebendo os repasses financeiros regularmente.  Os proponentes já foram informados sobre a necessidade de eventuais ajustes nas prestações de contas, sobre o andamento dos processos e receberam orientações para sanar as pendências identificadas.  A realização de edições dos eventos durante a pandemia está condicionada à apresentação e aprovação de novos planos de trabalho, que estejam adequados à realidade propiciada pela Covid-19, em formatos que atendam às regras sanitárias vigentes."