Festival de Humor Negro faz público rir com artistas negros

De sexta a domingo, evento recebe três espetáculos no Teatro Jorge Amado

Publicado em 20 de dezembro de 2019 às 06:20

- Atualizado há um ano

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Não ser o motivo da chacota, mas proporcionar o riso. Essa é a grande proposta do Festival de Humor Negro, que acontece de hoje a domingo no Teatro Jorge Amado. Provocativo desde o nome, o evento questiona o porquê de classificarmos o humor macabro como "negro", e o desloca para o protagonismo de pessoas negras fazendo humor. "O festival e os humoristas que convidamos para essa primeira edição estão aí para provar que a gente pode contar nossa história, falar do que a gente vive, sem ser a chacota, sem estar naquele lugar caricato e depreciativo", explica a produtora Val Benvido, idealizadora do evento.

A baiana Maíra Azevedo abre a programação hoje com o talk show De Cara com Tia Má. Amanhã, o palco ficará por conta da carioca Luana Xavier, estreando em Salvador sua comédia Luana no País das Maravilhas. O encerramento do Festival Humor Negro no domingo será feito pela dupla Sulivã Bispo e Thiago Almasy, mais conhecidos como Júnior e Mainha - na peça Na Rédea Curta. Os ingressos já estão sendo vendidos no site Ingresso Rápido e custam R$ 50 (individual) e R$ 120 (passaporte para os três dias). Cria do Ilê Aiyê, Val Benvindo cresceu sabendo do seu papel enquanto mulher negra em uma sociedade racista. "Em tudo que eu faço, eu tenho a raça como pauta principal, e não podia ser diferente na minha profissão, no meu fazer enquanto produtora" (Foto: Reprodução/ Instagram) “A pauta racial está presente na linguagem, texto, cenário, figurino dos três espetáculos, e é isso que queremos pautar, visando resignificar algumas expressões populares”, explica Benvindo, para quem é mais fácil transformar o entendimento acerca das expressões que retirá-las do vocabulário de forma impositiva.

Para Thiago Almasy, a realização do festival reflete uma mudança de pensamento. "Já passou da hora de transformar os modos como fazemos graça. O Na Rédea Curta está muito ligado a isso, aliado a uma nova forma de dar protagonismo a pessoas negras", comenta.

Parceiro de Thiago em cena, Sulivã Bispo diz que dignificar a cultura identitária do povo negro através do humor, não é um dever, e sim uma missão. "Somos carentes do humor negro, de um humor que fale bem da nossa etnia, enalteça os nossos hábitos, fale dos nossos costumes com graça, e não os ridicularize. Se hoje sou humorista, é porque tive referência. Grande Otelo precisou existir, quebrar os paradigmas da opressão e ser meu ídolo. Tenho consciência de que sou continuidade, e faço da comédia um punho cerrado contra a discriminação", defende.

O fato de o evento acontecer no Teatro Jorge Amado também é celebrado pelos artistas. "Esse palco se tornou um amuleto de sorte para mim. Foi ali que subi pela primeira vez no palco como humorista, então eu me sinto extremamente responsável por fazer aquela plateia rir. Eu estou muito feliz, e espero que o povo vá para lá, tirar o sapatinho e botar o pé no chão, e acompanhar o De Cara Com Tia Má", convida.

Única artista de fora da Bahia, a carioca Luana Xavier foi convidada para apresentar o evento, já que não tinha nenhum espetáculo pronto, mas em um mês, decidiu preparar uma obra inédita. "O espetáculo surgiu de uma conversa com um amigo roteirista, na qual a gente falava de como é mais difícil as pessoas negras fazerem acontecer, mesmo com todo talento. As oportunidades são muito menores para nós, então pensamos em criar um mundo diferente, onde ocorresse o inverso, e ele criou esse mundo das maravilhas para mim", lembra Luana Xavier.

Para ela, que não vem do humor, uma responsabilidade muito grande. "Eu sou uma atriz, e estou me aventurando no humor. Acho que ele acaba perpassando a minha vida e a minha carreira, mas não de uma forma tão direta quanto neste espectáculo", pondera.

Desafios Apesar de o riso imperar em meio a questões sérias, muitos são os desafios enfrentados para colocar uma ideia como essa em prática. "Fazendo um paralelo com a cena do humor norte-americano, muitos dos humoristas pretos de lá vieram de comunidades. O soteropolitano é conhecido por seu bom humor, e eu acho que a gente precisa aproveitar mais isso. No Curuzu, eu conheço pessoas super engraçadas, que dariam ótimos comediantes, mas que a gente não enxerga, não profissionaliza", avalia Benvindo. Para ela, quando humoristas negros, seja de onde for, começam a contar histórias, há uma identificação, e é preciso que haja ainda mais oportunidades para esses talentos, muitos deles revelados na internet. 

Como boa parte do consumo de humor hoje se dá via redes sociais, outro desafio é transformar essa audiência em plateia. "Por mais que as pessoas sejam super estouradas na internet, é sempre um risco, mas eu acredito muito nessa cena, que está forte no Brasil inteiro, e em Salvador também. Tanto Tia Má quanto os meninos do Na Rédea Curta são uma prova de que o offline também é importante. Até porque as pessoas vêem no online, riem, choram, mas também querem abraçar, olhar no olho daquele artista e dizer que ele emocionou, riu junto, que a história é assim mesmo", aposta, ao dizer que a internet pode auxiliar a formação de plateia no teatro, que nos últimos anos viu seu número de frequentadores cair na cidade.

SERVIÇO

Festival Humor Negro  Dia 20/12 - Tia Má com a Língua Solta  Dia 21/12 - Luana no País das Maravilhas  Dia 22/12 - Na Rédea Curta - A Peça  Valor unitário: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia) Combo dos três dias: R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia) No Teatro Jorge Amado, Pituba