Festival inaugura sede da Fundação Gregório de Mattos e Quarteirão das Artes

Márcia Short, Duo BAVI e Afoxé Filhos do Congo estarão na inauguração do complexo cultural, nesta segunda-feira (7)

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  • Laura Fernades

Publicado em 5 de outubro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Marina Silva/CORREIO
Nova Fundação Gregório de Mattos teve investimento de quase R$ 11 milhões, sendo R$ 9 milhões fornecidos pelo Iphan, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - Cidades Históricas, e R$ 1,5 milhão pela Prefeitura por Foto: Marina Silva/CORREIO

Se o projeto #vemprocentro ainda não sensibilizou o leitor a ocupar as ruas do Centro Histórico de Salvador, aqui vai mais um atrativo: a nova sede da Fundação Gregório de Mattos (FGM) será inaugurada na segunda-feira e, junto com ela, o primeiro Quarteirão das Artes da cidade. Por isso, a partir das 18h, quem passar pela Ladeira da Barroquinha vai se deparar com uma maratona artística.

Márcia Short, Duo BAVI e Filhos do Congo estão entre as atrações do evento gratuito que dá as boas-vindas ao novo complexo cultural composto por diferentes espaços. O prédio do antigo Hotel Castro Alves e três sobrados anexos vão formar a nova sede da FGM, que deixa de funcionar na Rua Chile e se junta aos já tradicionais Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, Espaço Cultural Barroquinha e Teatro Gregório de Mattos, para formar o Quarteirão das Artes.

“Sou vizinho, acompanho essa luta e acho que é uma conquista muito grande para todo o Centro Histórico”, destaca o cineasta Cláudio Marques, 49 anos, diretor do Espaço Itaú Glauber Rocha que funciona na Praça Castro Alves há dez anos. “Nos primeiros seis anos, foi preocupante, fiquei praticamente sozinho. O [hotel] Palace estava fechado, as linhas de ônibus diminuíram, parecia que as coisas estavam se degradando”, lembra. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Apesar do cenário, Cláudio destaca que nos últimos anos as coisas começaram a mudar. Além de passar por reformas e prever o funcionamento de 80% das instituições administrativas do município até 2020, o Centro já recebeu a inauguração de hotéis como o Fasano, o Fera Palace e agora inaugura o Quarteirão das Artes, conjunto arquitetônico dedicado aos equipamentos culturais.

Feiras, seminários, rodas de conversa e espetáculos de música, teatro e dança vão movimentar ainda mais a região. “É muito raro ter dois teatros, uma sala de cinema com café e essa vista maravilhosa. É uma região importante de Salvador, onde estão nossas raízes, nossa história. É onde estão Castro Alves, Gregório de Matos, Glauber Rocha, nossa encruzilhada cultural”, elogia Cláudio.

Complexo A ideia da programação de segunda-feira é apresentar ao público o resultado das obras da nova FGM, que recebeu um investimento de quase R$ 11 milhões. Destes, R$ 9 milhões foram fornecidos pelo Iphan, via PAC Cidades Históricas, e R$ 1,5 milhão pela Prefeitura, através do processo de desapropriação dos imóveis.

Quem passar pela Ladeira da Barroquinha, portanto, vai ver que a FGM passa a abrigar o Espaço Cultural Boca de Brasa – Centro, com duas salas de ensaio, além do Café-Teatro Nilda Spencer. Tem, ainda, um estacionamento para 300 carros e uma sala multiuso, que vai funcionar como auditório e espaço para as reuniões do Conselho Municipal de Políticas Culturais e do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.

Na inauguração, Márcia Short vai cantar no Café que presta homenagem à atriz baiana Nilda Spencer (1923- 2008). “Nilda foi uma das pessoas que me ensinou a fazer humor. Foi uma grande atriz e boêmia – circulava por todos os bares com desenvoltura”, explica o presidente da FGM, Fernando Guerreiro, 58, sempre bem-humorado.

Já o Duo BAVI se apresenta no pátio externo da FGM, enquanto o afoxé Filhos do Congo faz o receptivo pelas ruas. Ao mesmo tempo, duas oficinas acontecem simultaneamente nas salas do Boca de Brasa – Centro: uma de teatro, com a professora Zeca de Abreu, e outra de percussão, com o professor Nairo Elo.

“A gente acabou criando o maior complexo cultural da Bahia. Nenhum estado tem esse número de equipamentos multilinguagem. Vai dar mais trabalho, já estamos enlouquecidos (risos), mas a ideia é deixar um legado, porque já estou me aproximando do final da minha gestão. A ideia é valorizar o Centro”, reforça Guerreiro.

Do povo Frequentador assíduo da região, muito antes de assumir a direção da FGM, Guerreiro lembra que desde criança passeava pelo Centro, já que o pai era comerciante. De tanto subir e descer o Elevador Lacerda, conheceu personagens como A Mulher de Roxo, figura emblemática e misteriosa que perambulava pelas ruas, nos anos 60 e 70, vestida como uma freira: com túnica, véu, colar com crucifixo e uma bíblia nas mãos.

“O que mais me emociona aqui são as pessoas. A verdadeira Salvador não está na Tancredo Neves, está no Centro. As figuras mais interessantes (e loucas também)”, ri Guerreiro, um dos diretores mais importantes do teatro baiano. Para ele, não existe rua sem população, porque “acaba gerando um cenário vazio”. Por isso, defende que as pessoas passem não só a frequentar mais o Centro, mas morem nele. “O morador é fundamental, se não, não tem vida a partir das seis da noite”, justifica.

Cláudio Marques concorda e reforça que os moradores de um bairro ativam a economia local, trazem a necessidade de farmácias, padarias, e “diminuem a periculosidade local”.“Pessoas andando nas ruas vão fazer com que o Centro Histórico finalmente volte a ter aquela energia vital que ainda falta”, defende.Foi isso que fez muita gente alertar o diretor de teatro pernambucano João Falcão, 61, um dos mais respeitados do país, ao aceitar dirigir o musical Sonho de Uma Noite de Verão na Bahia, montado para o palco do Teatro Gregório de Mattos (TGM). “Falavam que era perigoso, mas hoje você vê filas de espera em cada sessão do ‘Sonho’. É gratificante”, agradece João, sobre o espetáculo que ganha nova temporada no dia 11, com os ingressos quase esgotados.

Com elenco baiano e história carnavalesca, o musical está de frente para a Praça Castro Alves que é um lugar histórico e do povo, destaca João. “Fiquei muito animado com o Quarteirão. O Brasil é carente, não só Salvador. Tem uma galera que precisa ir ao teatro, se sentir pertencente, sabe? É importante juntar o TGM com outros espaços, como a própria sede da Fundação, que humaniza e habita aquela área de cultura”, elogia. Fotos de 2017 mostram os sobrados, erguidos no final do XVIII, que estavam muito degradados (Foto: Iphan/Divulgação) 'Imóveis estavam muito degradados'

Construído na primeira metade do século XX, com contornos do estilo eclético, o Hotel Castro Alves está localizado na Barroquinha. A região fica à margem da chamada Mancha Matriz de Salvador, em uma “área que se desenvolveu logo após os muros da cidade, quando Salvador começa a se expandir”, explica o arquiteto e urbanista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Mário Vítor Bastos.

Coordenador do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - Cidades Históricas, Mário conta que foram muitos os desafios durante o restauro da nova sede da FGM, afinal ela faz parte de um conjunto de monumentos tombados, protegidos pelo Iphan. A grande dificuldade, segundo o arquiteto, foi manter a estrutura existente, já que “os imóveis estavam muito degradados”.

“Do Hotel Castro Alves, só restava a fachada, porque sofreu um incêndio e dentro, era só entulho. Nos outros sobrados, basicamente só tinha ocupação no térreo”, explica Mário. Por terem sido sobrados de uso residencial, os imóveis não tinham muitos elementos artísticos como azulejos e pinturas. “Procuramos manter os principais elementos estruturantes e internamente fizemos uma obra completamente nova”, conta.

Acreditando que um investimento sozinho não é capaz de revitalizar uma área em degradação, Mário ressalta que a Barroquinha foi escolhida para receber o PAC por causa de seu potencial histórico e cultural. “A proximidade com a Praça Castro Alves, a Rua Chile, o coração de uma área do Centro que ao investir em quatro imóveis tem a capacidade de irradiar essas melhorias”, afirma.

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Serviço O quê: Inauguração da nova sede da FGM Quando: Segunda-feira, às 18h Onde: Rua do Couro, s/n, Barroquinha (atrás do Espaço Cultural da Barroquinha) Atrações: Márcia Short, Duo BA VI e Afoxé Filhos do Congo Entrada gratuita Presenças: Prefeito ACM Neto; presidente do Iphan, Kátia Bogéa, e outros representantes da instituição