Fiéis de matriz africana protestam contra ação que tramita no STF

Proposta quer proibir a sacralização de animais em cultos religiosos

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  • Gil Santos

Publicado em 9 de agosto de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/ CORREIO

O congestionamento na subida da Praça Castro Alves já dava sinais de que havia algo incomum acontecendo na rotina no Centro de Salvador no final da tarde desta quarta-feira (8). Desde o começo da Rua Chile era possível ouvir os sons dos atabaques de três músicos em cima de um mine-trio elétrico na Praça Municipal, enquanto um conglomerado de pessoas vestidas de branco cantava, dançava e discursava. Público dança para saudar os orixás durante o protesto (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) A manifestação, batizada de Ato Pelo Justo Direito de Alimentar e Celebrar o Sagrado, foi organizada por fiéis das religiões de matriz africana para protestar contra o Recurso Especial nº 494601 que será votado no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (9). A matéria pede que a Justiça proíba a sacrifício de animais em cultos religiosos.

Segundo a mãe de santo Maísa Bahia, do terreiro Egbé Leci Okutá Lewá, em Paripe, a medida representa um retrocesso. “Se essa lei for aprovada será a extinção do candomblé. É a cultura de um povo todo que está nas mãos do STF. Essa luta (pela liberdade religiosa) é centenária e, agora vamos ver tudo acabar? Depois de tudo o que nossos ancestrais fizeram e lutaram para poder construir um tempo de resistência no Brasil?”, questionou. Mãe Maísa comanda celebrações (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) Ela foi uma das organizadoras do evento e disse que mais do que proteção à fauna, a proposta é uma manifestação racista. “Essa medida não é por falta informação, nem pela sacralização animal. Atrás disso tem outras coisas. É o ‘não’ a nossa pele, o ‘não’ na nossa raça, a nossa raiz, aos nossos atabaques, a nossa roupa branca, a nossas contas e ojás”, disse.

Os fieis saudaram os orixás durante o protesto com música, dança e alimentos. Depois, algumas lideranças se revezaram no microfone e falaram sobre a importância da liberdade religiosa. Músicos animam o público (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) Justiça A proposta foi feita pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, mas negada pelo Tribunal de Justiça do mesmo estado, em 2005. O MP recorreu e, desde então, a matéria tramita no STF. A Lei estadual 12.131/04 aprovada pelo Tribunal de Justiça acrescentou ao Código Estadual de Proteção de Animais gaúcho a possibilidade de sacrifícios de animais, destinados à alimentação humana, dentro dos cultos religiosos africanos. 

Os promotores argumetam que o TJ não tem competência para legislar sobre a questão e que a lei privilegia os cultos das religiões de matriz africana, desrespeitando o princípio isonômico e a natureza laica do Estado brasileiro. 

Segundo o professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Samuel Vida, é pouco provável que a proposta do MP seja aprovada pelos ministros.  “A expectativa é de que o recurso seja indeferido porque ele não tem fundamento. Do ponto de vista jurídico, não temos com o que nos preocupar, porque essa proposta é frágil, mas serve para veicular preconceito”, afirmou. Ato reuniu pais, mães e filhos de santo (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) O ogã Edmilson Sales, do terreiro do Bogum do Jeje, lembrou que a sacralização é uma tradição milenar e que partes dos animais são usadas para alimentar a própria comunidade.

“Na sacralização a gente canta e alimenta os animais, porque é importante que ele fique tranquilo. Além disso, nós sacrificamos animais da cadeia alimentar, não são animais silvestres. Não comentemos um crime ecológico porque, se o pensamento for esse, teremos que fechar também as granjas e abatedouros da cidade”, disse.