Filhote de maltês é roubado por suposto cliente em canil de Itapuã; criadores dizem que crime é comum

Para tentar ficar menos vulnerável, donos de canis adotam estratégias para se proteger de assaltos

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  • Thais Borges

Publicado em 30 de junho de 2017 às 06:15

- Atualizado há um ano

Em pouco tempo, a notícia de que dois cachorrinhos da raça maltês tinham sido roubados no Caminho das Árvores tomou grupos no Whatsapp e postagens no Instagram e Facebook na quarta-feira (28). Afinal, como alguém rouba cachorros? Mas se Ariel e Argus, pai e filho de 9 e 7 anos, respectivamente, voltaram para casa cerca de dez horas depois de as imagens correrem os celulares, outra cachorrinha da mesma raça ainda não teve a mesma sorte. 

No mesmo dia, mas já por volta das 18h40, uma fêmea filhote, com cerca de dois meses, foi roubada do Canil Aicram Bella, que fica em Itapuã e é especializado nas raças maltês, shih-tzu e yorkshire. De acordo com a proprietária do canil, Márcia Vieira, que é criadora há 18 anos, a cachorrinha – que ainda não tinha recebido um nome – foi levada por uma mulher que se passava por cliente.Márcia, que é criadora há 18 anos, segura filhote igual ao roubado por suposta cliente (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)Criadores procurados pelo CORREIO contam que roubos já são uma situação recorrente. As raças em evidência no momento são shih-tzus, lulus da Pomerânia, buldogues franceses e malteses. “Grande parte dos criadores já foram roubados. Acho que eles (os criminosos) agem tanto por oportunidade quanto por observação (da rotina dos animais). Aqui, ainda estamos até dando sorte pelo fato de só roubarem mais filhotes. Em São Paulo e no Rio, eles (ladrões) já estão entrando nos canis e levando as matrizes”, explica o veterinário Fernando Oliveira, proprietário do Canil Royal Trade. As ‘matrizes’ a que ele se refere são as mães dos cachorrinhos – aquelas separadas por cada canil para a reprodução. Cliente idosaA criadora Márcia Vieira, do Canil Aicram Bella, garante que nunca tinha passado por nada do tipo, em 18 anos trabalhando com cachorros. Talvez por isso não tenha imaginado que tinha algo de errado na suposta cliente que a procurou, por telefone, na tarde de quarta-feira. A mulher queria um cachorro da raça maltês. 

Só que a tarde passou, a noite chegou e a cliente não tinha dado as caras, nem atendia às ligações. Márcia, que precisava ir ao shopping, decidiu sair de casa às 18h. Pouco depois, já por volta das 18h40, o celular toca. Era o marido, que estava em casa. A tal cliente tinha aparecido para buscar o filhote. “Ela também estava perguntando a ele se tinha outro cachorro para ela olhar, mas eu disse que não. Meu esposo disse que ela pegou o cachorro, ficou muito carinhosa e perguntava coisas sobre comida, banho... Era uma senhora já idosa e que, segundo ele, aparentava ser mais velha do que eu, que tenho 61 anos. E estava muito bem vestida”, conta ela. 

Foi aí que as coisas começaram a ficar estranhas. Primeiro, a suposta cliente disse que queria mostrar o bichinho a uma amiga que estaria esperando do lado de fora, no carro. “Meu esposo disse que era perigoso a amiga dela ficar lá fora, que era para ela entrar, mas ela disse que a amiga estava com um problema na perna e não podia sair. Meu esposo abriu a porta, ela (a cliente) foi no carro, colocou o cachorro e foi embora. Ele já não tem condições de correr”, contou Márcia. Abalado, o marido de Márcia não conseguiu anotar a placa do carro, nem sabe o modelo exato do veículo – apenas que tinha uma cor azulada. Após o roubo, ela tentou ligar várias vezes para o número – um telefone fixo – pelo qual a suposta cliente tinha entrado em contato. Em uma das vezes, alguém atendeu, mas desligou. 

Márcia ainda registrou queixa na 12ª Delegacia (Itapuã) e não desistiu de tentar recuperar a cachorrinha – especialmente, através do telefone. Como não tem câmeras em casa, está tentando conseguir imagens do circuito de um vizinho, que poderiam ter gravado a ação. Ela acredita, porém, que o prejuízo foi menor do que poderia ter sido. A mulher tentou ver, ainda, uma shih-tzu fêmea. Só foi impedida porque o cão já estava reservado. No Canil Aicram Bella, uma fêmea maltês custa R$ 3 mil. O valor do macho é R$ 2,5 mil. “Não sei porque ela pegou (se para revender ou para ela). Você tem sites que tem tanto cachorro barato que podem ser todos roubados. Quem cria um maltês comprando matrizes caras fora daqui não tem condição de vender um maltês de R$ 500, R$ 700. A gente tem custo ainda com ração, veterinário”, diz Márcia. 

Estratégias de proteção Por causa do risco, quem trabalha no ramo já está adotando estratégias para ficar um pouco menos vulnerável.

O criador Lorenzo*, que há 10 anos tem canil especializado na raça Lulu da Pomerânia (uma das variedades do spitz alemão), teve um prejuízo ainda maior. No ano passado, um homem que se passava por cliente roubou sete cachorros de Lorenzo, levando a um prejuízo estimado em mais de R$ 30 mil. “Ele marcou com meu pai dizendo que ia dar uma olhada, mas, ao chegar, disse que estava esperando um colega trazer o dinheiro. Quando o colega chegou, anunciaram o assalto e estavam armados”, lembra o criador. Foram levados cinco filhotes – que, na época, tinham 45 dias de vida – e duas matrizes. Segundo ele, filhotes de Lulu da Pomerânia hoje podem ser comprados por valores que vão de R$ 3 mil a R$ 12 mil, a depender de fatores que incluem até a cor do pelo. 

Depois do susto, eles mudaram a forma de atendimento. Não anunciam mais na internet, nem em classificados de jornal – preferem vender com indicação de conhecidos ou de veterinários. Além disso, a entrega é sempre feita por um intermediário contratado, em locais de grande movimento. “Caso a pessoa ainda assim queira aplicar um golpe, vai levar um filhote só, não a ninhada toda”. O criador Fernando Oliveira, do Canil Royal Trade, também não marca com nenhum cliente em casa. Geralmente, atende em sua clínica veterinária. Se a pessoa for de carro, ele sempre anota a placa. Antes da compra, os cachorros são vistos apenas por foto. “Se quiser visitar antes, eu digo que não. Não tem o que visitar. Mando foto de cima, de baixo, vídeo, tudo... Se quiser, tudo bem. Se não quiser, tchau. Esse é o grande erro das pessoas”, diz, categórico. Os pais do filhote também só podem ser vistos por fotos. 

É assim também que ele compra seus próprios cachorros. Recentemente, comprou uma matriz yorkshire que veio da Eslováquia. Custou 2,5 mil euros. “Um filhote de maltês hoje está em torno de R$ 2,5 mil. Se alguém rouba o cachorro dessa pessoa e vende a R$ 1 mil, para ele, foi lucro, porque não teve despesa nenhuma. E as pessoas pagam R$ 1 mil porque querem ter um cachorrinho desse”. Já a criadora Lúcia Celestino, do Canil Plutão, diz que não tem muitas estratégias, além de acompanhar o possível comprador durante todo o tempo. Ela já teve cachorros roubados no passado, inclusive um rottweiler há cerca de 15 anos. “Quando eu colocava anúncios, vinha gente direto, dizia que queria ver pequenininho, ficava olhando. É gente bem vestida, falante, que você não tem como não cair no papo. Eles saem correndo com o cachorro, entram no carro e você não tem como pegar”. 

Dona Márcia, do Canil Aicram Bella, já decidiu que vai colocar câmeras em sua casa, além de pedir os celulares de todos que entrarem em contato pelo telefone fixo. Mesmo assim, não pretende deixar de atender os clientes em casa. “A gente também tem que dar uma garantia ao cliente que está comprando. Nunca houve isso antes, mas meu esposo foi induzido pela idade da mulher. Ninguém espera isso de uma senhora. A gente é da época que pessoas dessa idade deviam ser tratadas com respeito”. Pai e filho, Ariel e Argus foram roubados no Caminho das Árvores, mas recuperados no mesmo dia(Foto: Acervo pessoal)O que diz a políciaProcurado pelo CORREIO, o delegado Antônio Carlos Magalhães, titular da 12ª Delegacia (Itapuã), que investiga o caso, disse que ainda não sabia da ocorrência. 

Já os assaltantes que levaram Ariel e Argus no Caminho das Árvores continuam sendo procurados pelos investigadores da 16ª Delegacia (Pituba), segundo a titular da unidade, Maria Selma Lima. “Eles estão na rua atrás de imagens, de ofício, de tudo”, afirmou, por telefone, na tarde desta quinta-feira (29). Ela disse que ainda estava em busca de informações sobre o veículo usado no assalto – um Honda Fit preto. A bolsa – uma sacola com as insígnias da grife francesa Louis Vuitton – na qual os cães foram encontrados pertenceria à pessoa que teria comprado os dois, após o roubo, na opinião da delegada. Ela acredita que a sacola não seria da dona ou do dono do carro, se o veículo tivesse sido roubado. “Acho que é de quem comprou (os cachorros), mas a gente está esperando, tentando chegar em quem deixou”. 

*Nome fictício