Filme sobre Geovane Mascarenhas, executado por PMs, estreia nos cinemas

Documentário tem depoimentos de familiares e pesquisadores sobre violência

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  • Roberto Midlej

Publicado em 4 de novembro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: fotos: divulgação

O cineasta francês Bernard Attal, 56 anos, veio morar na Bahia em 2005, depois de ter vivido entre o seu país natal e os Estados Unidos. Chegou aqui com aquela bela imagem que Salvador tinha nos livros de Jorge Amado que ele costumava ler. Mas logo conheceu a Bahia real, muito desigual e violenta.

Mais tarde, chocou-se com a violência praticada pela polícia local, a terceira que mais mata no país, segundo dados divulgados em outubro de 2019, em um levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da USP. No primeiro semestre daquele ano, 350 baianos haviam sido mortos por policiais.

Mas foi um crime cometido por PMs que aconteceu em 2014 que mais lhe indignou: o assassinato do jovem negro Geovane Mascarenhas, 22, que sumiu depois de ser parado por uma blitz e cujo corpo foi encontrado esquartejado e incinerado. O choque de Bernard diante da barbaridade motivou-o a realizar o documentário Sem Descanso, que chega nesta quinta-feira (5) aos cinemas de várias cidades do país. As salas ainda serão divulgadas.  O diretor Bernard Attal é francês e vive em Salvador há 15 anos

O filme registra depoimentos de familiares de Geovane, e ouve também especialistas que falam sobre direitos humanos e analisam o histórico de violência da polícia militar no país. 

O cineasta soube do crime depois que o CORREIO, primeiro veículo a noticiar o caso, publicou uma série de reportagens assinadas pelo jornalista  Bruno Wendel. “Me chamou a atenção o interesse que o jornal teve em acompanhar o caso por tanto tempo”, recorda-se o diretor. A série Onde Está Geovane? rendeu ao CORREIO um Prêmio OAB de Jornalismo e uma indicação ao Prêmio ExxonMobil de Jornalismo - antigo Prêmio Esso.

A pouca mobilização da sociedade em torno do caso também impressionou Bernard: “Quando fui ao interior da Bahia para acompanhar o enterro de Geovane, só havia a família dele e alguns jornalistas. Mas não havia artistas, não havia formadores de opinião”. 

Um outro fator também lhe chamou a atenção: no mesmo período da morte de Geovane, a população dos Estados Unidos protestava contra o assassinato de Michael Brown, um jovem negro de 18 anos morto pela polícia em Saint Louis, no estado de Missouri, uma semana depois de Geovane. “Vi como a população lá, inclusive pessoas brancas, se mobilizou, enquanto aqui não houve mobilização”, compara Bernard. 

Pena de morte Quando morava em Nova York, Bernard militou numa campanha contra a pena de morte. Ao chegar no Brasil, acreditou que não seria necessário se empenhar na mesma luta, afinal esse tipo de punição não está previsto na nossa legislação. “Mas percebi que a pena de morte é praticada de fato nas ruas, só que o brasileiro parece não se dar conta disso. A pena de morte só não está na lei. E a violência policial tem crescido muito, independente de qual seja o governo”, observa Bernard.

O empenho do pai de Geovane em buscar justiça também pesou muito na decisão de filmar. Jurandhy Silva de Santana, 40, não se conformava com o desaparecimento do rapaz. Foi à polícia diversas vezes, ao Instituto Médico Legal, apelou à Corregedoria da polícia militar... mas ele não encontrava informação alguma sobre o paradeiro do filho.

As autoridades só começaram a se empenhar em esclarecer a morte de Geovane quando o CORREIO tornou o caso público. O repórter especial Bruno Wendel estava no IML quando conversou com Jurandhy e soube do desaparecimento do rapaz. “Mas ele não tinha prova de que os policiais estavam envolvidos. Alguns conhecidos dele diziam que Geovane havia sido parado numa blitz antes de sumir, mas aquilo não era o bastante para fazer a reportagem com segurança”, lembra o jornalista. Capa do CORREIO com primeira reportagem sobre Geovane Mas três dias depois, Jurandhy o procurou e mostrou algo decisivo: um vídeo que mostrava Geovane sendo agredido por PMs e, em seguida, entrando numa viatura. “Ele me mostrou o vídeo e fiquei impressionado: pela primeira vez eu tinha uma prova incontestável da violência da polícia”, conta Bruno.

Jurandhy aceitou que a reportagem fosse realizada, ainda que houvesse sido alertado pelo jornalista sobre os riscos que iria correr ao denunciar os PMs. “Ainda assim, ele não hesitou. Só disse ‘quero encontrar meu filho e não me importo com mais nada. No dia seguinte, publicamos a matéria e foi aquele alvoroço”, recorda-se Bruno.

O repórter diz que a atuação da imprensa foi fundamental no envolvimento das autoridades em investigar o caso: “Com certeza, o corpo não seria encontrado se não fosse a reportagem. A publicação fez a Secretaria de Segurança Pública se movimentar”.