Fim da treta: Harém decide cancelar desfile no Santo Antônio Além do Carmo

Produtora tomou decisão para evitar conflito com moradores, divididos em relação aos grandes eventos no bairro

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  • Fernanda Santana

Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 19:39

- Atualizado há um ano

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O desfile de fanfarra do Santo Antônio Harém do Carmo nas ruas do Santo Antônio foi cancelado pela produtora do Evento, a Diva Produções. O evento havia dividido os moradores da região, como mostrou reportagem do CORREIO, e a produtora já havia sinalizado a possibilidade da desistência em reunião com moradores.

A festa acontecerá somente Chácara Baluarte, no mesmo bairro, com atrações como Jau e Lincoln e Duas Medidas, no dia 23 de fevereiro. A decisão foi oficialmente tomada nesta quarta-feira (30), depois de reunião entre os realizadores da festa. Segundo Guiga Sampaio, um dos sócios da produtora, embora tivessem conseguido autorização da Central de Legalização de Eventos (CLE), cancelaram o desfile para evitar conflito.“Apesar de ter todos os tipos de licença, optamos por um evento apenas dentro da chácara. Pegamos o investimento que iriamos fazer num carnaval gratuito para atrações”, afirmou, ao CORREIO.A polêmica em torno do evento surgiu quando o Bloco de Hoje a 8 anunciou, no Facebook, a possibilidade de não desfilar no bairro, como faz desde 2011. “O que o Santo Antônio Além do Carmo de fato comporta?”, questionaram os organizadores, moradores do lugar. No último dia 22 de janeiro, moradores, produtores, a Diretoria do Centro Antigo e o Conselho Municipal do Carnaval reuniram-se para discutir a viabilidade da festa. Saíram de lá, no entanto, sem nenhuma decisão.

O ingresso do Santo Antônio Harém do Carmo custa R$ 140 – R$ 70 a meia. Antes da decisão da produtora, o prefeito ACM Neto já havia divulgado, depois de reportagem do CORREIO, a necessidade de um “pente-fino” nos eventos do bairro, centro de polêmicas deste verão, devido aos grandes recentemente eventos realizados ali.   

Transformações no Santo Antônio

A revitalização do Pelourinho, a partir de 1992, no governo ACM, deveria fazer do Centro Histórico uma vitrine do turismo. Naquela década, as praças sediavam show constantemente, um estimulo à vida cultural da região. No vizinho Santo Antônio, nenhuma intervenção direta. Era um bairro residencial, com padarias e poucos bares e lojas. Cria-se um marketing, explica o historiador Juarez Bonfim: “Divirta-se no Pelourinho, descanse no Santo Antônio”. O chamado teve resposta e, de certa forma, aqui e ali, apareceram pousadas e dormitórios.

A história do Santo Antônio até sua atual transformação em centro boêmio e turístico é dividida em fases. Até a década de 80, era habitado por famílias da classe média, explica o historiador, e as manifestações culturais eram pontuais e, em geral, religiosas - como a Trezena de Santo Antônio. No entanto, sempre teve vocação carnavalesca. Era da escadaria da Igreja do Boqueirão, por exemplo, que os fantasiados do Bloco Coruja, criado em 1962, saíam ao som de fanfarras e brincadeiras.

Os Internacionais - hoje Bloco Inter -, seu rival mais velho, de 1962, também nasceu ali. Sônia Silva, 72, moradora do Santo Antônio há mais de 50 dos seus 70 anos, sempre acompanha o carnaval.“Mudou demais. Quer dizer, eu não vejo o pessoal que mora aqui mesmo nas coisas daqui. Algumas coisas eu nem sei quando vão acontecer, se vão”, comenta ela, que mantém o hábito, à tarde, de acompanhar o movimento da calçada de casa. No início da década de 90, a consolidação do axé, já nos trios elétricos, enfraquece os blocos dos bairros. A valorização do Corredor da Vitória leva, consigo, os moradores mais abastados do Santo Antônio, que passa por um momento de desvalorização. De todo modo, não era um lugar turístico, mesmo com casarões e igrejas centenários. Os passeios turísticos não ultrapassavam o Largo do Pelourinho.  A partir das intervenções do Pelourinho, em parte concluídas nos anos 2000, muita coisa muda. 

A compra de 35 imóveis pela empresária e filha do fundador do Shopping da Bahia Luciana Rique, em 2007, na intenção de construir um shopping a céu aberto, também cria uma especulação imobiliária no bairro. Pouco depois, ela desistiu da ideia.  “O aluguel cresceu demais. Houve uma valorização muito grande. É um processo recente na cidade. Fiz um levantamento, nos anos 2000, e levantei que, em pouquíssimo tempo, tinham surgido 15 pousadas naquela área”, conta o arquiteto e presidente do Instituto de Arquitetos da Bahia, Nivaldo Andrade. A valorização cresce ao longo dos anos. Nos últimos 10 anos, calculou a Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb) a pedido do CORREIO, foram cinco pousadas abertas no bairro. O número, claro, pode ser maior, já que o CEP especificado pode ser diferente do real. A investida sobre o Santo Antônio, se vista pelo número de visitantes, é tão perceptível quanto nas placas de “Vende-se” pregadas nos casarões.

A casa nº 70, com vista para a Baía de Todos os Santos, tem, abaixo de uma das janelas, o anúncio de venda. “Sempre gostei da localização daqui. De madrugada, saio andando. Mas a casa é gigantesca [tem cinco quartos], até para reformar é difícil”, explica o autônomo Mário Santana Vieira, 62, com 50 anos de Santo Antônio. Os custos de uma reforma nos casarões da região tombada e classificada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) podem ser elevados. 

A vista e valorização do bairro passam a atrair, então, moradores mais abastados. Uma casa virada para a Baía, com 15 suítes, chega a custar mais de R$ 2 milhões. O aluguel costuma variar de R$ 1,5 mil a R$ 3 mil. A apresentadora Regina Casé, por exemplo, comprou e reformou dois casarões vizinhos, próximo do Convento do Carmo, onde costuma veranear