Final de semana mais violento do ano: 22 mortes por arma de fogo

Em um dos casos, moradores acusam PM de executar suspeito dentro de casa

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 7 de maio de 2018 às 22:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

Primeiro foi o filho. Depois, o pai da criança. A mulher do mototaxista Jackson dos Santos Mangabeira, 22 anos, assassinado na tarde de sábado (5), na localidade do Brongo, em Matatu de Brotas, está vivendo esse drama. Jackson foi uma das 22 pessoas mortas a tiros no final de semana – o maior número de vítimas do ano, aos sábados e domingos, em Salvador e Região Metropolitana (RMS).

Os dados são do boletim estatístico da própria Secretaria da Segurança Pública (SSP) e apuração do CORREIO com parentes das vítimas no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) e moradores das comunidades.

As mortes foram registradas nos seguintes bairros da capital: Plataforma, Boca do Rio, Periperi, Pau Miúdo, Alto de Coutos, Engomadeira, Tancredo Neves, Canabrava, Fazenda Cassange, Daniel Lisboa e Alto do Cabrito. Já na RMS, foram registrados homicídios nas cidades de Simões Filho, Dias d’Ávila, Candeias, Mata de São João e Camaçari (localidade de Barra de Pojuca). 

Na comunidade do Brongo, em Daniel Lisboa, os moradores não têm dúvida de que o motaxista Jackson foi executado por policiais militares de uma guarnição do Pelotão de Emprego Tático Operacional da Polícia Militar (Peto). Era por volta das 17h de sábado quando os PMs chegaram atirando na Rua Santa Terezinha, segundo versão dos moradores.“Jackson conversa com os vizinhos quando os policiais surgiram metendo bala e um tiro atingiu Jackson no tórax. Usaram até drone”, contou um morador, que não se identificou temendo represália. Mesmo ferido, Jackson conseguiu entrar na casa de uma tia. “Os policiais seguiram o rastro de sangue e obrigaram a tia dele a abrir a porta dizendo: ‘se você não abrir, vamos entrar de qualquer jeito e matar também você e quem mais estiver dentro’. Ela é uma senhora e estava com o marido, um idoso também, e não teve alternativa e abriu”, conto o morador.  Mototaxista Jackson Mangabeira, que já tinha sido preso por tráfico, teria sido executado por PMs (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)  Jackson estava caído na sala e foi arrastado pelos policiais para o banheiro da casa, onde foi baleado inúmeras vezes. “Ao mesmo tempo que atiravam nele, disparavam para o alto, forjando uma troca de tiros. Depois, colocaram o corpo num carrinho de mão e levaram e jogaram na mala da viatura e depois deixaram no HGE (Hospital Geral do Estado)”, relatou uma mulher. 

A morte de Jackson não consta na relação de mortos por arma de fogo no boletim estatístico da SSP. O corpo dele será enterrado às 15h desta terça no cemitério Campo Santo, na Federação. 

Filho perdido Há dois anos, Jackson cumpriu pena por tráfico de drogas na Penitenciária Lemos Brito. “Mas ultimamente ele saiu dessa vida. Passou a trabalhar como motoxista e no domingo ele conversava com vizinhos, tranquilamente, quando a polícia chegou metendo bala. Foi um desespero só”, disse outra moradora. 

Ainda de acordo com a comunidade do Brongo, há 15 dias a mulher de Jackson perdeu o filho após um susto que levou durante uma abordagem da Polícia Militar na Avenida Gal Costa. Ela estava grávida de três meses e seguia para a casa de parentes quando o táxi que ela estava foi interceptado por uma guarnição da PM. “Os policiais procuravam a mulher de um traficante que tinha acabado de sair da penitenciária. Mandaram ela sair e a revistaram. Ela teve que tirar a roupa na frente deles. Não havia uma policial feminina. Revistaram a bolsa e em seguida disseram: ‘se a gente encontrar droga com você já sabe o que vai acontecer, né?’”, contou uma mulher que mora no local.O susto foi tão grande que a mulher de Jackson passou mal e chegou sagrando na maternidade Tsylla Balbino. “Dois dias depois ela soube que havia perdido o bebê devido ao susto que levou”, disse.

Procurado, o departamento de comunicação da Polícia Militar informou que a morte do mototaxista ocorreu durante uma perseguição que acabou em troca de tiros."Um homem ao visualizar uma viatura da 26ª CIPM iniciou uma fuga pela localidade conhecida como Santa Terezinha, em Brotas. Com a aproximação dos policiais o homem sacou uma arma de fogo e disparou contra os policiais, que revidaram e neutralizaram o ânimo agressor do autor dos disparos", diz o comunicado."Prontamente socorrido para o Hospital Geral do Estado, não resistiu aos ferimento e evoluiu a óbito. Com o resistente foi apreendida uma pistola calibre .40 com a numeração suprimida, 10 porções de substância análoga a cocaína e outras 10 porções de substância análoga a maconha”, conclui nota enviada pela PM.

Candeias No domingo, morreu a tiros o estudante Matheus Gomes Santos, 18. O crime aconteceu na Rua A, em frente ao Mercadinho Cupim Grill, bairro Urbis 1. Segundo parentes de Matheus que estiveram pela manhã no IML, o rapaz foi morto por traficantes que buscavam um rival. 

“Eles estavam em um carro e procuravam um homem de uma facção rival. Chovia muito e ninguém estava na rua, a não ser Matheus que foi comprar uma tinta para colorir o cabelo. Para não perderam a viagem, eles atiram nele que não tinha nenhum envolvimento com a criminalidade. Ele foi baleado muitas vezes”, contou o encanador Tiago Gomes Santos, 33, irmão da vítima.  Matheus Santos teria sido por traficantes da região onde morava (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) O tráfico de drogas na Urbis 1 é controlado pela facção Bonde do Maluco (BDM). Desde outubro do ano passado, o grupo vem sendo alvo de ataques de uma facção que atua nos bairros Nova Candeias e Dom Avelar. Matheus foi enterrado na tarde desta segunda, no cemitério municipal da cidade.

Em nota ao CORREIO, a Polícia Militar informou que em relação à execução de Matheus, a “vítima foi localizada por populares que acionaram o Centro Integrado de Comunicação da Bahia. Uma guarnição da PMBA foi deslocada para o bairro e fez o isolamento do local e acionou a equipe do Serviço de Investigação em Local de Crime (SILC)”

Barra de Pojuca Também no domingo foi assassinado o motoboy Reginaldo Almeida dos Santos, 54. Ele foi baleado por volta das 15h na localidade conhecida como Cachoeirinha, em Barra de Pojuca, distrito de Camaçari. 

Parentes contaram no IML que Reginaldo tinha acabado de deixar uma mulher em Cachoeirinha quando a moto passou a ser perseguida por um carro. “As pessoas de lá que viram contaram que o carro conseguiu alcançar a moto e atiraram. Depois ouviram vários disparos”, contou a mulher da vítima que preferiu não se identificar. 

Ela acredita que Reginaldo foi vítima de latrocínio – roubo seguido de morte. “Levaram a moto dele e os documentos. Acreditamos que foram para roubá-lo e ele teria reagido. Mas só a investigação para dizer”, disse ela. 

Reginaldo era sergipano e estava na Bahia há cinco anos, quando veio em busca de trabalho. O corpo dele será enterrado na cidade Riachão (SE). 

Sobre o assassinato de Reginaldo, em Barra do Pojuca, a Polícai Militar disse que a vítima "evoluiu a óbito após ter sido abordado por dois homens após retornar de uma corrida em Barra do Pojuca". "Uma equipe da 59ª CIPM esteve no local e acionou a equipe SILC".