Flores/feras do Recôncavo

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 29 de março de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Apesar da proximidade (apenas três quilômetros) com a agitada e moderna Cachoeira, por lá, o tempo custa a passar. Localizada no Recôncavo, Muritiba é uma pequena cidade profundamente machista – como tantas neste brasilzão - cheia de comportamentos e regras que, como sabemos, nos limitam, adoecem e matam. Pois foi nesse ambiente hostil (não se enganem com o bucolismo do interior) que seis mulheres decidiram se juntar. Nasceu, assim, o coletivo Flor de Cerejeira. Despertar, fortalecer, empoderar, somar, acolher, lutar e resistir são os verbos que exercem pensando nelas próprias, mas também no necessário desenvolvimento de toda a comunidade. Atualmente, são mais de trinta se reunindo em praças, ocupando coretos, promovendo rodas de conversas, realizando campanhas, oficinas e cursos. Elas falam com mulheres – em bairros periféricos e na zona rural – sobre autoestima, independência financeira e liberdade emocional. Inspire-se nessas quatro tão diversas e capazes quanto eu e você. Agregar fortalece, cura e muda o mundo ao seu redor. Anamelia Rocha: atriz e psicóloga, mãe de três “Eu tinha 7 anos quando presenciei uma vizinha ser esfaqueada pelo marido. Minha mãe socorreu a mulher enquanto eu levei o filho dela de 3 anos para nossa casa. Nasci e morei por 27 anos em um acesso do Morro da Providência (RJ), lá não tinha isso de ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’. A gente se metia mesmo e por isso essa vizinha não morreu. (...) Eu me mudei da capital carioca para o interior baiano  em busca de qualidade de vida. Eu me sentia meio  ‘peixe fora d'água’ porque aqui  o machismo ainda é muito expressivo, mas encontrei no coletivo mulheres geniais  para trocar. Abraço e sou abraçada, motivo e sou motivada e tem sido incrível! (...) Homens e mulheres não são oponentes em um jogo, precisam entender que a cooperação e colaboração é o melhor caminho. Os homens lá de casa já sabem disso.” Marise Caribé: engenheira e empresária “Desde que me entendo por gente,  sou feminista.(...)Era uma guria ‘briguenta’ por direitos – meus e dos outros. Tudo ou quase tudo me inquietava e isso é feminismo! A luta por uma sociedade mais justa e equidade não apenas de gênero. (...) Sempre busquei agregar, unir forças, juntar e encorajar mulheres para peitar o que fosse preciso, seja para fazê-las se sentirem fortes ou me autoafirmar também forte. Desde muito nova pensava que deveríamos, todas nós, honrar as que se foram e lutaram arduamente pelo que conquistamos. (...) Sempre trouxe o sonho de ser independente de pai e mãe e jamais me passou pela cabeça depender de homem. A independência financeira foi o principal fator de atenção. A independência afetiva, em seguida. Não foi um sonho casar. Casei por afinidade e paixão, mas não era algo que fazia parte dos meus sonhos ou meta a ser cumprida.(...)Todas as vezes que ia a um casamento me dava náuseas ver tantas de nós correndo pra agarrar um buquê de flores, desejando ser a próxima, enquanto os homens corriam do cravo jogado no salão (tsc). Não achava justa a forma com que ambas as partes se viam e aceitavam a coisa. (...) Hoje, apesar de ser a mulher que desejei ser, de ser a mulher dos meus sonhos (risos), há muito ainda por construir e desconstruir. Então, já ampliei a meta. Há tanto por aprender a cada manhã! E foi isso que descobri no convívio com outras mulheres, com o coletivo: a quebra de outros paradigmas, o amadurecimento feminino, feminista.” Janete Ferreira dos Santos Marques: professora, contadora de histórias e mãe de duas “Os seres humanos que mais admiro são mulheres. Sempre estive rodeada por mulheres, seja na família, seja nas relações de amizade.  Nunca gostei de competir, mas sempre fui estimulada a isso. Até na minha relação com minha irmã, parentes e pessoas próximas incitavam uma certa rivalidade que nunca existiu. Tudo isso faz parte da minha formação. Mas a maternidade foi um divisor de águas, marcou uma profunda transformação na minha vida, interna e externa. Ver minhas meninas crescendo e se relacionando com o mundo me causa, em alguns momentos, ansiedade, medo, aflição. Em que sociedade elas vão viver? Essa de hoje não é legal para as mulheres. A minha luta é para que minhas filhas, mãe, irmãs, amigas, as minas que não conheço, todas elas se empoderem, que elas compreendam as correntes que nos aprisionam. Como professora, levo esses debates para sala de aula. Penso que somos multiplicadoras do feminismo e que precisamos cuidar umas das outras. Assim, me unir a outras mulheres é um princípio de sobrevivência.” Ana Paula Simões: doula, artesã, estudante de psicologia e mãe de dois “Minha primeira abertura para perceber o quanto a união de mulheres era necessária e poderosa foi durante a formação como doula e consequente imersão na luta feminina pela humanização do parto. Marcada por um histórico de violência obstétrica como tantas outras, pude perceber o quanto a união e a luta são transformadoras e curadoras para as mulheres.(...) Quando, depois do fim de um relacionamento abusivo de mais de 20 anos, tive que refazer a vida, me reestruturar emocional e profissionalmente dentro de uma cidade pequena extremamente conservadora e machista, pude sentir na pele o desamparo e a solidão das mulheres que lutam por seu protagonismo e o quanto nossa cidade era carente de uma rede de apoio.(...) Eu sentia grande necessidade de ser ouvida e de ser acolhida por pessoas que realmente pudessem me entender. No coletivo, encontrei muito mais que isso. Descobrimos que, à medida que ouvimos a outra, tratamos as nossas feridas também. Outra coisa importantíssima foi perceber o quanto ações simples podem mudar realidades, isto nos fortalece imensamente.”