Folião terminou dois noivados e um casamento por amor aos Filhos de Gandhy

Reinaldo conta que passa o ano inteiro esperando o dia para usar a fantasia do bloco

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  • Vanessa Brunt

Publicado em 6 de março de 2019 às 05:00

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Aos 10 anos de idade, Reinaldo da Paz, que hoje tem 28, viu o bloco dos Filhos de Gandhy passando pela primeira vez na avenida. Lá da janela, as cores azul e branco pareciam imitar os tons do mar para o garoto. Foi paixão à primeira vista. Desde aquele momento, um dos principais objetivos do menino passou a ser juntar dinheiro para, um dia, ser um dos homens no meio daquelas cores.

“Em todos os outros blocos, eu via alguma briga ou alguma sensação de aperto, de sufoco; nos Filhos de Gandhy eu via amizade, tranquilidade e também diversão. Virou uma prioridade pra mim logo na infância”, relata o rapaz. 

Assim que conseguiu o seu primeiro emprego, Reinaldo juntou a grana para comprar todos os dias possíveis do bloco. Ele, que mora na Fazenda Grande, ainda tinha que pagar pela locomoção até os pontos dos circuitos. Todo o dinheiro conseguido que não fosse pra comida, era pra realizar o sonho de menino.“Na primeira vez em que coloquei a roupa dos Filhos de Gandhy, a minha família inteira chorou. Foi muito emocionante pra eles a realização do meu grande desejo”, conta Reinaldo, que foi sozinho no primeiro dia em que conseguiu sua inclusão dentro das cordas do Gandhy. Lá, foi fazendo amizades e entendendo ainda mais do que se tratava o bloco. Para o jovem, estar junto aos Filhos de Gandhy era como limpar as energias e pregar a paz, como é afirmado nos princípios do bloco. “Nem sabia disso de trocar um colar por um beijo. Quando me aproximei do trio, vi frases de Mahatma Gandhi estampadas, falando sobre paz, sobre amor, sobre fazer o bem para o próximo. Para mim, era sobre isso. Depois que fui percebendo esses outros detalhes que também acontecem”, relata. 

Noivados não resistiram

O garoto que virou homem, continuou juntando alfazemas e a grana durante o ano inteiro apenas no aguardo de pular de azul e branco no Carnaval. “Eles jogam milho e outras coisas na gente pra tirar as energias negativas”, pontua. 

Já crescido, Reinaldo conheceu a sua primeira noiva ali mesmo, na folia. “Não é o foco, mas às vezes a gente quer trocar um colar por um beijo. E, se for recíproco, qual o problema?”, reflete o jovem.

A história que começou com alegria e cor durou três anos, mas foi a paixão pelos Filho de Gandhy que falou mais alto. A noiva chegou a ir algumas vezes com Reinaldo, mas ele não poderia perder um dia de bloco. E, como mulheres não podem ficar dentro das cordas, o negócio se complicou. “Ela pediu pra eu escolher entre ela e entre sair de Gandhy. Eu era sim apaixonado, mas minha prioridade é meu bloco”, contou para o CORREIO. Um ano depois, Reinaldo conheceu a sua segunda noiva, mas dessa vez não foi no Carnaval. 

“Sei que alguns casais vão e ficam na pipoca, mas eu vou para ficar dentro, 100%”, explica o moço, que teve, novamente, um segundo relacionamento finalizado por conta do bloco.“Fizemos um ano juntos e ela me colocou na parede. Novamente, por ciúmes. Elas não entendiam que sair de Gandhy não significa pegar gente. Muitos casados vão sozinhos e não fazem nada disso. Estar lá é sobre pertencimento, é sobre fé e é sobre renovar as energias pra começar o ano”, explica, exclamando: “Melhor solteiro e no Gandhy do que com alguém e sem Gandhy”.Casamento Após as conturbadas relações, veio o primeiro casamento de Reinaldo, que lhe deu a sua filha. A união durou quatro anos. Em todos, ele saiu no bloco pelo qual é apaixonado, jurando que nunca chegou a trair a esposa.“Quando saio solteiro, depende. Nem sempre beijo alguém, nem sempre quero. O negócio pra quem sai de Gandhy e entende o sentido do trio vai realmente além disso”, ratifica o jovem. Após o tempo com a esposa, achando que ela tinha compreendido o seu amor pelo bloco que é feito apenas de homens e que traz um repertório musical em homenagem aos orixás, mais uma vez Reinaldo foi colocado entre os extremos: “Eu ou seu bloco”, disse a mãe da sua filha. 

E, mais uma vez, Reinaldo não pestanejou em escolher: “Ser Filho de Gandhy”, afirmou com pés firmes.

 Hoje, ele está solteiro e curtiu a fantasia – que agora tem tons amarelos – até o último dia de folia. 

Na terça de Carnaval, os Filhos de Gandhy completaram 70 anos como bloco e lá estava Reinaldo, para comemorar. “Energia totalmente refeita, mau-olhado longe. É isso aí”, concluiu o rapaz, satisfeito com a sua escolha repetida três vezes. Ser ou não ser? Ele prefere nem ter essa questão.