Fora do ringue, Adriana Araújo desabafa sobre luta diária na pandemia

Pugilista baiana planta, cozinha e usa pagodão para queimar calorias

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  • Daniela Leone

Publicado em 12 de maio de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo pessoal

Alface, coentro, hortelã, cebolinha, alho-poró, cebola, pimenta, tomate cereja, graviola, manga, morango. A horta da pugilista baiana Adriana Araújo tem um pouco de tudo. A plantação cultivada na casa onde mora no bairro de Brotas foi iniciada durante a pandemia de coronavírus para manter a mente saudável durante o isolamento social. “O espaço é pequeno, mas plantei tudo em baldes, garrafas pet e até pendurei nas paredes onde bate sol. Estou tentando trabalhar a mente”, conta a medalhista olímpica, bronze em Londres-2012.

As plantas têm ajudado Adriana a controlar a ansiedade enquanto a carreira está parada. No final de março, ela recebeu a notícia de que tinha subido do 10º para a 5º lugar no ranking do Conselho Mundial de Boxe (WBC). A nova posição a credencia para desafiar a atual campeã mundial da categoria superleve (até 63,5 kg), a norte-americana Jessica McCaskill, mas as lutas estão suspensas por causa da pandemia de covid-19.

“O que a gente queria aconteceu, que era entrar no ranking para poder disputar o título principal. De três em três meses ela tem que fazer a defesa do título. A organização ou a própria atleta podem escolher uma das outras quatro para o desafio”, explica. “Foi uma alegria imensa estar entre as cinco melhores do mundo, mas também uma grande tristeza, porque tudo que estamos passando talvez me impeça de disputar esse título ainda esse ano. Tá tudo parado. Não está tendo luta nenhuma profissional ou amadora devido à pandemia, atrapalhou tudo”, lamenta a atleta de 38 anos.

Adriana Araújo subiu no ringue pela última vez em 29 de fevereiro, quando venceu a venezuelana Estheliz Fernandez e manteve o cinturão silver da categoria superleve do Conselho Mundial de Boxe. A vitória por decisão unânime dos jurados fez ela saltar no ranking e manter o cartel invicto no boxe profissional. Foi a sexta vitória na carreira da soteropolitana. “Ganhei uma ascensão boa, venho de um grande resultado, numa caminhada boa e, do nada, a pandemia deu esse freio. Você fica numa incógnita, sem expectativa de quando as coisas vão acontecer e voltar ao normal”.

A paralisação das lutas também pesa no bolso. Adriana tem contrato até outubro com o BSM Group, que promove o Boxing For You, principal evento de boxe do Brasil, mas é paga por luta. “É um contrato de lutas e eu recebo através de bolsas. Se eu luto, eu tenho dinheiro. Se eu não luto, não tenho dinheiro. Infelizmente, ainda continuo sem patrocínio. Não tenho um empresário diretamente que me ajude", revela Adriana. Ela é a única brasileira a conquistar uma medalha no boxe olímpico. Antes dos Jogos de 2012, apenas boxeadores homens disputavam a Olimpíada.

Durante a pandemia, Adriana Araújo está se mantendo com o dinheiro que recebeu após a última luta. “Que por sinal já está acabando”, pontua. “Eu estava ficando apenas dois meses sem lutar. O certo é ficar três ou quatro meses, mas sempre estava lutando até mesmo por essa questão financeira, para me deixar mais tranquila. Infelizmente, as vezes acontecem imprevistos desagradáveis, mas não tenho o que reclamar, tenho que agradecer a Deus por tudo, estou sobrevivendo. É pedir a Deus que acabe logo tudo isso, pra que eu possa lutar e ter condições de pagar minhas contas", afirma. "Já pensei em vender minha medalha pra poder me manter, mas estou levando e pedindo a Deus que dê continuidade em abrir meus caminhos", revela a atleta, que em 2017 trabalhou como motorista de Uber.

“Eu rodei seis meses por necessidade, mas Uber é punk. Aquilo ali é Deus mesmo que guarda. Você fica numa situação totalmente vulnerável a tudo e a todos. Não sabe quem entra no seu carro e o que está te esperando no local. Eu graças a Deus nunca tive problema nenhum em relação a assalto. Ao contrário, sempre tive clientes que me reconheciam, pediam para tirar fotos dentro do carro, mas eu disse a mim mesma que no dia que eu saísse dali não voltaria mais, pelo fato de ser realmente muito arriscado”. Adriana Araújo aprende a fazer pizza e pão em tempo livre durante a pandemia (Foto: Arquivo pessoal)  CULINÁRIA E PAGODÃO

O isolamento social provocado pela pandemia tem feito Adriana refletir sobre o futuro. “Eu tenho um sonho, uma meta, que é abrir um restaurante de comida caseira”. Sim, as mãos que socam as adversárias dentro dos ringues também preparam iguarias típicas da culinária baiana. “Feijão, mocotó, rabada, feijoada, xinxim de bofe, sarapatel, moqueca, caruru, vatapá. Sei fazer tudo isso e como estou em casa por causa da pandemia estou aprendendo outras coisas, como pizza e pão”. Ela perdeu dona Edir há 11 anos, mas herdou dela o dom de cozinhar. “Minha mãe, quando era viva, trabalhava como merendeira e também vendia marmitas, então eu ajudava ela a cortar os temperos, a mexer a comida. Aprendi a fazer muitas coisas. Meu segundo prazer é cozinhar e me deixa muito bem”.

Difícil é se segurar diante de tantas tentações gastronômicas. “Eu tô fazendo dieta, procurando comer menos calorias durante a semana e tiro um dia pra comer uma comida pesada", admite. Manter a forma tem sido um desafio. “Não tem como treinar. Não estou tendo acesso a academias, pois estão todas fechadas. Faço um abdominal dentro de casa, um trabalho de agachamento, de articulação. Eu não tenho equipamento bom para poder trabalhar dentro de casa. Um atleta de alto rendimento de boxe não pode ficar 100% parado, principalmente eu que já estou numa fase que preciso manter o corpo sempre em atividade”, lamenta.

A música tem a ajudado nesse quesito. “Às vezes fecho a casa toda e começo a transpirar dançando. Empurro o sofá e boto o pagodão. Parangolé, Xanddy, Léo Santana, um pouquinho da bagaceira com O Poeta”, diverte-se. “Pulo corda também, mas não é a mesma coisa, não é o gasto calórico que eu tenho correndo e treinando”.

A distância dos ringues tem complicado a vida de Adriana Araújo em muitos aspectos, mas a pugilista tem experiência suficiente para acreditar que as dificuldades serão superadas mais uma vez, assim como a pandemia.“Sei que não vai ser fácil, mas não vai ser a pandemia que vai fazer eu desistir de ir em busca dos meus sonhos. São esses sonhos que me mantêm de pé, me alimentam e me fazem seguir em frente. Logo em breve estarei falando do meu título mundial”, projeta.