'Fui espancada grávida', revela Mariene de Castro

No Dia da Mulher, cantora conta como superou a violência doméstica e fala sobre a força feminina no show desta sexta-feira (8)

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  • Laura Fernades

Publicado em 8 de março de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mila Cordeiro/Divulgação

“Fui espancada grávida. Isso e muitas coisas que não preciso colocar aqui. Mas estou viva, estou de pé e mais uma vez digo: sobrevivi e posso contar a minha história”, revela a cantora baiana Mariene de Castro, 40 anos, ao CORREIO. O desabafo surge enquanto a artista conversa sobre o show que apresenta nesta sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, no Espaço Cultural da Barroquinha. Dedicado à força feminina, o encontro conta com  participação das cantoras Larissa Luz, Flávia Wenceslau e Gerlane Lops, além dos grupos Didá e As Ganhadeiras de Itapuã.

Antes de se aprofundar no caso de violência doméstica que sofreu há sete anos, quando teve de deixar Salvador, a cantora destaca que a apresentação de hoje é uma forma de reforçar o empoderamento feminino e homenagear mulheres com histórias inspiradoras. Encerrando o projeto Santo de Casa, o show destaca a cultura popular e resgata clássicos do repertório do samba nacional, somados às canções autorais da anfitriã.

“A gente homenageia a força do feminino de várias maneiras. Primeiro, reverenciando nossas Yás, as senhoras que fizeram a história do candomblé na Bahia, o ancestral, o sagrado feminino. A gente homenageia também o feminino da cultura popular e o poder feminino que o Nordeste traz. Homenageamos todas as Marias [da Penha], Marielles, as senhoras negras, as sambadeiras, todas as mulheres que fizeram a gente estar aqui hoje e seguir com essa luta. Vai ser uma noite forte”, garante Mariene. (Foto: Divulgação) Resistir Empenhada em unir suas semelhantes, a sambista diz que ser mulher significa resistir e ter resiliência. “Principalmente ser mulher negra”, reforça. “Ser mulher em si já é um ato de resistir, por conta da violência, do preconceito, da falta de respeito, do racismo e de tanta coisa que a gente vê”, denuncia Mariene, enquanto reforça que não há um dia que abra o jornal e não leia notícias sobre mulheres assassinadas pelos companheiros.

“O aumento do feminicídio é algo que nos fragiliza, mas também nos une”, defende a cantora, mãe de quatro filhos.“Eu sobrevivi e posso contar minha história, posso ajudar outras mulheres. Mas muitas não sobreviveram”, lamenta. Em seguida, respira fundo e começa a contar como decidiu morar no Rio de Janeiro, grávida de sete meses, depois de ser agredida pelo ex-marido.Sem entrar em detalhes sobre as agressões, Mariene conta que criou coragem para sair de casa depois de denunciar o ex-marido e ter sido perseguida por ele, mesmo com medida protetiva. “Me retirei de Salvador para não acabar como tantas mulheres acabam todos os dias”, justifica. Chegando no Rio, Mariene começou a ter muitas contrações, o que a impediu de voltar para Salvador, já que não podia mais pegar avião. “Ele chegou a ser preso, mas por pouco tempo. O processo segue até hoje, sem nenhuma sentença”, revela.

Ao CORREIO, a artista conta que nunca falou sobre o assunto com tantos detalhes “porque é algo que constrange” e precisava preservar a memória dos filhos. “Mas hoje já consigo falar tranquilamente, sem tremer, sem terror, sem taquicardia. Isso tudo é um sinal de cura”, reflete. “É muito difícil comemorar o Dia da Mulher, mas cada vez mais vejo mulheres unidas e lutando pela vida de outras. A gente precisa se fortalecer, unir nossas forças e nossos corações”, convida.

Serviço O quê: Mariene de Castro convida Larissa Luz, Flávia Wenceslau, Gerlane Lops, grupo Didá e As Ganhadeiras de Itapuã Onde: Espaço Cultural da Barroquinha (R. do Couro, s/n, Barroquinha | 3207-7880) Quando: Sexta-feira (08), às 18h Ingresso: R$ 60 | R$ 30. Vendas: www.safeticket.com.br

Leia trechos do depoimento de Mariene de Castro"É muito difícil comemorar o Dia da Mulher. Os índices de violência só aumentam e acho que a gente realmente precisa se colocar, se fortalecer, não permitir nem o primeiro olhar agressivo. A gente precisa ficar atenta, se afastar"."As palavras que mais representam o que é ser mulher hoje é a resistência e a resiliência. Principalmente ser mulher negra. Ser mulher em si já é um ato de resistir, por conta da violência, do preconceito, da falta de respeito, do racismo, por conta de tanta coisa que a gente vê. O aumento do feminicídio é algo que nos fragiliza, mas também nos une. Cada vez mais vejo mulheres unidas e lutando pela vida de outras mulheres. Não há um dia que a gente abra o jornal e não veja uma mulher sendo assassinada. A gente precisa se unir, unir nossas forças, nossos corações".

"Quem são as mães desses homens que maltratam essas mulheres? A gente tem perdido muitas mulheres. Será que esses homens têm consciência que estão matando o próprio ventre que lhe pariu? Precisamos encontrar uma maneira de desenhar e colocar uma legenda em caixa alta pra ver se essas pessoas acordam. Quando um homem mata uma mulher, mata sua própria mãe. A gente precisa fazer uma grande reforma interior, homens e mulheres. É muito importante que a gente sinalize a violência e se agarre ao amor próprio"."Me retirei de Salvador, há sete anos, para não acabar como tantas mulheres acabam todos os dias. Estava grávida de sete meses""Corria uma ameaça que realmente me fez não querer voltar mais para Salvador naquele momento. É um processo que rola até hoje, até hoje a gente não tem uma sentença"."Eu sobrevivi e posso contar minha história, posso ajudar outras mulheres. Mas muitas não sobreviveram. Minha filha está linda, minha vida seguiu. Mas só eu sei a luta que foi. Se reerguer diante de uma tragédia não é fácil. Se manter firme, sem se acuar"."Nunca falei sobre isso com detalhes, antes, porque é algo que constrange a gente, porque também preciso preservar a memória dessas crianças, a infância deles e a minha individualidade. Hoje, já consigo falar tranquilamente sem tremer, sem terror, sem taquicardia, isso tudo é um sinal de cura. O tempo serve para mostrar que as coisas acontecem para se fortalecer e repassar a nossa experiência para que outras mulheres não passem o que a gente passou"."Entrar nos detalhes da agressão não vai resolver o problema, mas lógico que sofri violência doméstica e eu estava grávida. Quando comecei a passar o que passei, com sete meses, eu fui embora de Salvador"."Quando cheguei no Rio, comecei a ter muita contração e não pude mais voltar, porque não pude pegar avião. Tive uma medida protetiva, mas não funcionava, porque ele continuava me perseguindo. Foi preso, mas por pouco tempo. Infelizmente isso se tornou público, mas eu tinha muita vergonha disso tudo"."Tem coisas que a gente queria apagar da vida da gente, mas infelizmente não tem como apagar. Fui espancada grávida. Isso e muitas coisas que não preciso colocar aqui. Estou viva, estou de pé e mais uma vez digo: sobrevivi e posso contar a minha história".