Fundação Pierre Verger relança livro Orixás e inaugura exposição

As comemorações dos 30 anos da Fundação Pierre Verger abre exposição e lança nova edição do livro Orixás nessa terça (17)

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 14 de julho de 2018 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Pierre Verger/Reprodução

Sempre que estava em casa, Pierre Verger fazia questão de deixar uma moringa na janela para que as correntes de ar refrescassem a água e para que os amigos soubessem que ele estava em casa. Afinal, sempre que saía, tomava o cuidado de colocar uma xícara emborcada sobre a moringa em sinal de ausência. Este ano, a moringa volta à janela durante as comemorações dos 30 anos de atuação da Fundação Pierre Verger.  Para marcar os festejos, será realizada, na próxima terça, na Paulo Darzé Galeria, a abertura da exposição Entre a Bahia e a África e o lançamento de uma nova edição do livro Orixás, Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, um dos mais importantes assinados pelo fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902-1996).

De acordo com Emerson Cabral, coordenador do projeto que comemora o aniversário da instituição, a mostra é baseada no livro e traz 55 fotos em preto e branco.  As imagens foram impressas na Espanha, utilizando uma técnica que revela quatro tonalidades de preto, garantindo mais textura às imagens, que revelam os primeiros registros do culto aos orixás no continente africano, Brasil e Antilhas e abre caminho para outras pesquisas de Pierre Verger. Entre Bahia e África tem  curadoria de Thaís Darzé e reúne imagens que desvendam o que havia de grandioso, profícuo e diverso na vasta documentação visual construída pelo antropólogo em muitos países e em todos os continentes.

 Costurando pontes A nova edição de Orixás traz 250 fotos e textos que destacam as cerimônias, características de cada orixá, além do descritivo dos arquétipos da personalidade dos devotos dos respectivos orixás.

O prefácio é assinado por Mãe Stella de Oxóssi, do Ilê Axé Opô Afonjá: “Oportunidade única de louvar todos que se sacrificam em ter uma vida longeva, a fim de contribuir para o aprimoramento do conhecimento e do processo civilizatório, como é o caso de Pierre Verger, que só deixou o corpo físico aos 93 anos, após entregar à humanidade um legado de valor incalculável composto por suas fotografias, seus livros e suas pesquisas. Mas, como dizem: os homens vão e as obras que importam ficam”, destaca a ialorixá. Toda história e tradição de Terreiros como Ilê Axé Opô Afonjá, com Mãe Senhora, estarão expostos na Paulo Darzé Galeria(Foto: Pierre Verger/Reprodução)  A publicação é considerada um clássico no estudo das religiões de matriz africana e foi resultado das constantes viagens de Pierre Verger à África, entre os anos de 1948 e 1965. Na obra estão registrados os cultos na Nigéria, ex-Daomé (Benin) e Togo e no Brasil e nas Antilhas, para onde a fé chegou junto com o processo de escravização.

Aniversário  Depois da Bahia, a mostra Entre Bahia e África segue para o Museu da Fotografia em Fortaleza, Ceará; para o  Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba; e para espaços de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

Mas não é só. Vinte casas de santo de nações diversas receberão a doação de imagens feitas por Verger. Segundo Emerson Cabral, as imagens doadas fazem referência ao orixá regente do terreiro em questão. “O babalorixá ou ialorixá também poderá escolher as imagens que desejarem”, diz, ressaltando que as casas escolhidas tiveram alguma relação com o fotógrafo. Duas delas estão nas cidades de Cachoeira e Muritiba.   No Terreiro Ilê Axé Asipá, localizado em Piatã e fundado por Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi (1917-2013), inclusive, haverá uma exposição especial com outras obras de Verger. “Estamos preparando outras duas exposições, que serão exibidas até o final do ano, chamadas Caras do Mundo. Elas ficarão no Engenho Velho de Brotas e também terão uma intervenção urbana com imagens gigantes em diversos locais da cidade, como o Dique do Tororó e uma estação de metrô”, finaliza Cabral.

 Herança  A Fundação Pierre Verger foi inaugurada em 1988, na 2ª Travessa da Ladeira da Vila América, 9, na Vasco da Gama. Sem fins lucrativos, tem como objetivo preservar, divulgar e pesquisar a obra do fotógrafo e antropólogo que batiza a instituição. 

Além de abrigar a obra de Verger, a Fundação também funciona como um espaço cultural, desenvolvendo atividades artísticas, esportivas e educacionais voltadas para a sociedade, em especial para a comunidade onde está inserida. O espaço também promove o intercâmbio com outros arquivos, fundações, universidades, além de promover a cultura nascida do contato entre a Bahia e o continente africano. Atualmente, a Fundação atende cerca de 200 crianças.

O próprio Verger dizia que a Fundação era resultado de dois de seus amores: a Bahia e o Golfo do Benin. Para o presidente da instituição, Gilberto Sá, ainda há muito o que fazer, a exemplo de um memorial, além da manutenção das atividades no Brasil e exterior e a publicação de livros. “O que mais desejo é que, a cada dia, a Fundação seja uma fonte para pesquisadores de todo o mundo no tema Brasil-África”, completa.

A biblioteca da Fundação também merece destaque. Com cerca de três mil títulos, é composta, basicamente, pelos livros adquiridos por Verger ao longo da vida. Entre os títulos estão livros sobre fotografia, arte e design. 

Tanto o livro quanto as imagens da exposição estarão à venda na loja on line da Fundação e nos pontos de venda  localizados no Portal da Misericórdia, no Centro, no Forte de Santa Maria e na própria sede, esclarece.Exposição Entre Bahia e África. Paulo Darzé Galeria (R. Chrysippo de Aguiar, 8, Corredor da Vitória). Abertura: terça-feira. Visitação até 18 de agosto, de 2ª a 6ª, das 9h às 19h. Sábados, das 9h às 13h.

Fotográfo de cultos, culturas e histórias

Pierre Verger nasceu em 4 de novembro de 1902, em Paris, na França. Aos 30 anos, passou a dedicar-se a duas paixões: viagens e fotografia. De 1932 a 1946, viveu exclusivamente das fotos que  negociava com jornais, agências e centros de pesquisa.

Em 1946, Verger desembarcou na Bahia e sua chegada marcou uma relação que só se encerrou com a morte do antropólogo, em 11 de fevereiro de 1996. 

“Tenho saudades da Bahia. Ando às vezes pelas ruas de Paris gritando: Bahia, Bahia, Bahia! Nunca me aconteceu a mesma coisa aqui (na Bahia)”, disse.

A descoberta do candomblé foi um marco na vida do francês, que acabou iniciado como sacerdote de Ifá, um babalaô. Aliado a isso, Verger recebeu uma bolsa para estudar os rituais na África, em 1948 e, em 1953, ganhou o nome de Fatumbi: nascido de novo graças ao Ifá.

A iniciação religiosa chegou junto com a função de pesquisador atribuída pelo Instituto Francês da África Negra, que não queria apenas os dois mil negativos produzidos por Verger, mas o relato de tudo o que foi visto. O que era para atender uma exigência acadêmica transformou-se em ofício e ele seguiu pesquisando.

Como colaborador e pesquisador visitante de várias universidades, ampliou sua compreensão e transformou esse entendimento em artigos e livros que ajudaram a ampliar a compreensão sobre o universo da espiritualidade de matriz africana.   Verger fotografou as tradições baianas e ajudou a compreender a espiritualidade cultivado na tradição de matriz africana (Foto: Pierre Verger/reprodução)