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Futebol no campo da ideologia


 

Por Elton Serra

  • Elton Serra

Publicado em 18/03/2018 às 05:00:00
Atualizado em 18/04/2023 às 04:47:04
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O Bahia criou, em janeiro, o Núcleo de Ações Afirmativas, que tem como objetivo discutir problemas graves da sociedade moderna, como intolerância religiosa, homofobia e machismo. Uma atitude que dividiu opiniões na torcida, mas que partiu para um caminho totalmente oposto ao que, a princípio, propõe o tricolor.

Os problemas sociais, há muitos anos, entraram no esporte. De acordo com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, até novembro passado, 36 casos de racismo ou injúria racial aconteceram no futebol brasileiro em 2017. No ano anterior, foram 25. Isto sem contar os episódios de homofobia que acontecem nas arquibancadas Brasil afora. Atletas, treinadores, árbitros e torcedores sofrem com a intolerância da sociedade.

Ainda é estranho clubes de futebol se posicionarem institucionalmente sobre temas tão delicados. Nas redes sociais, alguns torcedores relacionaram o Bahia ao comunismo, associaram a criação do Núcleo ao partidarismo político e, os mais leigos, pediram que o tricolor se concentrasse nos resultados esportivos em campo. Uma discussão ideológica que, se fosse mais inteligente, enriqueceria o tema. Porém, como somos intolerantes, o extremismo deixa o debate passar ao largo.

No Mês da Mulher, a discussão é também sobre o espaço feminino dentro do futebol. Tornar o esporte um meio sem machismo, ouvir as experiências das mulheres e homogeneizar um ambiente que, por essência, é democrático, se faz necessário numa sociedade moderna. O Bahia, que promoveu um debate na busca por respostas às questões que ainda incomodam, nesse caso, precisa ser parabenizado.

A atitude do tricolor também lhe impõe uma outra situação: o clube precisa se posicionar sobre temas importantes do dia a dia. Na semana passada, por exemplo, o Bahia publicou em suas redes sociais uma mensagem sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol), explicitando a violência urbana que assola o Brasil, mas foi repreendido por alguns torcedores, que alegam que o clube não deve entrar em assuntos que não se relacionem com o futebol. O Vitória, que também se posicionou, sofreu com as mesmas reclamações. Em compensação, o Bahia foi elogiado pela maioria absoluta quando se mostrou solidário às famílias das vítimas da tragédia no bairro de Pituaçu, em Salvador – na ocasião, quatro pessoas morreram após desabamento de um prédio. Dois assuntos que são parecidos, mas que provocam reações diferentes. Conveniência?

É claro que as discussões sociais precisam estar alinhadas com o que o futebol oferece em seu mundo tão particular. O Bahia poderia dar exemplo ao se posicionar sobre a violência no último Ba-Vi. Alguns de seus jogadores se envolveram em cenas lamentáveis e deveriam ser punidos pelo clube – isso vale também para o Vitória. Repudiar a violência urbana e fazer vistas grossas para a selvageria nos gramados não faz sentido.

Já escrevi mesmo neste espaço que os clubes de futebol são capazes de dar bons exemplos para a sociedade. Por movimentarem multidões, também carregam uma função social importante, e que deve ser usada com inteligência. Conscientizar e discutir sobre homofobia, machismo, intolerância religiosa, racismo e violência urbana é um gol de placa para qualquer associação esportiva. Se muitas pessoas não possuem a capacidade do diálogo, existe uma maioria que está disposta a repensar as nossas atitudes.

*Elton Serra é jornalista e escreve aos domingos