Futebol – tradução da convivência

por Sergio Bitencourt

Publicado em 1 de abril de 2019 às 03:34

- Atualizado há um ano

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Percebo no futebol o exemplo mais fiel que traduz a convivência no cotidiano: Sinergia/Individualidade, Parceria/Rivalidade, Respeito/Sacanagem, Altruísmo/Maldade, Honestidade/Injustiça, Alegrias/Decepções... Individualmente, todos, inexoravelmente, estamos expostos a essas situações, sentimentos e, principalmente, somos os protagonistas neste dinâmico drama comum que é a vida.

A origem da palavra comum vem de duas: ‘como’ e ‘um’. São dois (ou mais) pensando como um, com objetivo comum. Assim como na realidade, nunca ‘jogamos’ sozinhos. Sempre estamos em algum grupo - seja na família, na escola, no emprego, nos templos, nos transportes, nas praças, etc. No futebol é o time, em busca constante para estar em comunhão = como um (em) união.

No esporte coletivo (e na convivência) é a soma de participações individuais, e todo jogador sempre deve estar preparado para as ‘jogadas individuais’, assim como deve ser a nossa atuação em constante evolução para contribuir com a sociedade. O futebol tem o pênalti - a mais emblemática das ‘individuais’. Na vida, são as escolhas importantes, as que direcionam um caminho a percorrer e que desenharão a jornada escolhida: o conhecimento, a profissão, o emprego, a(o) companheira(o), com quem ser mãe ou pai, ou até não sê-los. Zico que o diga por que escolheu o canto direito em 86.

Em analogia estrutural-emocional entre o futebol e a convivência, têm-se: A defesa, sempre atenta contra invasões, mas sem deixar de ser filtro altivo para o que é positivo e nos agrega - tendo o custo da tranquilidade, a vigilância perene. O medo é uma guarnição. As laterais são a nossa sagacidade, os aprimoramentos, quando agregamos parceiros sinérgicos, são os caminhos alternativos - não à toa, por vezes, vencemos por detalhes. É um poder ter a flexibilidade da palmeira. O meio de campo é o nosso racional, que deve estar equilibrado, aqui concentra-se a bola (nosso foco), é onde mais estudamos o jogo (da vida) e nascem as ‘jogadas de gol’ (as nossas decisões) - a região em que mais interagimos com aliados e adversários. A serenidade é uma ótima companheira. E a artilharia reflete a nossa labuta diária onde revelamos nossa fé, talento e perseverança, sempre ‘jogando pra frente’, pois é lá que fruem os gols - as conquistas. Missão dada  (a si), missão cumprida.

Tanto no futebol, como na vida, precisamos dos técnicos, ‘os professores’, que nos dão orientação, a ‘luz’ do melhor para seguirmos – primeiro é Deus, os pais, o amor, os amigos e quem escolhermos. Se verdadeiros conselheiros, nos dizem o que se precisa ouvir, não o que queremos ouvir. Viemos para evoluir com ‘luz’ nas jornadas de nossas existências (no singular, para céticos). Acredito que existem cinco maneiras de a termos: ser inata, vir num virtuoso insight, por conselho e orientação, através da inclemente dor, ou pelo pleno e poderoso amor.

Por congruência, nos cabe contribuir levando para o esporte os valores que cobramos na sociedade sobre ética e respeito – o que se deseja deve-se praticar com os outros - simples assim. Lembro de dois queridos amigos confrades: o primeiro, um monsieur/gentleman parisiense, que me dirigiu um ‘vá se fuder!’ - porque  eu disse que a bola não pegou no  zagueiro; o outro, que tem o máximo de boa intenção, me chamou de ‘corno, filho da puta’ - só porque eu gritei que a bola tocou nele antes de sair. Será o futebol a prática mais fiel da tolerância e perdão?

Alguns tolos no esporte e na sociedade acham que têm ‘a verdade’, julgam e sentenciam, fazem ‘justiça com as próprias mãos’. Isso se revela acintosamente quando vivem uma injustiça e têm que ‘engolir o sapo’. Para compensar, cometem faltas desnecessárias, marcam-se umas inexistentes, omitem-se outras, mente-se: ‘não pegou em minha mão...’, ‘ele chutou meu pé antes da bola...’, etc. São pessoas com má-fé, pequeneza de vingança e/ou insegurança sobre seu talento e capacidade. São de questionável esportividade, leia-se convivência. Creio que  esportividade e  convivência devem ser feitos com feliz compromisso pessoal de respeito, empenho, colaboração, acato às regras – objetivando superação constante. Cientes que, por mais que se jogue bem, com todo talento,  quem não concretiza fica só na ideia, o tempo passa e ‘quem não faz, toma...’. Sobre as cobranças, cuidado, já existe a pessoal sobre o nosso desempenho, ainda tem a de um time inteiro e, acrescente, a pressão da torcida que joga todo gás em corações já inflamados. Já no cotidiano, o que nos inflama são metas, sonhos, perfeccionismo, paternidade, boletos, amigos, sociedade, etc.

Com as simbologias e exigências do futebol, venho aprendendo em meu labor diário a discernir e distinguir o que é ‘luz’ e ‘sombra’. Como também exercitando a tolerância e a paciência com o que compreendo ser negativo ou que poderia ser melhor. Dessa forma, pode-se até não ganhar o jogo em si, mas em experiência de vida – nutriente da consciência - sempre ganhar-se-á na disputa interna,  se clara e honesta, entre o bem e o mal, o certo e o errado. Uni-vos e jogai-vos! 

Sergio Bitencourt é empresário e cofundador da confraria BABASONHA – FUTEBOL, MÚSICA & ARTE/1998 | @serginho_bitencourt