Galope milionário: Bahia tem cavalo avaliado em mais de R$ 2 milhões

Estado é dono do segundo maior rebanho de equinos do país

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  • Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Sidney Araújo/Divulgação

Com R$ 2 milhões é possível comprar 50 carros populares ou mais de 6 mil cestas básicas. Ou, pra quem preferir, um cavalo. Sim, o equino mais caro que se tem notícias na Bahia hoje está avaliado em mais de R$ 2 milhões. Mas, no estado, a maioria está bem abaixo deste valor, variando de R$ 5 mil a 600 mil. 

Nesse universo, Eldorado da Boa Terra é uma exceção. Trata-se de um mangalarga marchador premiadíssimo e, consequentemente, bem valioso. Este ano, venceu o concurso Campeão dos Campeões Nacional da Marcha, realizado em Belo Horizonte.  Eleito o melhor equino da raça no estilo Marcha Batida, está avaliado em mais de R$ 2 milhões. 

O animal foi preparado no Centro de Treinamento de Equinos Fundo de Quintal, na região de Alagoinhas, que pertence a Lucas Lira. Eldorado foi comprado por um baiano, que detém de 25% da posse do animal, e mais três criadores de Alagoas e do Distrito Federal. Eldorado está entre os 404.670 cavalos que existem na Bahia. O número, segundo dados do Censo Agrícola do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coloca o estado como detentor do segundo maior rebanho de equinos do país. Ou seja, a Bahia concentra 8,1% do rebanho nacional. 

Em todo o Brasil são mais de 5 milhões de equinos. O censo mostra ainda que, uma em cada cinco fazendas baianas tem cavalos. Eles estão presentes em 19,4% das propriedades.  As maiores concentrações estão em Vitória da Conquista (5.806), Itambé (5.091), Itarantim (4.564), Itapetinga (4.421) e Itamaraju (4.400).  

O que valoriza

E sabe o que torna um cavalo tão valorizado assim? Ao contrário do que muita gente pensa, a beleza é importante, mas não é fundamental. Segundo o árbitro André Quadros, especialista em julgamento de equinos, os requisitos envolvem desde a genética do animal à sua estrutura física.  

“O que se explora são as proporções e as angulações que demonstrem a qualidade do movimento e o equilíbrio do cavalo, para garantir o conforto dele e de quem está montado. São detalhes desde o tamanho da cabeça ao alongamento das pernas que propiciam uma coordenação motora eficiente. Olhamos a descida da perna e a musculatura por exemplo. Tem cavalos com movimento mais curto, mais limitado”, explica Quadros, médico veterinário e árbitro há mais de 14 anos.  Valorização envolve desde a genética do animal à sua estrutura física (Foto: Georgina Maynart) Aliado a isso, o animal precisa ter uma genética boa e expressão racial, que é a capacidade de apresentar características marcantes da raça. “Comparo com o jogador de futebol. Se for duro, não consegue fazer o drible. Pode treinar, mas não vai conseguir o mesmo desempenho de quem já nasceu craque. No caso do Mangalarga Marchador, por exemplo, ele tem que ter o gene da marcha”, acrescenta o árbitro que já participou, só este ano, de mais de 12 eventos oficiais de julgamento da raça Mangalarga Marchador.

Sobre a estética, o árbitro é objetivo. “Os antepassados valem mais do que a beleza. A beleza indica saúde e sinaliza se o animal está recebendo os cuidados adequados. Ele fica mais bonito com uma crina sedosa, um pelo bem cuidado, mas isso é uma espécie de cereja do bolo para dar acabamento ao conjunto”, finaliza.

Cifras milionárias

Em várias partes do mundo, o valor dos cavalos alcança cifras milionárias. Os animais usados em competições são os mais caros. Há informações que, em 2016, durante a Olimpíada do Rio de Janeiro, a Federação Equestre do Catar teria desembolsado US$ 12 milhões, o equivalente a R$ 40 milhões, pela compra de Palloubet D´Halong, um cavalo da raça Sela Francesa, ideal para saltos, que pertencia a uma atleta suíça. Mas há registros de cavalos com valores ainda mais altos, que ultrapassam R$ 100 milhões . No Brasil, os mais caros estão no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A busca por troféus e prêmios nas pistas de julgamento é constante. Para os animais de corrida, considerados de elite, os prêmios ultrapassam mais de R$ 1 milhão. Na Bahia, onde não há corridas, as recompensas das provas podem atingir os R$ 100 mil, e, muitas vezes, são convertidas em carros. Um animal vencedor tem o passe valorizado no mercado, e o preço do sêmen se eleva a esferas bem superiores.

“Os vencedores são usados para reprodução. Tem garanhões que os donos vendem a cobertura até por R$ 10 mil. No Brasil, quando se compra a cobertura, se compra o sêmen para garantir a prenhagem. Assim, se reproduz as qualidades do animal vencedor e suas melhores características genéticas”, explica.   Fábio Miranda é da quarta geração de uma família de fabricantes de selas (Foto: Georgina Maynart)  Geração de emprego

Importante na manutenção de postos de trabalho e na geração de renda de muitas famílias, a indústria de cavalos avança a passos largos. Atualmente, gera cerca de 16 bilhões de reais por ano no Brasil, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Não há números exatos da Bahia, mas os indicadores apontam para um diversificado mercado em evolução.

Só para se ter uma dimensão, os gastos da cadeia equina com mão-de-obra ultrapassam os R$ 8 bilhões por ano. “As máquinas estão chegando, mas existem ações que só o homem pode realizar na lida direta com o animal. Principalmente nas propriedades que criam animais para esporte, melhoramento genético, exposição, adestramento, saltos e vaquejadas”, afirma Antônio José Seabra, presidente da Associação Baiana de Criadores de Mangalarga. 

Na Bahia, atualmente existem dezenas de haras, exclusivos para criação de cavalos, principalmente nas cidades de Feira de Santana, Serra Preta, Rio Real, Esplanada, Barreiras e Jequié.  Estimativas indicam que para cada cavalo, há pelo menos quatro postos de trabalho para o homem. A atividade inclui o emprego do tratador, do peão que monta e seus auxiliares. 

Um estudo da Câmara Setorial da Equideocultura, ligada ao Mapa, revelou ainda que o complexo do agronegócio do cavalo ocupa mais de 3 milhões de pessoas no país, entre postos de trabalho diretos e indiretos. São profissionais como Fábio Silva, tratador há 23 anos. “Comecei com 13 anos, acompanhando meu pai. Acabei aprendendo muito com os animais também. Existe um entendimento entre a gente. O animal compreende mesmo sem a gente falar. Ele reconhece a voz e o gesto”.

Na Bahia há quem diga que este é o setor que mais emprega no meio rural. Afinal, exige ainda um diferente leque de profissionais, como médicos veterinários, juízes de prova, leiloeiros, zootecnistas e outras especialidades. O veterinário Edison Pagoto é especialista em ferrageamento. Ele viaja pelo país ensinando técnicas de ferradura, recomendadas para proteger os cascos e garantir o equilíbrio do animal. “Temos profissionais atuando dentro de cada modalidade. Hoje um quesito muito importante é o bem-estar animal e isto torna mais fundamental a atuação de profissionais especializados”.

Segundo os dados da pesquisa, 22% dos equinos são direcionados para atividades de esporte, lazer e recreação. São motivos de paixão para muita gente, hobby para outros, símbolo de elite para alguns. Os outros 78% ainda são usados em trabalhos no campo. Por certo, muitos vaqueiros já trocaram o animal pela moto, mas os cavalos ainda se mantêm essenciais. Significam, sobretudo, um excelente negócio para os criadores.

Nos últimos 12 anos o rebanho de equinos na Bahia encolheu 22,6%. São 118 mil animais a menos que em 2006. Consequências de severas secas. Só no município de Gavião, no nordeste do estado, o número de cavalos caiu de 6.390 para 211 cabeças. A redução  não foi suficiente para afetar a posição da Bahia no ranking nacional. 

Alguns municípios registraram desempenho surpreendente na última década. Depois de assolado por longos períodos de estiagem, Itapetinga, no sul do estado, avançou vinte posições no ranking estadual de equinos. Subiu da 24ª para a 4ª posição. A melhora das condições climáticas e a entrada de novos criadores são apontadas como principais fatores de influência nesse resultado. 

Os números do segmento:Movimentação Financeira no Brasil - R$ 16,15 bilhões de reais por ano

Empregos no Brasil - 3 milhões de postos de trabalho (sendo 610 mil empregos diretos e 2.430 empregos indiretos)

Alimentação -  R$ 959 milhões de reais por ano

Faturamento de empresas de medicamentos veterinários -  R$ 220,5 milhões de reais por anoHospital recebe 40 cavalos por mês

A movimentação comercial no segmento de cavalos envolve uma engrenagem que atinge vários espaços, desde as fornecedoras de ração, as centrais de melhoramento genética, os centros de treinamento até as pequenas empresas que atuam nas feiras de animais.  O comércio de selas e acessórios é um dos negócios mais sólidos. 

Fábio Miranda faz parte da quarta geração da família a fabricar selas de couro e arreios na Selaria Estilo, em Feira de Santana. “Fabricamos cerca de trinta por mês e centenas de arreios”, diz. Os preços  variam de R$ 400 a R$ 2.500 e são motivo de orgulho para o artesão Joelson Santos, que está no ramo há 25 anos. “É o que dá o sustento para a minha família”. 

Além do mercado de selas, outro que tem faturado bastante é o dedicado à saúde do animal. Tarumã chega no hospital e logo recebe os cuidados de uma equipe médica de plantão. Os profissionais se apressam para fazer o diagnóstico, verificar a extensão dos ferimentos e salvar a vida do paciente. A cena seria comum se Tarumã não fosse um cavalo, e o centro de saúde não se tratasse de um Hospital Exclusivo para Equinos. Hospital recebe, em média, 40 cavalos por mês; animais vêm de outros estados em busca de atendimento (Foto: Divulgação) O nome completo do paciente é Tarumã do Porto Azul, um belo mangalarga marchador. Ele chegou ao hospital com uma lesão em uma das patas. Depois de passar quase 15 dias unidade, Tarumã recebeu alta e foi liberado para voltar para casa, um haras em Jequié, no centro sul da Bahia. “Em outros tempos nós teríamos que sacrificar o animal, hoje tem solução. Nós percorremos quase 400 quilômetros com a angústia para tratar e ver ele recuperado. Valeu a pena”, diz André Rabelo, dono do animal e criador de cavalos há 7 anos. 

Em Cassange, perto da rodovia CIA-aeroporto, o Hospital Exclusivo para Equinos dispõe de todos os equipamentos necessários para um tratamento digno de qualquer doente. Tem laboratório de análises clínicas, ultrassom, raio X, equipamento de endoscopia, odontologia e um centro cirúrgico de última geração.  Inclui até acupuntura e outras terapias alternativas. 

Antes da anestesia, os doentes são levados para uma sala acolchoada, bem fofinha, onde podem cair ou se levantar sem se machucar. Almofadas foram colocadas no chão e nas paredes. Já para levar o paciente de peso até a maca, um guindaste é usado para içá-lo até a sala de cirurgia.

A unidade foi construída há oito anos e é uma das pioneiras na Bahia. Existem pelo menos dois deste tipo na Região metropolitana de Salvador (RMS). “Antes a gente atendia nos haras ou no centro cirúrgico de uma faculdade que só funcionava em horário comercial. Nos feriados e fins de semana, muitos animais acabavam morrendo”, diz o veterinário Claudio Florence, um dos donos.

O hospital recebe, em média, 40 animais por mês, vindos de várias regiões da Bahia e de outros estados. O complexo começou com três baias. Atualmente tem 26 leitos, entre salas de internação, isolamento, unidades de UTI e enfermarias para pacientes menos graves.

O faturamento gira em torno de R$ 80 mil reais por mês. “Crescemos mais rápido do que esperávamos. E o segmento tem potencial para crescer ainda mais. Tem donos de animais que chegam a percorrer mais de 800 quilômetros até aqui”, acrescenta. 

Os pacientes ficam internados, em média, por 20 dias, e os custos não são baixos. Uma cirurgia pode custar mais de R$ 8 mil. Ainda não existe planos de saúde atuando no segmento, mas as seguradoras já entraram neste nicho de negócios. 

Seguros de animais Os dois principais seguros de animais existentes no Brasil permitem a inclusão da cobertura de despesas médicas veterinárias. Se o dono do cavalo decidir incluir esta opção, o valor do seguro aumenta cerca de 1,5%. As apólices cobrem até R$ 3 mil reais de custos com atendimento clínico, e até R$ 20 mil reais com cirurgias.O público é variado.

“Nós atendemos desde animais de alto valor zootécnico, trazidos por grandes criadores de cavalos, até animais mais comuns, como jumentos. Semana passada atendemos um jumentinho que era o único do dono. Isso tem sido cada vez mais comum, já que tem muita gente criando equinos como animal Pet, de estimação. Pessoas que não tem nem fazenda, nem sítio. Mas mantém um cavalo em algum destes hotéis de animais que existem em Lauro de Freitas”, conclui o médico veterinário.

Entenda a diferença entre os espaços:Haras - Principal atividade é a criação de equinos

Centro Hípico -  Principal atividade é a manutenção de animais de treinamento, destinados às diversas modalidades esportivas.

Hotel - São cocheiras de aluguel. 

Manège - Similar a um centro hípico, porém menor.

Rancho - Local de treinamento ou criação. Em muitos lugares são chamados apenas de centros de treinamentoSonho dividido em vinte prestações de R$ 600

O ingresso de novatos no universo dos equinos não tem sido raro. Muita gente tem investido na compra de animais, por interesse econômico ou, simplesmente, por admiração pelos cavalos. É o caso do advogado Humberto Costa Junior, 43 anos. Apaixonado pelos equinos, ele logo revela: “Minha vida não seria completa sem família e sem cavalos”. 

O amor pelos equinos começou na infância. “Meus pais nunca gostaram de fazenda. Mas eu sempre gostei de ir as exposições. Não sei explicar de onde vem tanto sentimento. Paixão é assim. Não se define”. Em quatro décadas ele alimentou o sonho de ter um animal. Casou, teve filhos, e só há quatro anos decidiu comprar um cavalo, mesmo sem ter fazenda ou sítio para abrigar. Humberto é apaixonado por cavalos e comprou o primeiro há quatro anos (Foto: Acervo Pessoal) O cavalo custava R$ 12 mil. Para concretizar o sonho, dividiu em 20 parcelas de 600 reais. “Decidi investir nesta paixão. Comprei um Mangalarga Marchador e coloquei numa baia alugada, uma espécie de hotel. Sempre tive o sonho de ver um animal meu entrando numa pista de julgamento. Acho lindo”.

O aluguel de baias custa entre R$ 700 e 1,2 mil por mês, a depender da região. Mas ele não parou por aí. Depois de comprar o primeiro, a paixão só fez crescer. Um ano e meio depois, Humberto adquiriu uma égua, que pagou também em 30 parcelas. “Fui me empolgando, comecei a levar os animais para as exposições, e eles começaram a se destacar nas provas. O sonho cresceu”.

Cresceu não, galopou. Em quatro anos, Humberto já contabiliza dez animais. “Para tornar isto possível, consegui um sócio e fui comprando em parceria”, diz o advogado, que agora divide o sentimento com a família. “Já comprei uma égua para minha esposa. Meus filhos adoram. Eu não jogo futebol, não sou de ficar em bar, mas meus cavalos, não abro mão”. 

Há três meses ele finalmente comprou uma fazenda para acolher seus animais. “Quando estou estressado, basta olhar para os cavalos que eu me acalmo. É uma fonte revigoradora e impressionante de energia. É um ambiente saudável de contato com a natureza. Eu abraço eles e até o cheiro eu gosto”, conta o advogado. 

Aliados da reabilitação

Simone, Pandora, Princesa, Flex e “Pé de Pano”. Os dois cavalos e as três águas estão sempre a postos para passear com crianças com deficiência. Elas fazem sessões de equoterapia no Parque de Exposições de Salvador. Ao todo, 131 crianças e adolescentes frequentam as sessões no local.

O serviço é promovido pela Associação Baiana de Equoterapia (Abae), através de uma parceria com a Polícia Militar Montada. Desde que a associação foi criada, há 25 anos, milhares de crianças na Bahia já usaram os cavalos no processo de reabilitação.

“Ao colocar a criança em contato com o cavalo, você tira ela das quatro paredes, dá uma possibilidade de deslocamento no espaço, de ver o mundo do alto. Influencia no fator psicológico. Associado a isso, o movimento do cavalo proporciona o ativamento do sistema nervoso central, que ativa uma gama de estímulos. A equoterapia entra como um complemento no tratamento, não substitui nenhuma outra terapia”, diz a superintendente da Abae, Maria Cristina Guimarães Brito.A equoterapia é uma das terapias mais antigas do mundo. Pesquisadores ainda estudam para saber com exatidão como o contato com os equinos atua no cérebro humano. Mas, em vários países, a técnica é indicada em mais de 30 situações, a exemplo da paralisia cerebral e do autismo. 

Para os pais, o método faz a diferença. Elisângela é mãe de Henri, de 13 anos. O adolescente é autista e vem apresentando avanços no convívio social depois da equoterapia. “Mudou muito a vida dele. Ele era uma criança agressiva. Quando começou a fazer a equoterapia, ficou mais tranquilo. Parou de bater no cachorro que tem em casa, e até passou a dar carinho. Ele também estava com aqueles movimentos estereotipados, que faz com que ele se machuque. Depois das sessões, melhorou. O envolvimento do animal com a criança para mim não tem preço”, afirma a dona de casa.