‘Gênio’, Valdir Cabeleireiro criou química exclusiva de cacheamento

Irmãs dão continuidade a legado de 'rei' dos permanentes afros

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 11 de novembro de 2017 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo pessoal

A fama que o cabeleireiro Valdir Macário ganhou ao longo dos anos, apesar de sua timidez e humildade, não foi por acaso. Ao completar um ano do seu assassinato, dentro do salão de beleza que comandava, na Avenida Vasco da Gama, os próprios discípulos dele lembram de detalhes que dão pistas do seu talento.

“Valdir era o melhor. Tinha cabelo que chegava lá e ele dizia: ‘Não tem como fazer esse cabelo porque precisa de um tratamento’. A mulher: ‘Pelo amor de Deus, eu vou me casar’. Valdir fazia mágica no cabelo. E a mulher casava toda bonita. Valdir era uma estrela”, conta o cabeleireiro Clayton Santos da Silva, 35 anos, o Paulista, que foi ajudado por Valdir quando chegou a Salvador, com uma mão na frente e outra atrás.

Essa mágica era também resultado de um produto que a genialidade de Valdir Cabeleireiro criou. A necessidade de se especializar em cabelos afros fez ele criar uma química.“Ele criou um permanente afro. As irmãs dele estão dando continuidade a essa fórmula”, explica o cabeleireiro e primeiro aluno do ‘mestre’ Valdir, André Batista dos Santos, 42. "Ele era um gênio. Fazia mágica com os cabelos."Na década de 90, quando as coisas começaram a fluir para Valdir, existia uma linha de cosméticos para cabelos afros chamada Soft Sheen. Para trabalhar com ela, era necessário ter um cadastro. E Valdir era cadastrado. Valdir Cabeleireiro com a equipe do seu salão de beleza (Foto: Arquivo pessoal) Mas a demanda de clientes era grande e a quantidade de química insuficiente. “Faltava química para a quantidade de clientes”, lembra André. Para piorar, a linha Soft Sheen desapareceu no Brasil. Foi aí que a genialidade de Valdir, como cabeleireiro, veio à tona.“Ele sempre tinha uma solução para tudo. Era assustador. Aí ele disse: ‘eu vou fazer um negócio aqui. Eu vou aparecer com uma química. Não quero nem saber. Eu vou aparecer com uma química minha’. Ele manipulou um produto, testou e deu certo. Isso sem ser químico, sem fazer um curso, só lendo mesmo. Ele manipulou um produto e deu certo”, conta o discípulo.O segredo da química que Valdir criou, e que estocou em boa quantidade, somente as irmãs possuem. Hoje, elas estão justamente colocando o produto no mercado. Na verdade, um kit com três potinhos: O branco, hidrata. O rosa é umidificante e o amarelo é ativador de cachos. A linha se chama AVC (Alda e Valdir Cabeleireiro), uma referência ao criador da linha e à mãe do próprio, dona Alda Macário. “As meninas estão dando continuidade à linha”, conta André. Valdir Cabeleireiro em suas primeiras tesouradas, na década de 90 (Foto: Arquivo pessoal) ***

Após ação judicial, irmãs de Valdir reabrem salão em outro espaço  No dia 5 de abril deste ano, o salão de Valdir Cabeleireiro, que funcionava há 20 anos na Avenida Vasco da Gama, no Engenho Velho de Brotas, foi oficialmente fechado. “Foi o dia que cumprimos o embargo da Justiça”, afirma Aldízia Macário, irmã de Valdir. A família prefere não se pronunciar sobre detalhes do fechamento do salão, que seria resultado de uma ação na Justiça impetrada pela ex-mulher de Valdir, Valdely Silva da Cunha Macário.

O fato é que, na mesma semana do fechamento do salão, as irmãs abriram um novo espaço, a poucos metros do antigo.“Esse problema a gente deixa para a Justiça. Queremos pensar para frente”, diz Ide Macário, outra irmã do cabeleireiro.As irmãs seguem juntas no que chamam de “afroempreendimento familiar e afetivo”. “Na hora da fatalidade, ele disse: ‘Bora, minhas irmãs! Corram juntas, de mãos dadas! E assim nós fizemos vamos continuar a fazer”, diz Ide.

O imbróglio judicial por conta do salão teria surgido porque Valdely reivindicou o espaço por ser herdeira de Valdir. Por outro lado, o imóvel onde o salão funcionava estaria no nome da matriarca da família, Alda Macário. Mas Valdely diz que as irmãs do cabeleireiro simplesmente não aceitaram ser suas funcionárias.  Aldenice, Aldisia, Aldair, Avanivalda e Aldacir, irmãs de Valdir, abriram salão com homenagem a ele (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) “Quando Valdir faleceu, tentei conversar com minhas cunhadas. Como esposa, eu queria estar a par do bem que ele deixou. Mas elas não concordaram. Entrei na Justiça para fazer um acordo, mas elas preferiram sair. Como não tive profissionais para trabalhar, fechei o salão”, contou a viúva. Valdely nega que o salão tenha sido embargado pela Justiça. “A Justiça me deu a posse para eu tocar o salão, mas elas é que quiseram sair”, justifica.“O salão tá lá do mesmo jeito. As portas estão abertas se elas quiserem voltar. Mas elas acham que, por serem irmãs, têm mais direito que os filhos dele”, conclui. Valdir deixou dois filhos, um de três e outro de sete anos.

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Salão aberto Muitos clientes ainda não sabem da existência do novo salão. “Tem muito cliente aí achando que o salão de Valdir está fechado. Todos esses clientes precisam saber que o salão de Valdir está aberto”, avisa André Batista dos Santos, 42, funcionário e discípulo de Valdir. 

“Esse é o local que nos refugiamos por conta de uma situação de família. Para os clientes não ficarem perdidos, viemos para cá. Esse espaço ainda não é o ideal para a potência que elas são”, diz André, referindo-se às irmãs de Valdir. “Mas estamos buscando ajuda com patrocinadores, com bandas que sempre foram parceiras de Valdir”.

As irmãs de Valdir dizem que também vão continuar a tocar os outros projetos do cabeleireiro, morto a tiros dentro do próprio salão, a mando de um traficante.

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Além de colocar no mercado a linha de cosméticos AVC (Alda e Valdir Macário), sonho antigo do cabeleireiro, pretendem escrever um livro e, principalmente, abrir a Ong Viva Valdir, com um centro de beleza para formar cabeleireiros para o mercado de trabalho. “Vamos continuar com tudo, inclusive com as bandas que ele ajudava. Se Valdir não está mais aqui, pelo menos minha mãe vai ver a realização desses projetos”.