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Jornalista morreu em São Paulo, aos 63 anos, em decorrência de um câncer no pâncreas
Roberto Midlej
Publicado em 30 de maio de 2020 às 07:00
- Atualizado há um ano
Gilberto Dimenstein foi um jornalista notável. Durante 28 anos, escreveu uma coluna no jornal Folha de S. Paulo, com textos contundentes, sobre assuntos diversos . Foi também um repórter muito importante: realizou, por exemplo, uma série sobre os testes de bomba atômica que o Exército brasileiro pretendia produzir. E ainda, um empreendedor bem- sucedido, com o site Catraca Livre.
Mas a maior marca de Dimenstein foi sua intransigente luta em defesa da cidadania, que orientou toda sua trajetória profissional e pessoal. E nessa luta, ele foi um enorme vencedor. Mas nesta sexta- feira, aos 63 anos, Dimenstein perdeu uma outra guerra, contra um câncer de pâncreas que fez metástase no fígado. O sepultamento será neste domingo, no Cemitério Israelita, em São Paulo.
Mas ele nunca se entregou e, mesmo diante da ameaça da morte, encontrou motivação na vida, chegando a dizer que nunca havia sido tão feliz, curtindo a companhia do netinho.“Câncer é algo que não desejo para ninguém, mas desejo para todos a profundidade que você ganha ao se deparar com o limite da vida”disse, numa entrevista à Folha, no fim do ano passado. “A clareza maior da morte é uma dádiva. Não é o fim, mas um começo”, acrescentou.
Vida e carreira De família judaica, Dimenstein, nasceu em São Paulo, em 28 de agosto de 1956, filho de um pernambucano e de uma paraense. Formou-se em jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Passou por diversos veículos, mas foi a Folha de S. Paulo que lhe deu projeção nacional. Ali, fez parte do conselho editorial, de 1992 até sua saída do veículo, em 2013. Além de ter sido repórter e colunista, foi também diretor da sucursal de Brasília e correspondente em Nova York.“Gilberto Dimenstein brilhantemente atribuiu o êxito da Folha, à qual estava intimamente ligado, ao 'espírito de imigrante', esse ânimo incessante do desbravador de criar o próprio caminho. Seu jornalismo de preocupação social e defesa da democracia fará falta ao Brasil”, disse Sérgio Dávila, atual diretor de Redação da Folha.Vera Magalhães, jornalista especializada em política, lamentou nas redes sociais: “Uma perda imensa para o jornalismo brasileiro. Um homem íntegro, inspiração para minha geração, que lutou até o fim contra uma doença cruel”.
Ele também passou pela CBN, Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Última Hora, Veja e Revista Visão antes de se dedicar ao jornalismo de causas sociais, que lhe deu muito reconhecimento, além de prêmios, como o Esso de jornalismo, que venceu duas vezes seguidas.
Em 1988, foi premiado na categoria principal, com a reportagem A Lista da Fisiologia, que escreveu na Folha, sobre políticos que intermediavam repasses para programas sociais, em esquema de tráfico de influência entre Executivo e Legislativo. No ano seguinte, venceu na categoria Informação Política, com a reportagem O Grande Golpe.
Também na Folha, realizou uma série de reportagens para mostrar que o então presidente José Sarney liberou recursos para as bases eleitorais de deputados dispostos a apoiar o mandato de cinco anos. Em 1999, revelou que a Fundação Visconde de Cabo Frio, ligada ao Ministério das Relações Exteriores, pagava funcionários em dólar, com depósitos em Londres.
Cidadão de Papel Dimenstein é autor do livro O Cidadão de Papel, lançado em 1994 e que se tornou um clássico, até hoje adotado em escolas. Foi vencedor do Prêmio Jabuti na categoria de melhor livro de não-ficção. Na publicação, o jornalista apresenta um panorama do Brasil e fala sobre as questões sociais, com destaque para a péssima distribuição de renda. A situação hoje, mais de 25 anos depois, não é diferente: conforme relatório da ONU, o Brasil é o segundo país mais desigual do planeta, atrás apenas do Catar.
Dimesntein venceu também o Prêmio Líbero Badaró de Imprensa; um Prêmio Comunique-se; um Prêmio Nacional de Direitos Humanos junto com D. Paulo de Evaristo Arns (1995); um Prêmio Criança e Paz, da Unicef (1993), além de uma Menção Honrosa do Prêmio Maria Moors Cabot, da Faculdade de Jornalismo de Columbia, em Nova York (1990).
Em 2009, quando ainda estava na Folha, criou o site Catraca Livre, que surgiu para dar dicas de atrações culturais e soluções na área de mobilidade, lazer e educação. “Queremos ajudar as cidades a serem mais educadas, acolhedoras e criativas”, afirma o portal, em sua apresentação. Hoje, é um site de notícias, claramente de viés progressista. O Catraca Livre também venceu o Prêmio de Veículos de Comunicação (2017), Prêmio Jovem Brasileiro (2015 e 2016), E-award (2014) e Digitalks (2015).
O jornalista também criou o projeto bairro-escola, que foi replicado internacionalmente com apoio da Unesco. O projeto de formação profissional foi considerado “um exemplo de inovação comunitária” pela Escola de Negócios de Harvard. Dimesntein era casado com a jornalista baiana Anna Penido, com quem teve dois filhos, Marcos e Gabriel.