Greve dos caminhoneiros: razão, despreparo e oportunismo

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  • Armando Avena

Publicado em 1 de junho de 2018 às 05:04

- Atualizado há um ano

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A greve dos caminhoneiros desvendou o quanto há de razão, despreparo e oportunismo no momento atual da realidade brasileira. A razão, no início, estava com os caminhoneiros que foram atingidos em cheio pela política de preços da Petrobras, que é correta em sua essência, mas precisava ser ajustada para não tornar inviável economicamente o transporte rodoviário, que move 70% das cargas brasileiras.

Em qualquer país, que não seja parecido com a Venezuela, os preços da gasolina e do diesel sobem de acordo com as variações da cotação do dólar e dos preços do barril de petróleo no mercado internacional, mas para que a população e os agentes econômicos não paguem um valor excessivo nos momentos de pico de preço, como ocorreu agora, é preciso que o governo coloque amortecedores que flexibilizem os preços da gasolina, do diesel e dos derivados. Essa flexibilização  tem de ser feita na fatia de impostos, que representa mais de 50% do preço do combustível no Brasil.

É verdade que a Petrobras errou por excesso, afinal, ninguém aguenta reajustes diários, assim os reajustes deveriam ser mensais, mas toda e qualquer diferença deveria ser coberta pelo governo com flexibilização das alíquotas dos impostos ou subsídios. E essa intromissão do governo só se faz necessária porque existe um monopólio estatal e porque os impostos embutidos nos preços do combustível sustentam o governo federal e os governos estaduais. E são esses impostos que fazem dos combustíveis brasileiros um dos mais caros do mundo.  Se fosse nos EUA, onde não há monopólio mas concorrência, não seria necessário intervenção do Estado.

Dito isso, surge o despreparo do governo federal, que não soube se antecipar a esse problema que, fatalmente,  iria gerar uma greve, que não soube enfrentá-la, e que, por isso, cedeu os maiores absurdos econômicos aos caminhoneiros, apenas para se ver livre deles. O governo reduziu o preço do diesel em 0,46 centavos, sem saber como vai cobrir esse rombo que vai ampliar a já explosiva dívida pública; gerou outro rombo nos estados que vão perder os recursos da Cide; estabeleceu reajustes trimestrais nos fretes, independente da lei da oferta e da procura; criou o primeiro cartel estatal da história, pois agora os caminhoneiros autônomos vão ter 30% dos fretes da Conab, sem licitação, quiçá cobrando o valor que lhes dê na telha.

Os dois primeiros absurdos terão de ser compensados, com novos impostos, aumento de alíquotas ou redução de subsídios. E o terceiro  revogou a lei da oferta e da procura no mercado de cargas. Ora, em economia não há almoço grátis e alguém vai pagar por essas benesses do Estado. Mas a greve mostrou também um grau de oportunismo generalizado, que começou com as empresas transportadoras apoiando os caminhoneiros para assim reduzir o preço do diesel e ver seus lucros aumentarem; seguiu com aqueles empresários que aumentaram os preços abusivamente para ganhar com o desabastecimento; desdobrou-se nos grupos radicais de esquerda e direita que tentaram apropriar-se da greve usando-o para interesses políticos que nada tinham a ver com a demanda dos caminhoneiros; e foi coroado pelas palavras e atos dos políticos brasileiros que, seja aprovando a revogação do PIS/Cofins que terá de ser vetada pelo presidente, seja dando declarações de cunho eleitoral, mostraram que ainda não perceberam que há um Brasil novo nas ruas.

MELHOR DO QUE O ESPERADO No meio de tanta notícia ruim, uma notícia boa. O PIB brasileiro cresceu  0,4% no primeiro trimestre, em relação ao trimestre anterior. Este é o 5º semestre consecutivo de crescimento do PIB, após oito semestres consecutivos de queda acentuada.  O consumo das famílias, que representa 70% do PIB, cresceu quase 3% em relação ao mesmo período do ano passado. E o investimento cresceu 3,5% na mesma comparação.  Entre os setores, o destaque foi a indústria de transformação, que cresceu 4% em relação ao ano anterior. Indústria e serviços também cresceram 1,6% e 1,5%, respectivamente,  sempre em relação ao ano passado.

Neste trimestre, quem não foi bem foi a construção civil, que caiu 2,2%. Ou seja, o PIB pode não chegar aos 3% esperado no início do ano, mas vai crescer o dobro do que cresceu no ano passado. Há, é verdade, um clima de pessimismo por causa da incerteza no campo político, mas os dados mostram que a economia vai continuar crescendo. Aliás, dizer que a greve de caminhoneiros vai desestruturar a economia e fazer cair o PIB muito é pura  balela. Se vaticinou a mesma coisa quando da crise dos frigoríficos e a economia deslanchou poucos dias depois. Agora vai se dar o mesmo: os efeitos da greve se diluem rapidamente e  a economia vai acelerar mais para recuperar o que perdeu.

O GOVERNO ACABOU, MAS... O governo acabou, mas precisa continuar. Essa é a constatação que fica da greve dos caminhoneiros. O governo acabou porque ficou claro seu despreparo no enfrentamento da crise e a falta de legitimidade para adotar as medidas necessárias quando elas são necessárias. Mas, apesar de estar no seu ocaso, é indispensável que ele continue, afinal a queda do governo faltando apenas seis meses para a eleição traria o caos ao país, estimularia greves e manifestações de todo tipo,  açodaria os arautos da intervenção militar que ninguém quer, nem os próprios militares, e colocaria em risco a democracia brasileira. Democracia é o remédio para os males brasileiros e ele será aplicado em outubro, quando o povo for às urnas dizer o que quer.

 O MONÓPOLIO DO ETANOL O álcool poderia ser uma alternativa ideal para fazer contraponto a aumentos nos preços da gasolina, mas os governos brasileiros adoram criar intermediários que ganham sem trabalhar. Assim, em 2009, em pleno governo Lula, uma resolução da  ANP impediu os pequenos produtores de entregar o  produto diretamente aos postos,  obrigando que o produto fosse comprado pelas distribuidoras que monopolizam mercado. Resultado: fim da concorrência e estabelecimento de mais um cartel. Agora, após a greve dos caminhoneiros, o Cade está propondo que produtores de álcool vendam diretamente aos postos. Será que o lobby das distribuidoras vai deixar?

 A BAHIA E A CIDE O governo não gera riqueza, por isso quando ele dá uma benesse a um setor está tirando de outro. O fim da Cide, por exemplo, vai reduzir o preço do Diesel e beneficiar os caminhoneiros, mas vai fazer com que o governo da Bahia perca R$ 120 milhões na sua arrecadação, dinheiro destinado a melhoria das estradas baianas. Outros estados vão perder mais.