Grupo hoteleiro e agricultora disputam terreno milionário em Trancoso

No local há diversos imóveis de luxo. Em 2013 cobraram R$ 1 milhão de Beyoncé para que ela ficasse hospedada por dez dias

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 20 de julho de 2018 às 02:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Suspeito de invadir a terra de uma agricultora de 74 anos, um hotel de luxo que está sendo construído pela incorporadora Bahia Beach e será operado pelo Grupo Fasano, em Trancoso, povoado de Porto Seguro, Extremo Sul da Bahia, está com as obras parcialmente embargadas pela Justiça, que ainda aplicou à Bahia Beach multa de R$ 1,68 milhão por descumprimento de ordem judicial.  A decisão do embargo parcial das obras e a aplicação da multa foram determinadas pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) no último  dia 10, após ação possessória de autoria de Joaquina Antonia Soares, 74 anos, dona de um terreno de 28 hectares que, segundo o tribunal, foi invadido pelas obras do empreendimento Reservas Trancoso, lançado em 2016 pelo Fasano, com custo inicial de R$ 130 milhões. Anteontem, a Vara Cível de Porto Seguro, em atendimento à decisão do TJ-BA, deu prazo de 15 dias para o pagamento da multa, cujo descumprimento se refere a outra decisão do dia 8 de maio de 2017 (também do tribunal) que embargou totalmente as obras por causa da suspeita de invasão. A multa deve ser paga pela Bahia Beach, acionada no processo por Joaquina. O  projeto hoteleiro em Trancoso, assinado pelo arquiteto paulistano Isay Weinfeld, que também responde pelo design dos Hotéis Fasano São Paulo e Fasano Punta del Este (Uruguai), prevê um condomínio com 19 lotes dentro de um complexo com um hotel de 40 bangalôs e 23 vilas residenciais, numa área de 300 hectares de mata nativa a  500 metros da praia de Itapororoca. O Grupo Fasano, que tem hotéis ainda no Rio, Salvador, Boa Vista, Brasília, Belo Horizonte e Angra dos Reis, escolheu a praia de Itapororoca para fazer o hotel por ser a 'queridinha' de famosos nacionais e internacionais que visitam Trancoso, sobretudo no final de ano. A praia é uma das mais desertas do local e atrai turistas pelas suas águas cristalinas e falésias. No local há diversos imóveis milionários, como o da duquesa Georgina e do conde Ruy Brandolini, que em 2013 cobraram R$ 1 milhão da cantora americana Beyoncé para que ela ficasse hospedada por dez dias. Outros famosos que já estiveram na praia são Bill Gates, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e o cineasta Steven Spilberg. "Meu filho que me disse dessa invasão. Nunca fui procurada por ninguém, nem pra tentar qualquer acordo", Joaquina Antonia Soares Agricultora Estupro Mas Itapororoca, por enquanto, não está sendo boa para os negócios do Fasano e da Bahia Beach. Os problemas começaram em 2010, quando um dos filhos de  Joaquina disse a ela que as obras do Reservas Fasano avançavam sobre os 28 hectares de propriedade da agricultora, que hoje reside numa casa simples nos arredores do Quadrado, principal ponto turístico de Trancoso. Com a decisão do TJ-BA, a conclusão das obras, cuja licença ambiental de dois anos foi renovada em janeiro de 2017 por igual período, estava inicialmente prevista para janeiro de 2019, mas foi adiada para julho de 2019. Em caso de descumprimento dessa nova determinação, a multa diária será de R$ 5.000. 

A Bahia Beach nega irregularidades na posse da área, ao afirmar que detém documentos que provam a cadeia possessória do terreno. O diretor da Bahia Beach Frederico Schiliró informou que as obras da vila e do hotel “seguem de vento em popa”, e que “não tem obras na área dos lotes no platô onde foi o embargo - esta área fica a 1.500 m do Hotel e das Villas e tem inclusive outra matrícula”.

Mas não é isso que tem entendido o Tribunal de Justiça, que, por enquanto, vem dando razão a Joaquina. A agricultora recebeu o terreno aos 16 anos por meio de doação em 29 de maio de 1962, por meio de uma carta de aforamento registrada pela prefeitura de Porto Seguro. O doador é Manoel Alves dos Santos, que fez a transação com o pai da agricultora, Aguinaldo Soares Martins. A doação ocorreu após o filho do doador estuprar Joaquina. Ela e o advogado Nirvan Dantas, que a defende junto com o advogado Henrique Tanajura, dizem que a doação seria uma forma de compensar o crime, e que o acordo teria sido feito em juízo, porém não há documentos que mostram isso. Segundo juristas consultados pelo CORREIO, acordos desse tipo nunca estiveram previstos no Código Penal Brasileiro, que é de 1940. O máximo que poderia ter ocorrido, dizem, é um acordo extrajudicial que culminou com a doação do terreno em troca de o autor do crime não ser denunciado à Justiça. No Cartório de Registro de Imóveis de Porto Seguro, o terreno de Joaquina está registrado com a matrícula 40.482. Joaquina diz que passou a habitar o local em 1973. Construiu uma casa de taipa e plantou mais de 1.500 pés de coco, manga e amêndoa, dentre outras frutas. Viveu em paz na área, criou seu casal de filhos até que se aposentou e foi morar no Quadrado.   Ela  diz que tem interesse em negociar a área, “mas por um valor justo”. “Nunca fui procurada por ninguém, nem pra tentar qualquer acordo”, disse.  O advogado Nirvan Dantas informou que a oferta inicial é de R$ 50 milhões, “mas em acordo judicial há conversa”. Segundo imobiliárias consultadas pelo CORREIO, na praia de Itapororoca o metro quadrado de um terreno sem benfeitorias pode variar de R$ 800 a R$ 1 mil. A Bahia Beach chegou a oferecer  R$ 850 mil pelo terreno, mas não houve acordo.Tribunal determinou embargo das obras e multa Depois que Joaquina acionou a Bahia Beach na Justiça, os problemas só aumentaram. Em 8 de maio de 2017, o Tribunal de Justiça determinou o embargo total das obras e multa de R$ 10 mil por dia, caso o empreendimento continuasse a vender lotes. O caso foi parar no  TJ  após a Vara Cível de Porto Seguro negar pedido de antecipação de tutela feito pela defesa de Joaquina. A Justiça local não tinha observado ainda pedido de liminar feito pela agricultora. Depois da decisão de embargo, a Bahia Beach ainda recorreu no Tribunal, mas a decisão foi mantida no final do ano passado, sem julgar, contudo, a continuidade das obras, o que configura desobediência judicial. A defesa de Joaquina acionou novamente o TJ, reclamando do andamento das obras e venda de lotes e, por maioria, os desembargadores da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça decidiram, dia 10 de julho, pela manutenção do embargo – dessa vez parcial, apenas na parte que envolve o terreno de Joaquina – e pagamento da multa.  O valor a ser pago é calculado com base na data inicial, 24 de janeiro de 2018, dia em que o tabelião Jorge Kazicawa Júnior, do Tabelionado de Notas e Protesto de Porto Seguro, fez constatação in loco do andamento das obras no terreno que Joaquina alega ser dela, e final o dia 10 de julho de 2018.