Grupos ignorados pedem acerto de contas com a história do Brasil

Espetáculo NAU revisita formação do povo brasileiro em temporada virtual que começa nesta quinta-feira (19)

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  • Laura Fernades

Publicado em 19 de agosto de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Imagine encontrar o Pelourinho privatizado, o Rio de Janeiro entregue à milícia e o sistema educacional sob o comando da imprensa, em Brasília. Pois é assim que o espetáculo NAU se propõe a provocar o público na temporada virtual que começa nesta quinta-feira (19), às 19h, com transmissão pelo site oficial www.projetonau.art.br e ingressos entre R$ 10 e R$ 30 (pague quanto puder).

“Obra cênica virtual”, como definem os diretores Daniel Arcades e Thiago Romero, NAU apresenta sete espíritos de personagens historicamente silenciados na construção social do Brasil que voltam ao país em uma barca, para uma espécie de acerto de contas. Ao longo de 90 minutos, o público acompanha a saga desses seres inspirados na própria população brasileira.

“NAU conta a história dos grupos indígenas, dos grupos afro-diaspóricos e até dos ladrões da Europa, aqueles europeus que não se enquadravam no modelo social, os enjeitados”, explica Daniel Arcades, 31 anos. “São dirigentes de todas as energias dos corpos colonizados do Brasil. São personagens inspirados em Dandara dos Palmares, Zumbi e nos próprios cangaceiros. São ficcionais, mas inspiradas nessa história marcada a sangue”, completa.

Em cartaz até novembro, com um total de 45 apresentações, NAU revisita as três capitais do Brasil em três atos. E essa navegação “tem muito a ver com a nossa história”, explica Daniel, porque “todo mundo chegou através de navios”. Mas a embarcação do espetáculo “está mais para uma canoa, porque os grandes barcos lascaram com a gente”, acrescenta o diretor, bem-humorado.

“A gente queria propor um outro tipo de navegação, comandada por outros corpos. A nau, pra gente, não é a caravela que nos silenciou”, reafirma Thiago Romero, 39 anos. Além disso, o diretor explica que a navegação apresentada no espetáculo ganhou outro sentido. “A gente vive a Era da navegação digital. A gente busca rever a navegação violenta e entender a navegação proposta por essa Era”, completa.

Som Contemplado pelo edital Fábrica de Musicais – Ano II, da Fundação Gregório de Mattos (FGM), NAU é fruto de um trabalho iniciado em 2020. Diante da pausa forçada pela quarentena, foram oferecidas oficinas gratuitas ao público com nomes relevantes das artes cênicas como Luís Miranda, Elísio Lopes Júnior e Fause Haten. Os vídeos, disponíveis no site oficial, marcaram o início do projeto que termina agora com as apresentações.

Em cena, a música ajuda a contar essa história, por ser “talvez uma das linguagens artísticas mais potentes”, na opinião de Thiago. “Entender a ancestralidade vem da música, a gente se comunica através da canção”, justifica o diretor. Daniel concorda, apesar de entender que a formação cultural privilegia essa linguagem artística e não viabiliza o acesso aos teatros no interior, por exemplo.

“A música é o elemento que primeiro chega em qualquer lugar que você for”, reconhece. “O texto dramático foi feito para virar som. A música é um som harmonizado, ela me dá imagem e novos elementos artísticos. Eu penso muito música”, confessa Daniel que assina as 16 canções criadas para NAU e que, junto com Thiago, sempre flertou com os espetáculos musicais.

Voz É a partir do som que NAU reverbera as vozes de personagens silenciados, “apagados dentro desse discurso oficial, dessa história oficial que nos foi contada”, resume Thiago. A ideia, segundo ele, é mostrar o Brasil através de narrativas diferentes da “do colonizador”, porque “a gente não tem mais tempo de ver uma história única”.

“Por muito tempo nos foi contada uma história por um só viés. Mas ela é composta por muitas outras histórias. Quando você traz outra perspectiva, você mostra as lacunas e os silenciamentos. Muitos desses corpos foram violentados e atacados. Nós pretos, pretas, indígenas precisamos nos reconhecer nas histórias não contadas, principalmente neste momento de aniquilamento das nossas existências”, defende Thiago.

A partir da relação com o próprio território, NAU traz a noção de pertencimento junto com o questionamento de ser brasileiro, arremata Daniel. “Celebra o ‘sermos brasileiros’, mas questiona nossa formação. É um convite para revisitar a história do Brasil. A gente deve amar nosso território, mas não pode ser cego. Que tipo de poder a gente deseja? Por qual poder a gente luta?”, provoca.

Serviço O quê: Espetáculo cênico musical NAU Quando: Estreia quinta-feira (19), às 19h. Temporada de quinta a domingo, até novembro Onde: Transmissão pelo site oficial www.projetonau.art.br Ingresso: R$ 10, R$ 20 ou R$ 30 (pague quanto puder). Vendas: Sympla *Parte dos ingressos será destinada gratuitamente para grupos teatrais, escolas e ONGs que trabalham com pessoas em situação de vulnerabilidade social