Hagamenon Brito: 'No colo musical de Iemanjá'

Uma crônica sobre a Rainha do Mar e o Top 10 de músicas que a homenageiam, por ordem de preferência

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  • Hagamenon Brito

Publicado em 2 de fevereiro de 2017 às 11:40

- Atualizado há um ano

Divindade africana mais louvada na história da música popular brasileira, Iemanjá sempre esteve ligada ao buda nagô Dorival Caymmi (1914-2018) na minha memória afetiva. É de Caymmi a homenagem musical mais bonita prestada à Rainha do Mar, Dois de Fevereiro, gravada originalmente no álbum Caymmi e Seu Violão (1959). Impregnada de baianidade e alto-astral, essa canção alimentou a saudade que eu sentia da Bahia na adolescência quando, por sorte ou por azar, fui parar em Cuiabá, a capital do distante Mato Grosso, e comprei o disco Gal Canta Caymmi (1976). Dois de Fevereiro no timbre vocal mais bonito da MPB refresca e alegra o meu espírito até hoje. É uma pílula da felicidade.

Senhora vaidosa, Iemanjá é muito cantada, mas, sábia em sua majestade, presenteia alguns dos filhos compositores com mais inspiração do que outros. Caymmi é o seu predileto. É dele também as pérolas É Doce Morrer no Mar, lançada no seu primeiro e primoroso álbum, Canções Praieiras (1954), e Promessa de Pescador (1959). Ambas citam Iemanjá, claro, em meio aos personagens líricos, idealizados e harmônicos que caracterizam a obra do pai de Dori, Danilo e Nana. A  Bahia de Caymmi, assim como a literatura do seu compadre Jorge Amado (1912-2001), é um quadro sentimental na parede do tempo.

Ser baiano também ajuda a ter maior inspiração na hora de compor para Iemanjá, embora existam preciosas exceções como os cariocas Vinicius de Moraes (1913-1980) e Baden Powell (1937-2010), que criaram o afro-samba Canto de Iemanjá (1966), e o pernambucano Romildo Bastos (1941-1990) e o paraense Toninho Nascimento, autores da sublime Conto de Areia, que Clara Nunes (1942-1983) gravou em 1974 e colocou o país inteiro para cantar. Assisti a um show da Guerreira mineira em Cuiabá e nunca esquecerei daquela noite mágica (mesmo que, na adolescência, a timidez atrapalhasse qualquer demonstração pública minha de alegria – tentar sambar, então, nem que a vaca tossisse).

Por ser uma divindade, a Rainha do Mar intimida, creio, os compositores em seus tributos. Mesmo em um samba grandiloquente como Conto de Areia, por exemplo, existe um certo ar religioso na letra e na música. A homenagem mais pop (e profana) foi feita pelo cantor e guitarrista baiano Pepeu Gomes em Sexy Yemanjá (1993), com letra do carioca Tavinho Paes: “A noite vai ter lua cheia/ Tudo pode acontecer/ A noite vai ter lua cheia/ Quem eu amo vem me ver/ Tem a ver com o mar/ Um luar solar/ É o amor que me incendeia/ Vou sair de mim/ Leve como o ar/ E agradar minha sereia/ Se ela me chamar/ E quiser me amar/ Eu vou, vou vou, vou vou vou vou vou, vou/ Sexy Yemanjá/ Tudo a ver com o mar”.

Tema da novela Mulheres de Areia, a dançante Sexy Yemanjá foi um grande sucesso. Por via das dúvidas, não recomendo ninguém a entrar no mar do Rio Vermelho cantarolando a música de Pepeu Gomes na hora de presentear e saudar a anfitriã da festa de largo mais bonita de Salvador (e que nos últimos anos vem sendo descaracterizada, numa mistura de carnavalização com festival de música pop e feijoadas). Afinal, respeitar a casa de quem nos recebe é lição básica de etiqueta. Fica a dica.

1. Dois de Fevereiro (Dorival Caymmi), com Gal Costa

2. É Doce Morrer no Mar - Dorival Caymmi

3. Promessa de Pescador - Dorival Caymmi

4. Conto de Areia (Toninho/Romildo Bastos), com Clara Nunes

5. Lenda das Sereias – Rainha do Mar (Dinoel/Vicente Mattos/Arlindo Velloso), com Marisa Monte

6. Canto de Iemanjá - Vinicius de Moraes e Baden Powell

7. Yemanjá Rainha do Mar (Pedro Amorim/Paulo César Pinheiro), com Maria Bethânia

8. Canto pra Iemanjá (Mateus Aleluia), com Os Tincoãs

9. Iemanjá (Gilberto Gil/Othon Bastos), com Gilberto Gil

10 Sexy Yemanjá (Pepeu Gomes/Tavinho Paes), com Pepeu Gomes