Heidegger e a morte de Boechat

Por Armando Avena

  • Foto do(a) author(a) Armando Avena
  • Armando Avena

Publicado em 15 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Acidente de helicóptero que matou o jornalista Ricardo Boechat em São Paulo (Foto: Estadão Conteúdo) A morte do jornalista Ricardo Boechat deixou-me chocado, não só porque perdemos um grande jornalista, mas também porque sua morte seu deu sob alguns dos signos ou dos estigmas do nosso tempo: a velocidade, a rapidez, a pressa. O progresso no mundo moderno passou a ser sinônimo de velocidade e isso se dá não apenas no sentido de tornar mais velozes nossos meios de transporte, mas também de aumentar a velocidade e a rapidez com que fazemos as coisas, de modo a ter mais tempo para fazer mais coisas. Ser bem-sucedido no mundo moderno é ser rápido, veloz, estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Paradoxalmente, a rapidez com que nos movemos no dia a dia tem o condão de fazer o tempo passar mais rápido, ou assim parece, e de tal maneira que quanto mais velozes somos mais rapidamente o tempo passa.

Em relação ao primeiro aspecto – a velocidade dos meios de transporte e nosso alheamento em relação a quem o dirige – lembro-me do escritor Thomas De Quincey viajando de carruagem, ainda no século XIX, e impressionado com a velocidade do veículo e de como estava ele à mercê do condutor e da precisão da máquina. Em determinado momento, ele percebe que em sentido contrário vem, na mesma pista, outra carruagem com igual velocidade e que “entre eles e a eternidade não havia mais que um minuto e meio”. Desesperado, De Quincey grita em sinal de alerta, mas percebe que se esse primeiro passo competia a ele, o segundo competiria apenas ao cocheiro e o terceiro a Deus.  

Assim deve ter se sentido Boechat, no momento em que percebeu que a queda do helicóptero não demoraria mais que um minuto. De Quincey, cuja história foi relatada por Italo Calvino, estava preocupado apenas com a velocidade da máquina, mas o homem moderno não só deu celeridade inimaginável as suas engenhocas como também estabeleceu como meta agilizar seu dia a dia, fazendo do seu cotidiano uma azáfama perene que gira cada vez mais rápido e exige cada vez mais deslocamentos.

Isso responde, naturalmente, aos ditames da profissão, às necessidades de um mercado cada vez mais competitivo e ao imperativo de ganhar a vida, como fazia Boechat naquele dia fático, mas é preciso saber que tal velocidade resulta no mais das vezes no alheamento de si mesmo, até porque se o cotidiano é nossa ruína, fazê-lo correr nos arruinará mais rapidamente.

Foi o filósofo alemão Martin Heidegger que afirmou ser o cotidiano “a ruína”, pois desviava o ser humano do seu projeto essencial, alienando-o do seu objetivo principal e impedindo-o de tornar-se si-mesmo. Heidegger, que teve como discípula e amante Hannah Arendt, é abominado em alguns círculos intelectuais por ter sido reitor da Universidade de Freiburg em 1933, ano em que Hitler foi eleito chanceler, mesmo tendo se demitido 10 meses depois por discordar do regime, mas escreveu um livro poderoso intitulado Ser e Tempo. Nele afirma que o homem é jogado no mundo sem ter sido consultado e que, por isso, precisa buscar a transcendência, algo além de si mesmo, mas que as preocupações cotidianas, cada vez maiores e mais aceleradas, criam  uma existência inautêntica e o desviam desse objetivo, sacrificando seu eu individual, tornando-o público e assim o distanciam do objetivo essencial de sua vida que é tornar-se si-mesmo.

Uau! Perdoe-me, leitor. Essa digressão filosófica não estava prevista e saiu sem querer, talvez por conta das tragédias e mortes que devastam o Brasil neste início do ano.  Ou talvez porque o mundo cotidiano e o aniquilamento inevitável de todas as coisas anunciam o Nada, fazendo o homem sentir-se como um ser-para-a-morte, como assim o define Martin Heidegger.

UMA NOVA ELEIÇÃO Mal acabou a eleição de 2018 e os políticos baianos já estão alvoroçados pensando na eleição de 2020, principalmente a eleição para prefeito de Salvador. A disputa vai ser novamente entre o governador Rui Costa e o prefeito ACM Neto. Ambos já sabem o que deseja a população de Salvador: obras e melhorias nas condições de vida. Neto vai forte para a disputa, afinal recuperou Salvador e sua autoestima, tem obras em toda a cidade e no gatilho o BRT e o Centro de Convenções. Rui também está bem avaliado em Salvador por conta do metrô e de outras obras e tem no gatilho o VLT do subúrbio e o tramo 3 do metrô que vai até Águas Claras.

Politicamente, o prefeito está em melhor posição, pois conta com o governo federal e seu partido tem a Presidência da Câmara e do Senado. Rui tem a possibilidade de manter a aliança com o PP e o PSD, partidos fortes, que podem se unir ao governador ou preferir o voo solo. O vice-governador João Leão mira a prefeitura e pode se cacifar se a ponte Salvador-Itaparica vingar. Já o senador Otto Alencar está como canário em baixo de pano preto, mas na hora H vai cantar e seu canto tem peso. Neto tem muitos nomes e colocou dois em destaque no secretariado. Rui ainda não tem nomes a apresentar, mas tem muito nome bom interessado em se unir ao governador. Como não tem nomes postos, as especulações correm soltas e surgiu até um “professor pardal” sugerindo que o próprio Rui deixasse o governo dois anos antes para disputar as eleições, o que parece absurdo. No mais, tanto Rui quanto Neto terão de ir gradualmente preparando os nomes que poderão entrar na disputa, mas, como no Brasil não há tédio, muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte.

SOBRE ECONOMIA Indagam-me por que tenho falado tão pouco sobre economia. A resposta é simples: o governo ainda não começou e até aqui o que se tem são apenas expectativas.  Esta semana, ao que parece, conheceremos a reforma da Previdência e, quem sabe,  na segunda-feira o governo comece a governar.

UMA PÉRGOLA NA BARRA O calçadão da Barra, especialmente a área que vai do Farol ao Cristo, é um dos nossos points e nada tão agradável como caminhar vendo aquela vista maravilhosa. Mas no sol do Verão o calor torna o passeio quase impossível. Então vai uma sugestão à prefeitura: por que não instalar em parte da via uma pérgola como a que se vê na belíssima Promenade des Anglais, em Nice, ou na Foz do Douro na cidade do Porto, em Portugal? Um caramanchão cheio de plantas pode dar um toque especial à Barra.

DUAS AMÉRICAS A primeira escada rolante de Salvador foi na Loja Duas Américas, na Rua Chile, instalada em 1958, e não na Loja Sloper, como afirmei erroneamente na minha última coluna. Agradeço a correção da  leitora atenta que ainda agregou: “Era uma loja de departamentos, que na época era chamada ‘magazine’ e que tinha uma Casa de Chá. Era um local ‘chique’ e bem frequentado”. Outro leitor faz a mesma correção e lembra que a segunda escada rolante foi instalada no edifício Bráulio Pedroso. Fica o registro.