Hilda Hilst: transgressão e reflexão em 'A Obscena Senhora D'

Escritora, que completaria 90 anos no dia 21 de abril, tem um de seus mais importantes livros relançados

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  • Ana Pereira

Publicado em 18 de abril de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fernando Lemos/Acervo Banco Itau

Foi mera coincidência, mas as indagações da personagem Hillé, do livro A Obscena Senhora D, de Hilda Hilst, bem servem para as inquietações de nossos dias. “Será que você não entende que não há resposta?”, diz a um certo momento um já exasperado Ehud para a companheira, sempre as voltas com dúvidas  sobre a existência, o amor, o não sentido da vida e  sobre o tempo. 

A novela foi o título escolhido pela editora Companhia das Letras para marcar a passagem dos 90 da escritora paulista – que nasceu em 21 de abril. Publicada originalmente em 1982, a ficção é um dos trabalhos mais marcantes e cultuados de Hilda, que mergulha na mistura de gêneros (prosa, poesia, drama) e no erotismo. 

Na trama, que alterna passado e presente, Hillé, a senhora D, tem 60 anos. Após a morte do marido, ela percebe que está só. Em seu luto, decide viver no vão da escada de casa, no   mais profundo isolamento. Sobre as muitas dúvidas que permeiam a obra, a escritora Eliane Robert Moraes, que assina o posfácio, diz que o uso abusivo do sinal de interrogação “não só supõe mas efetivamente resume a condição de dúvida — razão suficiente para que ele venha a ser recorrente na produção da autora”.

A atriz Suzan Damasceno, que interpretou Hillé no monólogo A Obscena Senhora D, contou em entrevista para a série Ocupações, do Itaú Cultural, que quando leu  o texto foi tocada pelo universo de extrema solidão, dor, abandono e perda. “Hillé busca incessantemente uma resposta, abandona todas as conexões com um mundo seguro em nome dessa busca – e é acima de tudo o sagrado que ela persegue”, afirmou. 

O depoimento da atriz e de todos os ouvidos para o projeto, que aconteceu em 2015, estão disponíveis no site www.itaucultural.org/ocupações. O material reúne fotos, vídeos, textos, documentos originais digitalizados e entrevistas sobre e com a escritora. E ainda conta com audiolivros das obras Kadosh, Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão, Com Meus Olhos de Cão,  A Obscena Senhora D. e O Caderno Rosa de Lori Lamb. 

Hilda morreu em 2004, tendo passado os últimos 35 anos vivendo na Casa do Sol, em Campinas, onde cuidava de dezenas de cães abandonados, e onde  atualmente funciona um instituto que cuida de sua obra.     Trecho do livro

E o que quer dizer isso de Ehud não estar mais? O que significa estar morto? O traço, a fita mínima na bochecha pálida, o lustro encontrou outro rosto? Estar morto. Se Ehud Foi algum dia, continua sendo, se não Foi, nunca seria, mas antes de ser Ehud não era, e então depois Foi não sendo? As horas. Êxtase. Secura. Ardi diante do lá fora, bebi o ar, as cores, as nuances, parei de respirar diante de uns ocres, umas fibras de folha, uns pardos pequeninos, umas plumas que caíam do telhado, branco-cinza, cinza-pedra, cinza- -metal espelhado, e tendo visto, tendo sido quem fui, sou esta agora? Como foi possível ter sido Hillé, vasta, afundando os dedos na matéria do mundo, e tendo sido, perder essa que era, e ser hoje quem é? 

FICHA

Livro: A Obscena Senhora D 

Autora:  Hilda Hilst

Editora  Companhia das Letras (80 páginas)

Preço: R$ 44,90 (livro físico) e R$ 29,90 (e-book