'Hoje sei o que é depressão': funcionários da Petrobras fazem desabafo

Relatos são de famílias destruídas e gente que precisou de ajuda psicológica

  • Foto do(a) author(a) Gabriel Amorim
  • Gabriel Amorim

Publicado em 18 de outubro de 2019 às 14:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

As histórias ouvidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) se multiplicam pelos corredores do prédio onde funciona a Petrobras, em Salvador. Com medo de se identificar, os funcionários da Torre Pituba, que já começou a ser esvaziada, compartilham relatos depois da garantia de que terão seus nomes mantidos em anonimato. Os casos vão de depressão até pessoas que viram suas famílias desmoronando.

“Pela norma interna da empresa, não podemos dar entrevistas sem passar pela gerência, mas entendemos a importância que é as pessoas ficarem sabendo do que realmente está acontecendo com a Petrobras. Que as pessoas entendam o valor que essa empresa tem para o Brasil. A gente tem medo que seja um processo definitivo, de entrega de riquezas mesmo”, relata uma funcionária com 16 anos de casa.

Ela é uma das que vai ser afetada pela liminar concedida na quinta-feira (17), que proíbe a remoção dos prestadores de toda a Bahia para outros estados do país. Caso seja descumprida, a decisão vai gerar uma multa de R$ 300 mil, somada ainda a R$ 30 mil para cada funcionário prejudicado.

A mulher relata que estava com a transferência marcada e viajaria em breve para o Rio de Janeiro. Diz ainda que foi ela quem precisou ligar para outros estados em busca de uma vaga para continuar trabalhando na Petrobras. “Recebi vários nãos. Estou nesse processo, buscando vaga desde junho, e ele só foi concluído agora em setembro”, conta ela, que havia solicitado se mudar apenas no meio do próximo ano, mas foi contatada pela equipe da capital carioca, que solicitou a antecipação para este ano ainda. “Tem coisas que a gente não pode negar, para não correr o risco. Estamos expostos e tendo que fazer um movimento que não devia partir do empregado. Isso tinha que vir da empresa, que deveria ter uma política de recolocação de pessoal. Mas não, nós é quem estamos nos submetendo, se quisermos manter o posto de trabalho”, completa ela.Além das mudanças pessoais, a profissional terá que lidar com a adaptação dos dois filhos pequenos. E o pior: um deles precisa de acompanhamento médico, que há dois anos vem sendo feito por um mesmo profissional. Agora, ela precisará escolher um outro especualista para acompanhar o caso. “Aqui deixo também uma funcionária que está comigo desde que meus filhos nasceram e todo o apoio de minha família, mãe, sogra. Vou sozinha com as crianças e, depois, meu marido vai tentar se transferir”, lamenta.

Um colega dela, que trabalha na empresa há 11 anos, diz que o clima e a obrigação de transferência o afetou de uma forma que não esperava.“Mexeu com a minha ferida: a família. Como vou me manter em um relacionamento à distância? Eu me vi sofrendo. Um dia travei e não consegui ir trabalhar, chorei por 30 minutos no estacionamento”, relata.O funcionário teve que procurar atendimento psicológico e foi diagnosticado com princípio de depressão. Passou, inclusive, a utilizar remédios, num processo que foi desencadeado desde que a notícia das transferências foi oficializada, em setembro. 

“Nunca tinha tido nada parecido. Eu não sabia o que era uma pessoa sofrer, ter depressão. Na minha cabeça isso não acontecia, não me sentia triste e sofrendo, mas hoje eu sei o que é o sofrimento, depressão. Chego a sentir fisicamente a coisa. Ir pro trabalho está sendo penoso, me faz lembrar de tudo, presenciar colegas saindo”, detalha ele.

A Petrobras alegou "estratégia econômica" como principal motivação da decisão de sair da Bahia. A empresa, inclusive, repetiu a justificativa quando questionada pelo CORREIO sobre a nova liminar.

“A companhia reforça que a desocupação do edifício faz parte de uma estratégia de redução de custos em todos os seus processos e atividades, inclusive em gestão predial. O imóvel possui atualmente taxa de ocupação de 20% e elevados custos de manutenção. Essa iniciativa não é pontual em uma região específica e faz parte de uma gestão responsável dos recursos”, disse por meio de nota.

O funcionário argumenta. “Isso de 20% é mentira, temos provas. Temos acesso à ocupação de todos os prédios da Petrobras pelo sistema e podemos ver que aqui, hoje, a ocupação é de 52%. Haveria outras formas de economizar, prédios próprios ou mais próximos de Salvador”.

O homem disse ainda que, com a entrega da liminar, pela primeira vez ele sentiu um fio de esperança. “Há mais de um mês não sinto nada bom como hoje. Foi a  esperança de que algo pode acontecer. Mesmo sabendo que é uma briga de cachorro grande e que a Petrobras vai recorrer até o fim. Tinha muita gente chorando de emoção, foi um dia de alívio”, comentou sobre a entrega da liminar.

Entenda o caso Assinada pelo juiz Danilo Gaspar, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), a medida liminar determina que, além de não suspender suas atividades, a Petrobras suspenda o lançamento de programas de demissão voluntária até o final do processo e não reduza benefícios concedidos aos funcionários que se transferem. Todas as ações vedadas pela liminar vêm ocorrendo na Bahia desde que a empresa decidiu esvaziar a sua sede em Salvador. 

A Petrobras está obrigada, ainda, a divulgar amplamente na imprensa, dentro das próximas 48h, que mantém atividades na Bahia. Além disso, não pode fazer qualquer tipo de represália aos empregados que testemunharam na ação cautelar ajuizada pelo MPT. O descumprimento de qualquer uma dessas determinações adicionais também gera multas, que variam de R$ 100 mil a R$ 300 mil reais.  

A liminar abrange todos os 21 municípios baianos onde a Petrobras mantém atividades. São 4 mil trabalhadores concursados e 15 mil terceirizados em todo o estado, segundo o MPT. No momento da entrega da liminar, na Torre Pituba, em Salvador, uma multidão de funcionários recebeu a oficial de justiça sob uma chuva de aplausos. Assista:

Representante dos funcionários, o sindicalista Radiovaldo Costa, diretor de comunicação do Sindipetro-BA, comemorou a decisão. “É uma liminar, uma decisão temporária, mas esperamos que ela se mantenha. Esperamos também, principalmente, que obrigue a Petrobras a negociar com o sindicato, algo que não aconteceu em nenhum momento. É uma decisão que fortalece a nossa luta”, explicou

Medida cautelar  A ação ajuizada pelo MPT foi fruto do trabalho de um grupo de procuradores, depois que a tentativa de mediação entre os empregados e a própria empresa foi frustrada. Uma reunião ocorrida na última terça-feira (15) não alcançou um acordo entre as partes.

“A primeira ideia que a gente teve foi de uma mediação entre as partes, para que chegassem a um consenso. Foram instaurados grupos de trabalho para isso, mas os trabalhadores começaram a nos procurar cada vez mais, e a gente começou a ter noção da gravidade do problema e começou a ver que o caso, na verdade, era bem grave”, explica a procuradora Séfora Char, coordenadora do grupo de trabalho e uma das que assina a peça inicial do processo. 

A procuradora explica que, depois de se situar sobre a gravidade do problema, o MPT fez um chamamento para que os funcionários da Petrobras relatassem as situações geradas pelas transferências de funcionários. Segundo o órgão, foram convocados mais de 100 empregados, não só da Torre Pituba, mas de outras unidades do estado.

Desses, 95 preencheram um formulário, que funcionou como um depoimento preliminar. Em seguida, 44 petroleiros foram ouvidos pelos procuradores para dar origem a ação. Diante das histórias ouvidas, o MPT entendeu que estava configurado o chamado assédio organizacional. 

“É quando a empresa se utiliza do assédio para alcançar suas metas e objetivos. É um assédio coletivo, que contamina o ambiente de trabalho e adoece os trabalhadores. Vários deles choraram nos depoimentos, relataram o uso de medicamentos e acompanhamento por psicólogos e psiquiatras, além de casos de afastamento deles e de colegas”, contou a coordenadora. Procuradora Séfora Char, coordenadora do grupo de trabalho e uma das que assina a peça inicial do processo (Foto: Gabriel Amorim/CORREIO) Ainda segundo Séfora, o assédio foi caracterizado pela falta de transparência com que a empresa conduziu as transferências. A aceleração do processo, que seria concluído apenas em dezembro de 2020 e teve seu final antecipado para o próximo dezembro, também é um fator agravante.“Os trabalhadores não sabem os destinos dos seus contratos, eles mesmo têm que ligar para outros setores para procurar vagas. O processo não foi nada transparente, o procedimento não era claro, não se sabia se todos iam ser absolvidos pelas transferências”, relatou a procuradora em entrevista coletiva à imprensa.  Celeridade Ajuizada na última terça, a ação cautelar foi fruto de menos de um mês de trabalho. A rapidez, segundo o órgão do trabalho, precisou acontecer porque a Petrobras passou a correr com o processo de esvaziamento na Bahia. Além da redução do prazo para a finalização da desocupação da Torre Pituba, outros aspectos chamaram atenção. "A empresa acelerou as transferências depois que venceu a vigência do acordo coletivo, e é uma categoria com conquistas históricas em seus acordos”, conta a procuradora. 

Além dos depoimentos colhidos no MPT, a ação foi fundamentada com outros documentos fornecidos pelos próprios funcionários e que demonstravam a falta de transparência na comunicação entre empresa e funcionários. Foram adicionados também e-mails e cartas escritas para a direção da empresa, pedindo esclarecimentos, além de capturas do sistema interno de mensagens que diziam que ‘as transferências eram apenas um estudo’, dentre outros.   

A ação, no entanto, não ataca a decisão da Petrobras de modificar sua atuação na Bahia, mas sim a forma como foram conduzidas as comunicações e as próprias transferências dos funcionários. “As pessoas não optaram pela transferência espontaneamente, foram levadas por uma situação de pressão e assédio. No entanto, não podemos dizer ainda que as transferências, se não fossem o assédio, seriam legais. Precisamos investigar mais para saber se vamos avançar por ai”, detalhou Séfora.

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Riberio