Homicídios disparam nas Cajazeiras após domínio de facção criminosa

De janeiro a março deste ano, região de Salvador teve 46 mortes violentas

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  • Bruno Wendel

Publicado em 7 de abril de 2017 às 09:20

- Atualizado há um ano

Não há dúvida. A expansão de uma das maiores organizações criminosas da Bahia - o Bonde do Maluco - é responsável pelo crescimento de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), este ano, na Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) 13, formada por 14 bairros, a maioria da macrorregião de Cajazeiras. Só entre janeiro e março foram 46 assassinatos, contra 21 ocorridos no mesmo período do ano passado. É quase uma morte a cada dois dias, um aumento de 119% de um ano para outro.

De acordo com levantamento da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), só nos dois primeiros meses de 2017 foram 31 homicídios dolosos e um latrocínio na Aisp 13 - formada por Cajazeira II, IV, V, VI, VII, X e XI, Fazenda Grande I, II, III e IV, Águas Claras, Jaguaripe I e Boca da Mata. Em março, outros 14 CVLIs entram para a conta, mas não há, ainda, um detalhamento do tipo de crime cometido. O mês de março de 2016 registrou nove mortes na área.

Entre os casos emblemáticos está a morte do músico e compositor Felipe Yves Magalhães Gomes, 21 anos, baleado e degolado no dia 6 de março, na localidade de Independência, que divide Boca da Mata e Cajazeiras XI. Em contrapartida, quatro líderes da facção foram retirados de circulação.

Chegada de facçãoPara o delegado Guilherme Machado, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), coordenador da 2ª Delegacia de Homicídio (DH/Central), e o coronel Eduardo Luís Costa Ferreira, comandante da Região Integrada de Segurança Pública (Risp) Central, composta por 52 bairros - alguns da Aisp 13 - o aumento dos assassinatos está relacionado com a expansão do BDM na região.

"Certamente, o crescimento de CVLIs na Aisp 13 está associado à expansão do BDM. Dado o confronto, houve recrudescimento dessa guerra de uns tempos para cá. Uma determinada ampliação do grupo criminoso acabou gerando uma consequência lógica de enfrentamento entre os integrantes rivais. Observamos que é um momento sensível da região", declara o delegado Guilherme Machado. "Mas, a polícia concentra os esforços para combater o BDM e baixar os índices", complementa o coronel Eduardo Luís Costa Ferreira.

Com base nas investigações do DHPP, o delegado traçou um perfil dos traficantes que fazem parte do BDM na região. “Cada líder tem uma média de 50 jóqueis (na linguagem policial, é aquele que vende droga), a maioria menor de idade, que atua dia a dia no varejo. A gente vê até líder de grupo criminoso com 20 anos de idade. Eles querem ascendência rapidamente, matam desenfreadamente”, explica.

Ainda de acordo com Machado, a maioria dos homicídios está relacionada ao tráfico de drogas. “O que pudemos apurar até agora é que 80% das vítimas dos homicídios têm alguma relação com o tráfico. O restante dos casos é referente a crimes passionais e outras mortes”, complementa.Arte: CORREIO GráficosOutros motivos A expansão da facção BDM é o principal motivo do crescimento do número de CVLIs na Aisp 13, mas outros fatores também contribuem para o problema. A região é urbana com características rurais.

“Uma mata extensa num perímetro de segurança monstruoso para ser patrulhada, com um comércio forte, vários equipamentos públicos e privados. Além disso, uma iluminação precária. O sistema de calçamento não é um dos melhores e isso dificulta. Um acesso privilegiado para a BR-324, com várias rotas de fuga. Quem rouba carro em Itapuã, por exemplo, chega rápido em Cajazeiras”, explica Guilherme Machado.

Outro fator é a migração de bandidos de outras regiões. “Existia um descontrole no Subúrbio e foram feitas várias operações lá. Houve uma migração para a área mais fácil pela proximidade: Cajazeiras. Alguns bandidos que já foram presos ou mortos em confronto com a polícia eram de outros bairros, como Nordeste de Amaralina, Suburbana e Polêmica”, acrescenta o coronel Eduardo Luís Costa Ferreira.

“Temos informações do nosso Serviço de Inteligência de que grupos criminosos de outras Risps cedem soldados para fazer ataque em nossas áreas. São os bondes, como é o caso da Polêmica, que envia soldados para invadir Águas Claras”, pontua o delegado Guilherme Machado.

Segundo ele, Águas Claras é considerado o mais violento dos bairros da Aisp 13. “Hoje, os quatro grupos criminosos brigam pelo controle na região”, diz.  Além do BDM, o delegado cita o Comando da Paz (CP), Caveira e Katiara.

Segundo Guilherme Machado, o tráfico de drogas na região da Aisp 13 está todo mapeado. “Todas as lideranças estão identificadas e sofrerão repressão da polícia judiciária”, declara, evitando dar detalhes sobre as lideranças.Paredes do bairro estão pichadas com iniciais de quadrilha (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Ofensiva O BDM chegou à área há pouco mais de um ano, em fevereiro do ano passado. Em março de 2016, uma reportagem do CORREIO mostrou que a facção tinha chegado à localidade um mês antes. Postes, muros e garagens foram pichados com as iniciais da facção. Algumas inscrições vinham acompanhadas de “Tudo 3” - um código que surgiu no sistema prisional em referência a Caveira, fundadora do BDM.

Como o BDM é bem armado, com fuzis, metralhadoras, submetralhadoras, a concorrência não tem alternativa a não ser se juntar.

Foi o que aconteceu com o traficante Zeca, líder do BDM em Jaguaripe. Há anos, ele reinava sozinho num grupo independente. Certa vez, recebeu uma mensagem informando que um bonde bem armado invadiria seu espaço. Ele não pensou duas vezes e hoje o BDZ, Bonde do Zeca, é uma ramificação do BDM.

A situação foi um pouco diferente em Cajazeiras III. O traficante Gago, da Gamboa de Baixo, chegou a relutar e perdeu parte de seu exército quando insistiu em continuar na total liderança. Foi quase um mês de resistência até ele enxergar que não havia saída. Hoje, Cajazeiras III é BDG - Bonde do Gago, uma filial.

Em Cajazeiras XI, na localidade de Sítio Isabel, o comando é de Piti, que também passou a integrar o BDM. Outras duas localidades sob a regência da facção no bairro são o Loteamento Santo Antônio e o Ponto XI. Já em Cajazeiras IX, Igor controla as bocas sob os olhos atentos do BDM.

Na Fazenda Grande III, o BDM é representado por remanescentes do bando de Chiquinho, morto pela polícia em 2016.  Em Fazenda Grande IV a liderança está em mãos de Negona. Depois que o companheiro foi morto pela polícia, ela tomou a frente do negócio, filiou-se à facção e se fortaleceu com armas e drogas.