'Idoso não: velho mesmo', milita o ator e diretor Harildo Deda

Artista está no elenco da peça Em Família, que estreia nesta quinta-feira (20) e aborda a velhice com humor e política

  • Foto do(a) author(a) Laura Fernades
  • Laura Fernades

Publicado em 19 de setembro de 2018 às 14:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Diney Araújo/Divulgação

Idoso, melhor idade, terceira idade... “Não é nem um, nem outro. É velho mesmo!”, diz o ator e diretor baiano Harildo Deda, 79 anos, em tom militante e bem-humorado. “A gente precisa acabar com esses eufemismos, de passar a mão na cabeça do ‘pobre coitado do velhinho’, porr...”, completa gargalhando. A provocação se refere ao tema da peça Em Família, que estreia nesta quinta-feira (20), às 20h, no Teatro Martim Gonçalves, no Canela.

O cuidado (ou a falta dele) com as pessoas mais velhas é abordado no espetáculo que, no mesmo clima da fala de Harildo, mistura humor e política para contar a história do casal de idosos Dona Lu (Neyde Moura) e Seu Sousa (Harildo). Ambos são despejados da casa onde moram por falta de condições financeiras e, a partir disso, a peça problematiza questões do sistema previdenciário da sociedade que marginaliza os mais velhos.

“São questões que continuam muito atuais e a gente pode discutir agora. Essa é a grandeza de Vianinha”, destaca Harildo, citando o autor do texto de 1972, o dramaturgo paulista Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), também conhecido pela autoria de A Grande Família, que ganhou série na TV Globo. “Vianinha é muito político e um grande humanista”, reforça o ator Marcelo Flores, 42, que assina a direção da peça interpretada pela companhia de teatro Os Argonautas.

“Ele foi ativista político de esquerda e a maioria dos textos foram censurados. Foi um cara contra o regime militar, então seus textos têm um caráter politico muito forte e uma modernidade muito grande para a época. Estou apaixonado por esse autor que é pouco conhecido na Bahia e morreu jovem, com 38 anos”, completa Flores. A companhia de teatro Os Argonautas estreia a peça Em Família, no Teatro Martim Gonçalves (Fotos Diney Araújo/Divulgação) Leve melancolia Afetivo e carregado de amor além do humor, Em Família aborda as relações familiares e as dificuldades vividas pelas pessoas mais velhas que, diante dos obstáculos sociais, não conseguem mais ser provedoras: nem de si, nem dos outros. Muitas passam, então, a enfrentar uma crise que as distancia dos afetos e do almejado conforto para encarar o “final da vida”.

Pelo próprio tema, a melancolia aparece, mas com leveza. “Tem muito amor e humor. É uma situação triste em uma peça carregada de alegria. Tem protesto e leveza”, resume o diretor da peça, nona realizada pela companhia. “Sousa usa essas coisas dentro da emoção dele. Não deixa de colocar o amor e, principalmente, o humor. É um humor carrasquento, mas tá lá”, completa Harildo, que conta com 75 peças no currículo, sendo 30 delas também como diretor.

O papel do idoso na sociedade de 1972 é, então relido no contexto de 2018, marcado pela polêmica reforma da Previdência. Mas tudo não passa de uma (“infeliz”) coincidência. Afinal, o processo de construção do espetáculo começou há dois anos durante o Clube da Cena: grupo de estudos d’Os Argonautas dedicado a textos de autores brasileiros.

Da reuniões despretenciosas, surgiram as leituras dramáticas em alguns teatros e a vontade de levar a trama, de fato, para o palco. Na falta de patrocínio, a ação independente ganhou força com a colaboração de amigos e do próprio contexto brasileiro. “Voltar à obra desse cara, nesse momento, é uma coisa muito sintomática, mas a gente não pensou nisso. Foi orgânico e infelizmente o momento brasileiro foi piorando e se aproximando muito da ditadura militar”, reflete Flores, sobre o período abordado no texto.

Declaradamente um “vampiro da juventude” que não nega a velhice, mas bebe na fonte daquilo que o mantém vivo, Harildo comemora a oportunidade de continuar falando, através do teatro, sobre temas que o dizem respeito. “Agora é o meu tempo de falar da velhice”, comemora. E Marcelo Flores concorda, ressaltando que é um tema “tocante e que atinge a todos nós”.“Temos que pensar o que vamos fazer dos nossos pais e em como a sociedade brasileira ainda não sabe o que fazer com a velhice”, reflete Marcelo Flores.Serviço O quê: Espetáculo Em Família, com a Companhia de Teatro Os Argonautas Direção: Marcelo Flores Quando: De quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Até 30 de setembro Onde: Teatro Martim Gonçalves - Escola de Teatro da Ufba (Av. Araújo Pinho, 292, Canela | 3283-7862) Ingresso: R$ 30 | R$ 15