Idosos desistem de processos porque denúncia envolve parentes, diz juiz

Única vara especializada no país funciona em Feira de Santana

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 3 de novembro de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: EBC

Os crimes cometidos contra idosos a partir de 60 anos fazem parte da realidade brasileira, mas, muitas vezes, não ganham ênfase nas estatísticas da violência. Na Bahia, por exemplo, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram registrados 836 casos, entre 2015 e 2017, previstos nos artigos 95 a 108 do Estatuto do Idoso - que tratam dos crimes e contravenções.

Segundo o CNJ, no cenário nacional, no mesmo período, foram iniciados em tribunais de diferentes instâncias em todo o país pelo menos 29,1 mil processos com o assunto “crimes previstos no Estatuto do Idoso”. De 2015 para 2016, houve aumento de quase 80% no volume de processos, e para 2017, o aumento foi de 25%.

Ainda sobre este mesmo cenário, dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) apontam que 466 processos foram levados às fases finais no estado no mesmo período. A variação do número de ações abertas entre os anos é positiva em 76%, enquanto se percebe que o número de ocorrências registradas é quase o dobro dos processos em tramitação nas varas estaduais.

Isso leva a duas situações, de acordo com o juiz Vicente Reis Santana, da Vara do Idoso de Feira de Santana, no Centro-norte baiano, a única especializada no tema em todo o Brasil. A primeira delas, segundo ele, é que tem havido aumento na busca por justiça nos casos que envolvem violência contra idosos. No entanto, o contingente ainda representa quase metade dos registros.

O juiz explica que isso acontece em razão de os principais agressores fazerem parte da família dos idosos.“É muito comum observar que as vítimas são agredidas por filhos ou netos. O que acontece é que eles levam o caso à delegacia, mas na hora de depor perante o juiz, o depoimento muda, porque eles não querem culpar um membro da família”, declara Santana.É muito difícil a conclusão de um processo de agressão que envolva idosos terminar com a condenação do réu.

“As vítimas sempre encontram uma forma de livrar o agressor, por medo de represália, da solidão, ou por outro motivo. Em outro processo qualquer, por exemplo, de roubo, a vítima sente raiva do acusado e quer que ele pague pelo que fez. Não há emocional envolvido. Com os idosos e os agressores é diferente”.

Crimes De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, em 2017, o Disque 100 recebeu 33.133 denúncias e 68.870 violações contra direitos de idosos. Nas denúncias de violações, 76,84% envolvem negligência, 56,47%, violência psicológica, e 42,82%, abuso financeiro e econômico. A maior parte dos casos, 76,3%, ocorre na casa da própria vítima.

O juiz Vicente Reis Santana reforça os dados da pasta ao dizer que os principais crimes e violações a direitos de idosos acontece por causa de negligência, o que envolve maus-tratos e até tortura, e apropriação de patrimônio, principalmente do cartão da Previdência.

"O cartão da Previdência é algo simples de ter acesso. Muitas vezes, o idoso não tem escolha e é obrigado a entregar ao membro da família. E, então, é só a pessoa ir ao banco e fazer o saque, porque as câmeras de segurança das agências não são eficazes nem fazer esse tipo de controle”.

Todo esse processo de agressão contra idosos na Bahia e, de certa forma, em todo o Brasil, é, para o magistrado, “um processo cultural”. Ele explica que, diferente de outros lugares do mundo, “aqui não há respeito pelo idoso, que é tido, muitas vezes, como um peso na vida de filhos e netos. Eles não enxergam a pessoa mais velha como fonte de experiência, informação, aprendizado. É cultural do brasileiro o desrespeito ao idoso”, completa.

*Com supervisão da editora Mariana Rios