Ingressos para casa de Deus: igrejas cobram taxa de visitação para se manter

Principais templos católicos do Pelourinho aderiram; valor é de até até R$ 5

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  • Priscila Natividade

Publicado em 4 de novembro de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

A fé não move só montanhas, mas também tem poder de garantir os recursos necessários para manter o patrimônio religioso. Como dinheiro não cai do céu e o dízimo ficou pouco para as igrejas, a saída de pelo menos cinco dos principais templos do Centro Histórico de Salvador foi cobrar taxas de visitação para baianos e turistas, a fim de gerar renda capaz de mantê-los. O pagamento, no entanto, só acontece nos horários fora das atividades litúrgicas. Durante a celebração das missas, as portas estão abertas e a entrada é de graça.

Os centros religiosos começaram a exigir valores de entrada em épocas diferentes, mas, em comum, todas taxaram os fiéis logo após promoverem reformas. É o caso da Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, que ficou 20 anos fechada e, reaberta no último sábado de outubro, dia 27, tem R$ 5 de custo pelo acesso. Após obra avaliada em mais de R$ 11,3 milhões, o espaço ganhou elevador interno, rampa eletrônica e banheiro adaptado para pessoas com deficiência.“Essa renda é destinada à própria manutenção do templo. Já operamos com o mínimo possível e, depois de todo esse tempo fechado, o esforço agora é o de resgatar a igreja”, afirma o padre Valson Sandes, responsável pela Igreja do Passo, eternizada pela gravação em 1962, do filme O Pagador de Promessas, baseado na peça do escritor baiano Dias Gomes. O preço praticado na recém-aberta igreja é semelhante ao que é encontrado em outros centros religiosos do Pelourinho. Na Catedral Basílica de Salvador, na Igreja e Convento de São Francisco, e também na Ordem Terceira de São Domingos Gusmão, a visita custa R$ 5. A que cobra menos é a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos: R$ 3.

“Passamos o mês todo fechados, sem ninguém trabalhando na restauração, e recebemos uma conta de água de R$ 1,7 mil. É realmente necessário”, fala, defendendo o valor cobrado, Sandes.  'Operamos com o mínimo possível', defende o padre Valson Sandes, da Igreja do Passo (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Na Catedral Basílica, a cobrança começou este ano e representa 90% do sustento financeiro do santuário. Segundo o pároco Lázaro Muniz, a novidade foi implementada em setembro e, em um mês, cerca de 4 mil pessoas visitaram local.  

“O dinheiro vai para pagar a manutenção da própria igreja, suporte e conservação. No nosso caso, acabamos contando basicamente com esse recurso. O essencial vem das taxas. O dízimo responde só por 10%”. 

Outro ponto que estimulou o pagamento obrigatório nas igrejas do Pelourinho, segundo o frei e gestor da Igreja e Convento de São Francisco, Marcos Osmar, é a localização.“Aqui não é paróquia, mas tem celebrações. É outro público. Quem vê de fora não entende que não é só abrir as portas da igreja. É preciso toda uma estrutura de atendimento, segurança e administração para receber as pessoas que, na maioria, vêm de fora por conta do apelo turístico”, defende. Ele acrescenta que as igrejas não deixaram de ser espaços religiosos, mas precisam se adaptar ao formato dos museus, por exemplo. “A igreja se modifica com essa finalidade quando se abre para o público presenciar toda esta estrutura cultural e histórica que ela carrega. Precisamos preservar”, continua.

O valor acumulado varia conforme o número de visitantes e fiéis, enquanto o uso da quantia depende das necessidades de cada um dos locais. No caso da Igreja do Passo, por exemplo, não há funcionários, apenas voluntários. No entanto, com a implementação da taxa, o dinheiro passará a auxiliar no pagamento dos colaboradores.

É o que já acontece em santuários como o de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que começou a cobrar pela entrada em 2012. Com média de mil visitantes mensais, o salário dos três empregados é pago com essa receita. Os 17 funcionários da Igreja e Convento São Francisco, cujo fluxo de visitação não foi divulgado, também dependem da arrecadação. Os demais centros religiosos não informaram como compõem seus quadros de trabalhadores, mas afirmam que o montante ajuda na manutenção das estruturas e do pagamento de outras contas, quando possível.

O preço da oração A arquidiocese não tem dados do total arrecadado por mês por estas igrejas, já que cada uma faz a gerência das suas receitas. Para o coordenador Arquidiocesano da Pastoral do Turismo, padre Manuel Filho, a prática não compromete a atividade litúrgica. Pelo contrário, funciona como um apoio importante para manter a sua função de evangelizar.

“Na verdade, a sua atividade religiosa é apoiada por sua atividade turística. O principal, óbvio, é a atividade final, que é evangelizar. Mas, a igreja como lugar de visitação é um suporte para que a atividade final possa ser realizada”. Para a secretária Vera Lúcia, que costuma frequentar sempre os templos, a taxa só deveria ser cobrada para turistas (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Alguns fiéis ficam surpresos com a novidade. A secretária Vera Lúcia Gomes, 52 anos, que frequenta a Igreja de São Francisco, a Catedral e a do Rosário dos Pretos, é contra cobrar valores fixos de quem mora em Salvador e acredita que apenas turistas deveriam ser submetidos ao pagamento.“O horário das missas, muitas vezes, não combina com o meu por conta do trabalho. Outro dia, passei para ver como ficou a reforma da Catedral e fui surpreendida. No momento estava sem dinheiro e acabei deixando a visita para depois. Eu acho que quem é daqui (Salvador) deveria ajudar de forma espontânea, algo do tipo ‘contribua com quanto puder’ e não pagar a taxa”, diz Vera. Sejam as pessoas contra ou a favor, a Rosário dos Pretos não sofreu com queda de visitas. De acordo com a administração do local, o fluxo de pessoas segue intenso. "Os visitantes e fiéis gostam de ver que tudo está preservado. E só conseguimos deixar assim por conta do que é arrecadado".

Voluntária na Igreja do Passo, a aposentada Lucelha Almeida reconhece a importância da taxa para a manutenção, mas não concorda. “Não é que eu concorde em pagar, só que é necessário. Não é o ideal nem o que a igreja prega, só que precisamos dela para manter o templo, o patrimônio e pagar aos funcionários”, afirma.  Turista do Rio Grande do Sul, Candida Fabrini não se incomodou em pagar a taxa na Catedral Basílica: 'fiquei impressionada com a conservação' (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Se alguns baianos ainda são resistentes ao pagamento, os turistas se mostram compreensivos. Gaúcha, a aposentada Candida Fabrini, 77, ficou encantada com a Catedral Basílica. "Vim aqui há 40 anos e estou impressionada com a conservação. Já visitei igrejas de outros lugares do país, como as de Minas Gerais, que cobram taxas muito mais caras, e não estão tão bem conservadas quanto esta daqui. Fiquei realmente maravilhada”. 

Jocemar Casemiro, que atua como guia de turismo há 40 anos no Centro Histórico, é mais um que engrossa o discurso. “Sou de acordo até para a gente ter o que mostrar para o turista. Há muitos anos não se cobrava nada, mas, em compensação, tínhamos monumentos sem conservação. Claro que tem turista que reclama, achando que a igreja é rica, só que conversamos e explicamos que é uma ajuda para a manutenção”, pontua. 

Outro time que é a favor da cobrança é o dos historiadores. “Na verdade, a igreja é um templo religioso que tem que estar gratuitamente aberto para a oração, mas as do Pelourinho guardam história e são como museus para turistas interessados em conhecer este acervo. Então, aí é justo. A manutenção destes edifícios é muito cara de se fazer e as ordens religiosas eram ricas só no passado. Hoje, passam por dificuldades para se manter, vivem do que arrecadam. Fora que não é nenhum preço exorbitante”, justifica o arquiteto e historiador Chico Sena. 

Preservação Afinal, de quem é a responsabilidade de manter estes monumentos? Ao todo, Salvador tem atualmente 677 igrejas. Em nota ao CORREIO, a superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na Bahia (Iphan) esclarece que a conservação e a manutenção são realizadas pela Arquidiocese e que o órgão atua em casos onde há necessidade de restauração, como aconteceu recentemente com a Igreja do Passo e a Catedral Basílica de Salvador. 

Os cinco edifícios religiosos são tombados pelo Iphan, por conta do seu valor artístico. “É importante que haja manutenção como um todo nas partes estruturais, bem como nas decorativas, incluindo também os bens móveis integrados à essas edificações”, destaca o órgão. Para conhecer a riqueza cultural e contemplar a beleza em detalhes destes locais em horários fora das atividades litúrgicas o visitante vai desembolsar, ao todo, R$ 23.

Já o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), até o fechamento da reportagem, não se posicionou. 

Independentemente de onde venha o dinheiro, Chico Sena alerta: não adianta restaurar, sem preservar. “O mais importante é a conservação. É necessário também conhecer o que é nosso. As pessoas precisam visitar estes monumentos que muita gente vem para cá conhecer. Essa contribuição acaba sendo um movimento cívico que ajuda na preservação de toda esta beleza artística e histórica”, conclui Sena. 

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Taxas são normais no Brasil e na Europa A prática de cobrar taxas de visitação não é exclusiva dos templos do Centro Histórico, conforme esclarece padre Manuel Filho. “Não fomos nós que criamos isso. Em vários lugares do mundo e até do país, é assim que funciona. Na igreja em si, no acesso à sacristia ou a um museu, sempre existe alguma cobrança para manutenção”, afirma. 

Em comparação com as principais igrejas das cidades de Minas Gerais, por exemplo, as taxas de Salvador são mais baixas. Em pesquisa feita no portal de Turismo do município de Ouro Preto, o ingresso das principais instituições religiosas do circuito histórico, como a de São Francisco de Assis, custa o dobro das mais caras da capital baiana: R$ 10.

Na Europa não é diferente. Em Portugal, por exemplo, a Capela dos Ossos, uma das mais tradicionais do país, cobra ingressos de 4 euros para adultos (o equivalente a R$ 16,77). A Igreja de São Francisco, na cidade do Porto, pratica o mesmo valor. Na de São Roque, em Lisboa, o ingresso custa 2,50 euros (R$ 10,48). 

Ainda de acordo com padre Manuel Filho, não há o risco de outros espaços religiosos de Salvador, que não estejam localizadas no Centro Histórico, iniciarem uma cobrança de ingressos. Isso vale, inclusive, para um dos mais famosos: a Basílica Santuário Senhor do Bonfim.

“Embora seja uma igreja histórica, tem outro nível de fluxo e demanda. As pessoas que vão ao Bonfim não vão para visitar um monumento histórico religioso, elas vão motivadas pela fé, pelo santuário”, garante. 

O que há de interessante em cada uma das cinco igrejas? Localizada no Terreiro de Jesus, a Catedral Basílica foi reaberta para visitação no mês passado Foto: Marina Silva/ CORREIO) Catedral Basílica de Salvador Símbolo da arte sacra, a atual Catedral tem em seu acervo telas de diversos autores seiscentistas, móveis em jacarandá e diversos objetos em ouro e prata. Com investimento estimado mais de R$ 17,8 milhões na sua restauração, as portas da basílica foram reabertas no mês passado. 

Entre os destaques da intervenção estão a restauração das 13 capelas, incluindo toda as imagens sacras, a restauração do átrio, de toda a fachada principal em cantaria e das torres de azulejos. Monumento do século XVII, foi o quarto templo construído pelos jesuítas na capital baiana, entre 1652 e 1672, e é o último remanescente do conjunto arquitetônico do Colégio de Jesus. A Catedral Basílica de Salvador é considerada uma das igrejas mais importantes da Bahia. 

Missas: Domingos às 10h e, também às 17h e sextas 12h (exceto feriados).Visitação: De segunda a sábado das 9h às 17h.Taxa: R$ 5 (Estudantes, idosos e crianças pagam R$ 2,50) Igreja de São Francisco chama atenção pela inspiração barroca e presença de ouro em pó em grande parte da sua estrutura e acervo (Foto: Marina Silva/ CORREIO)  Igreja e Convento de São Francisco  O convento franciscano foi fundado na Bahia em 1587, destruído na invasão holandesa e reconstruído mais de cem anos depois pelo Frei Vicente de Chagas. O conjunto é ainda formado pela Ordem Terceira de São Francisco e pelo cruzeiro que fica logo em frente ao templo religioso. Conhecida como a igreja de ouro por conta das talhas de madeira com os símbolos do barroco moldadas com ouro em pó, a igreja é como um todo, uma das maiores expressões do estilo. Também vale a pena ficar atento aos painéis de azulejos portugueses, apesar de deteriorados é ainda classificado como uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo.

Missas: Terça-feira às 7h, 8h e 18h; quarta a sexta-feira às 7h na capela; no sábado às 7h30 e no domingo às 8h. Visitação: segunda, quarta, quinta, sexta-feira e sábado das 9h às 17h30. Na terça-feira, das 9h às 17h. No domingo, das 10h às 15h.Taxa: R$ 5 Construída pelos escravos, igreja levou mais de 100 anos para ficar pronta (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Nossa Senhora do Rosário dos Pretos A igreja fundada por uma das primeiras irmandades dos homens pretos do Brasil levou quase um século para ser construída por escravos no local onde está hoje. Sua estrutura e interior têm influência rococó e altares neoclássicos. Possui nave central, corredores laterais, sacristia transversal, coro e no fundo, um pátio. Os corredores laterais, tribunas, fachada atual e torre, só foram executados entre 1780-1781. 

Faltava dinheiro e tempo. Toda a estrutura foi consolidada quando negros e alforriados católicos e devotos de Nossa Senhora do Rosário tinha alguma das poucas horas vagas.  Nos fundos da igreja existe um antigo cemitério de escravos. A tradição da liturgia de músicas inspiradas em terreiros de Candomblé é mantida até hoje durante as missas. 

Missas: Segunda e domingo às 9h. Terça, última quarta do mês, primeira quinta do mês e sexta, sempre às 18h.Visitação: De segunda-feira a sábado, das 8 às 12h e das 13 às 17h.Taxa: R$ 3 Depois de ficar 20 anos fechada, templo foi reaberto ontem (27) para visitação (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo  A Freguesia do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo foi criada em 1718. A igreja de estilo neoclássico se destaca pela pintura do teto, de autoria imprecisa, em perspectiva ilusionista barroca, de origem italiana. O monumento religioso é realçado pela escadaria, que serviu de cenário para o filme O Pagador de Promessa (1962), inspirado na obra de Dias Gomes.

A capela mor tem azulejos portugueses de 1750. Após 20 anos fechada, a igreja foi reinaugurada no dia 27 de outubro. Ainda durante o processo de restauração que levou mais de três anos foi encontrada uma imagem de Santa Bárbara que também foi reconstruída e agora ganha lugar de destaque no templo.

Missas: Terça, quinta e sábado às 17h; na primeira e última sexta-feira do mês às 9h. Visitação: Diariamente das 9h às 17h.Taxa: R$ 5 (preço único) Igreja abriga teto de ilusionista do mestre Joaquim da Rocha que representa São Domingos e São Francisco (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Ordem Terceira de São Domingos Gusmão  A Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Domingos Gusmão teve sua construção iniciada em 1731. A fachada tem estilo rococó e no interior possui talha neoclássica na construção que compreende também dois corpos laterais que abrigam as instalações da Ordem Terceira. Dentro do templo, o destaque fica para pintura do teto de inspiração ilusionista barroca. A obra do mestre José Joaquim da Rocha representa São Domingos e São Francisco recebendo Jesus Cristo e toda a lição católica. 

Missas: Domingo às 8h e quarta-feira às 18h.Visitação: De segunda a sexta-feira das 8h30 às 12h30 e 13h30 às 17h30.Taxa: R$ 5

*Colaborou Fernanda Lima, com supervisão da editora Mariana Rios