Inspirado pela dor da perda, o cantor pernambucano Otto brilha em álbum

Ele se separou, perdeu a mãe, ficou insatisfeito com a gravadora e transformou tudo em arte

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  • Da Redação

Publicado em 26 de janeiro de 2010 às 09:33

- Atualizado há um ano

A separação da atriz Alessandra Negrini... A descoberta da doença da mãe, que culminou com o seu falecimento, há dois meses...A insatisfação com a imprensa e com a sua gravadora... Em meio a esse contexto conturbado da vida, o pernambucano Otto, 40 anos, bem poderia ter ido ao fundo do poço. E foi isso o que aconteceu, mas ele conseguiu forças para transformar a dor em arte e a amargura em poesia, com o visceral álbum Certa manhã acordei de sonhos intranquilos.Não por coincidência, o nome se refere a um trecho do mais conhecido livro do checo Franz Kafka (1883-1924), A metamorfose. “Eu tinha que me expor. Tenho um público que gosta da minha honestidade. Parecia que estava vivendo um pesadelo e transformei aquilo em música”, afirma Otto, por telefone.

Produzido por Pupilo - baterista do Nação Zumbi e amigo de longa data de Otto, quando este ainda era percussionista da banda de Chico Science - e com participações do onipresente guitarrista Catatau (Cidadão Instigado), da cantora Céu e de Lirinha(Cordel do Fogo Encantado), Certa manhã... foi gravado no estúdio Totem (SP) e lançado primeiro nos EUA, pelo selo Nublu e agora aqui pela Arterial Music.

Com novo CD, Otto ganhou elogios até do New York Times

A atitude de mostrar seu sexto álbum antes lá fora foi reflexo da insatisfação com a Trama, até então sua gravadora e que, segundo ele,não oferecia mais condições de trabalho. Outro fator determinante foi a chateação com a imprensa brasileira. “Já briguei com tudo que é crítico no Brasil”, conta, rindo.

Os olhos dos jornalistas e do público brasileiros, no entanto, se voltaram novamente para Otto após o jornal americano The NewYork Times publicar, em agosto do ano passado, uma crítica elogiosa assinada por Larry Rohter (aquele que acusou o presidente Lula de beberrão).

Melancólico e doloroso, mas conservando um frescor típico dos trabalhos do pernambucano, o CD começa com a frase “Dificilmente se arranca a lembrança”, em Crua, dando pistas de que o álbum é mesmo um instrumento para uma catarse. “O disco é uma descarga de sentimentos, um desabafo. Eu sempre faço as coisas assim”, justifica sobre este que já é considerado por muitos críticos o seu melhor disco (aliás, entrou na lista dos melhores de 2009 da revista Rolling Stone Brasil, em 14º lugar). CASAMENTOCasado durante seis anos com a atriz Alessandra Negrini, 39,com quem teve uma filha, Betina, 5 anos, Otto se viu sem chão em setembro de 2008, quando aconteceu a separação. “Fiquei sem rumo, literalmente. Durante três meses morei em um hotel, no Rio”. O relacionamento foi acompanhado pela imprensa em todos as fases, muito por conta da fama da atriz da Globo -um contraponto ao comportamento alternativo do cantor.

“Chegou um momento que eu parei e falei: eu tô em revista de fofoca. Isso não sou eu”, diz, de forma natural, sem vergonha de se expor. E se foi com música que o relacionamento terminou, assim também ele começou. No início do namoro, o compositor gravou o ótimo Sem gravidade, de 2003, dedicado a Alessandra, no qual ela até deu uma de cantora. O amor virou casamento e Otto virou pai. “Ser pai muda a gente”, conta, e emenda: “Betina não só se parece comigo fisicamente, masnosso pensamento também é igual.O pior é isso”, fala, às gargalhadas. Aparentemente curado da dor de amor, o músico está com a atriz Bianca Joy, com quem divide o mesmo teto, no Rio: “Não consigo ser só”.

CAETANICEA ligação de Otto com a Bahia é forte.“O que essa terra me dá, me deu e vai me dar é uma coisa muito valiosa”, afirma ele, que diz ter uma “certa caetanice”. “Me identifico muito com Caetano Veloso. Ele sempre está inquieto, como eu”. Terça-feira, Dia de Iemanjá, o músico estará em Salvador, cidade onde cultiva um grande número de fãs, para fazer o clipe da música Janaína. Ele, inclusive, espera convite para show na capital.“É só me chamar”. Recado dado. (Notícia publicada na edição impressa de 26/01/2010 do CORREIO)Veja também