Irmãs de Valdir Cabeleireiro reabrem salão na Vasco da Gama

O profissional foi assassinado dentro do seu salão em 2016

  • Foto do(a) author(a) Carmen Vasconcelos
  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 12 de janeiro de 2019 às 20:48

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

“Elas poderiam ter desistido, poderiam ter montado seus estabelecimentos em outros lugares, mas preferiram ficar nessa comunidade e manter o trabalho que o irmão iniciou”. Com essas palavras, uma das clientes mais antigas de Valdir Macário ou simplesmente Valdir Cabelereiro, a bibliotecária Graça Nunes, 62, foi ao salão recém-inaugurado na Avenida Vasco da Gama, para desejar boa sorte à família Macário, que, após dois anos do assassinato do irmão, retomou as atividades nas proximidades do antigo estabelecimento.

De acordo com uma das irmãs de Valdir, Ide Macário, o trabalho no salão nunca foi descontinuado, só que estava sendo realizado de modo acanhado e, agora, a família pode receber os amigos e os clientes com o carinho e a qualidade que tornou Valdir um profissional conhecido e respeitado. “O único período que realmente fechamos foi nos dias depois da morte de meu irmão por motivos religiosos. No restante do tempo, mantivemos o trabalho iniciado há 30 anos na porta da minha casa, com nós dois revezando nas tesouras”, conta Ide.  

[[galeria]]

O novo espaço da família ainda está sendo finalizado, mas o estabelecimento de 205 metros quadrados funcionará com equipamentos de última geração, possibilitando o tratamento de cabelos variados, especialmente os afros. Para tanto, dispõe de 32 cadeiras para cabeleireiros, serviços de podologia e com profissionais especializados em tricologia – estudo sobre os fios de cabelo, além de manter a especialidade da família que são os permanentes. 

Segundo a sobrinha de Valdir, a jovem estudante de engenharia Jéssica Macário, 25, a perspectiva é implementar em breve um memorial com as fotografias e tesouras de Valdir, que trabalhava as questões de respeito à identidade negra quando isso não era motivo de militância.“Tínhamos que priorizar o atendimento do salão, mas estamos organizando tudo para, em breve, também termos esse espaço”, diz Jéssica, ressaltando que a mãe, o tio e as tias só deixavam os primos ajudarem no salão se estudassem. “Como minha avó mora perto, sempre nas sextas e sábados, quando havia maior procura, descíamos para ajudar e o amor por esse espaço também foi nos contaminando”, disse a jovem. Atualmente, o salão 'Irmãs de Valdir' - que foi rebatizado, provisoriamente, com o nome que a população local passou a chamar o espaço – abriga o trabalho dos oito irmãos de Valdir, quatro sobrinhos, dois primos e cinco outros colaboradores, mostrando como a semente plantada há quase três décadas de economia solidária e empreendimento autogestionado pode ser determinante para várias famílias. 

Na autogestão, explica Ide Macário, não há a figura do patrão. “Todos os colaboradores participam das decisões administrativas em igualdade de condições. Nós estamos dando continuidade aos sonhos de nosso querido irmão”, completa Ide Macário. 

A reinauguração deste sábado teve uma missa de consagração rezada pelo Padre Edson, da Paróquia de Santa Bárbara, além de contar com apresentações de artistas amigos da família, a exemplo de Jauci (do Ilê Aiyê). 

Para Graça Nunes, a reinauguração do salão de Valdir é a prova de que a vida não é só o que se vê. “Ele permanece aqui, guiando os passos da família, da comunidade, cuidando dos clientes com o carinho de sempre”, finaliza. 

Relembre trajetória A fama que o cabeleireiro Valdir Macário ganhou ao longo dos anos, apesar de sua timidez e humildade, não foi por acaso. Em 2017, ao completar um ano do seu assassinato, dentro do salão de beleza que comandava, na Avenida Vasco da Gama, os próprios discípulos dele lembram de detalhes que dão pistas do seu talento.

“Valdir era o melhor. Tinha cabelo que chegava lá e ele dizia: ‘Não tem como fazer esse cabelo porque precisa de um tratamento’. A mulher: ‘Pelo amor de Deus, eu vou me casar’. Valdir fazia mágica no cabelo. E a mulher casava toda bonita. Valdir era uma estrela”, conta o cabeleireiro Clayton Santos da Silva, 35 anos, o Paulista, que foi ajudado por Valdir quando chegou a Salvador, com uma mão na frente e outra atrás.

Essa mágica era também resultado de um produto que a genialidade de Valdir Cabeleireiro criou. A necessidade de se especializar em cabelos afros fez ele criar uma química.“Ele criou um permanente afro. As irmãs dele estão dando continuidade a essa fórmula”, explica o cabeleireiro e primeiro aluno do ‘mestre’ Valdir, André Batista dos Santos, 42. "Ele era um gênio. Fazia mágica com os cabelos."Na década de 90, quando as coisas começaram a fluir para Valdir, existia uma linha de cosméticos para cabelos afros chamada Soft Sheen. Para trabalhar com ela, era necessário ter um cadastro. E Valdir era cadastrado. Valdir Cabeleireiro com a equipe do seu salão de beleza (Foto: Arquivo pessoal) Mas a demanda de clientes era grande e a quantidade de química insuficiente. “Faltava química para a quantidade de clientes”, lembra André. Para piorar, a linha Soft Sheen desapareceu no Brasil. Foi aí que a genialidade de Valdir, como cabeleireiro, veio à tona.“Ele sempre tinha uma solução para tudo. Era assustador. Aí ele disse: ‘eu vou fazer um negócio aqui. Eu vou aparecer com uma química. Não quero nem saber. Eu vou aparecer com uma química minha’. Ele manipulou um produto, testou e deu certo. Isso sem ser químico, sem fazer um curso, só lendo mesmo. Ele manipulou um produto e deu certo”, conta o discípulo.O segredo da química que Valdir criou, e que estocou em boa quantidade, somente as irmãs possuem. Hoje, elas estão justamente colocando o produto no mercado. Na verdade, um kit com três potinhos: O branco, hidrata. O rosa é umidificante e o amarelo é ativador de cachos. A linha se chama AVC (Alda e Valdir Cabeleireiro), uma referência ao criador da linha e à mãe do próprio, dona Alda Macário. “As meninas estão dando continuidade à linha”, conta André. Valdir Cabeleireiro em suas primeiras tesouradas, na década de 90 (Foto: Arquivo pessoal) Crime Valdir foi morto dentro do próprio salão, em novembro de 2016. Homens armados com metralhadoras invadiram o salão, que fica no primeiro andar de um prédio, e já chegaram atirando contra Valdir, que no momento atendia uma cliente. Segundo a polícia, outros dois criminosos aguardaram a ação do carro. Nada foi levado do estabelecimento e não houve outras vítimas. Toda a movimentação foi registrada pelas câmeras de segurança do local.  (Foto: Divulgação) De acordo com a denúncia do Ministério Público, Edgard da Silva Santos, o Chocolate, teria encomendado o crime a Patric Ribeiro Tupinambá e outros homens ainda não identificados para se vingar do irmão de Valdir, Reginaldo Manoel da Silva. No dia 15 de outubro do mesmo ano, Edgard tentou matar Reginaldo, por volta das 20h, no salão. Patrick acreditava que Reginaldo teria tido um envolvimento amoroso com sua companheira, Jucilene Alves dos Santos. 

Como Reginaldo sobreviveu à tentativa de homicídio, Edgard teria decidido se vingar no irmão dele, encomendando o crime que resultou na morte do cabeleireiro. Segundo divulgou a polícia na época da prisão, Chocolate seria o líder do tráfico em Mussurunga, Stella Maris e Ipitanga.