Irreverente e crítico, Eckenberger deixa legado para Bahia

Um dos artistas mais brilhantes de sua geração, Eckenberger será cremado acontece nesta quinta (10), no Jardim da Saudade

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  • Roberto Midlej

Publicado em 8 de agosto de 2017 às 17:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Raul Spinassé

A Bahia foi apresentada à arte pop na década de 1960. Mas quem introduziu o estado à manifestação vanguardista que marcaria a pós-modernidade não foi nenhum baiano. O argentino Reinaldo Eckenberger, que morreu terça-feira (8), aos 79 anos, vítima de infarto e vivia na Bahia desde 1965, foi o primeiro a mostrar aos baianos, em suas próprias obras, um pouco do que artistas icônicos do pop, como Andy Warhol (1928-1987) e James Rosenquist (1933-2017), andavam fazendo pelo mundo. "Nas primeiras exposições individuais de Eckenberger, em 1965 e 1966, existia uma nítida influência da pop art, principalmente pelo tom irônico e jocoso de suas composições", diz o artista plástico baiano Juarez Paraíso. 

Esta ironia parece ser mesmo a marca mais forte deste baiano por opção, que, embora fosse muito conhecido principalmente pelas bonecas de pano que criava, era ainda pintor, cenógrafo, ceramista e escultor. "O universo de Eckenberger ia do onírico à sexualidade. Jamais era banal ou vulgar. Ele sempre buscava o riso na sua produção e o riso na arte é importante", diz César Romero, artista plástico e colunista do CORREIO. O crítico de arte destaca ainda o 'excesso' presente na obra de Eckenberger: "Era o artista do exagero, mas era um exagero proposital, muito pensado. Não era o exagero pelo exagero, pois era muito cerebral".

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Não à toa, a última grande exposição de Eckenberger na Bahia foi chamada Uma Poética do Excesso. A mostra, que celebrava os 50 anos de carreira do artista, aconteceu no ano passado e teve como curadores a jornalista Luciana Accioly e o escritor Claudius Portugal. "O excesso, neste caso, não tinha o significado corriqueiro, mas reflete uma perspectiva filosófica, que é exagerar nas formas, naquilo que se diz. Essa é uma característica muito barroca, como é a arte dele. Por isso, sua criação se deu tão bem na Bahia, que é muito barroca", diz Claudius Portugal.

Em sua coluna para celebrar a abertura daquela exposição, no CORREIO, em 24 de julho de 2016, César Romero ressaltava a sexualidade da obra de Eckenberger: "Ele é filho de seu tempo, onde a sexualidade é um elemento de curiosidade, discussão, interesse classificatório, fluidez ou fronteiras. Um conjunto de comportamentos que concernem à satisfação da necessidade e do desejo sexual. A sexualidade influencia sentimentos, ações, reações e interações". 

Segundo Juarez, estavam implícitas, nas criações de Eckenberger, críticas à sociedade burguesa decadente. Essas críticas se manifestavam por meio da extravagância surrealística e, às vezes, o artista recorria também ao realismo mágico.

A ironia que marcava a arte de Eckenberger também estava presente em seu dia a dia, no convívio com os amigos. "Estava sempre de muito bom humor e era engraçado. Mas sua ironia era muito refinada e jamais era ofensivo. Além disso, era muito rápido de raciocínio e tinha resposta para qualquer questionamento", lembra César Romero, divertindo-se.

Juarez Paraíso, que também foi amigo dele, diz que Eckenberger era 'indescritivelmente' simples e sua presença apenas confortava os colegas, ao contrário de outros artistas vaidosos. "Outros, ao contrário dele, têm uma presença estrondosa, mas ele sempre teve muita classe. E era incrivelmente sensível", diz Juarez. Eckenberger é considerado um dos artistas mais brilhantes de sua geração  (Foto: Angeluci Figueiredo) A simplicidade e a timidez eram outros traços unanimemente apontados por aqueles que o conheciam. César Romero tem uma frase que resume isso: "Ele era completamente avesso ao marketing do escândalo". Claudius afirma que Eckenberger jamais se rendeu às tentações do mercado: "Ele sempre viveu da arte, mas nunca se preocupou em disputar mercado, jamais vulgarizou sua criação nem se colocou de joelhos diante do mercado. Sempre fez a obra dele, sem concessões".  O desapego de Eckenberger a questões materiais era mesmo notável, observam os amigos. Em vez de comprar qualquer coisa, preferia usar seu dinheiro para viajar. "Ele dizia que sempre que conseguia juntar três mil dóalres, a primeira coisa que fazia era ir a Paris. Tinha um afeto muito grande pela cidade", lembra-se César Romero. Juarez também recorda-se das idas do amigo à França: "Ele ia para Paris sem lenço e sem documento e sobrevivia ali com o talento dele. Colocava o trabalho à venda em espaços públicos e muita gente comprava porque ele era um artista diferenciado".  A cerimônia de cremação acontece nesta quinta (10), no Jardim da Saudade, às 16h. 

*Colaborou Naiana Ribeiro