Jaime Sodré é personagem de livro infantil que celebra ancestralidade

A cineasta Jamile Coelho é a autora de Òrun Àiyé: A Criação do Mundo

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  • Roberto Midlej

Publicado em 4 de agosto de 2021 às 09:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Vilson Caetano

Em 2015, a cineasta baiana Jamile Coelho, 31 anos, lançou o curta-metragem de animação Òrun Àiyé - A Criação do Mundo. O filme, com narração e trilha sonora de Carlinhos Brown, ganhou mais de 25 prêmios e passou por mais de 100 festivais nacionais e internacionais. Ali, o homenageado era o historiador Ubiratan Castro (1948-2013), representado na tela por um homem que contava a história da origem do mundo à sua neta, a partir da mitologia iorubá.

Agora, seis anos depois, Jamile homenageia Jaime Sodré (1947-2020), outro importante historiador baiano, tanto quanto Bira no processo de preservação da cultura afro-brasileira. Desta vez, no entanto, a homenagem não é no vídeo, mas nas páginas do primeiro livro infantil de Jamile, que leva o mesmo nome do filme. Jamile Coelho (divulgação) Assim como Bira, Jaime também aparece como um griô, que é considerado o guardião das histórias, uma "biblioteca viva" responsável por preservar a memória ancestral através da tradição oral. "A história é baseada na narrativa oral, que é uma memória viva e volátil. O livro traz uma outra história sobre a criação do mundo, repensada a partir da oralidade das pessoas mais velhas", afirma Jamile, que estreia na literatura.

Jamile diz que escolheu homenagear Jaime no livro porque ele representava muito bem essa figura da "biblioteca viva" que são os griôs. "O livro é uma homenagem a todos que partiram e, especialmente, a Jaime, que, embora tivesse a questão acadêmica muito forte, tinha também uma oralidade marcante". Os netos que ouvem de Jaime a história da criação do mundo, Antônio e Beth, são reais.

A ideia do livro foi muito bem recebida: o financiamento coletivo no site Catarse (catarse.me/orunaiyelivro) já ultrapassou a primeira meta, que era de R$ 10 mil. O próximo alvo é de R$ 14 mil. As cotas começam a partir de R$ 20, com direito à versão digital do livro, e vão até R$ 600, com direito a 10 edições impressas e 10 DVDs do filme. O e-book será concluído até o final do mês e em setembro, serão entregues os exemplares impressos. Jamile se entusiasmou tanto com o projeto que Òrun Àiyé virou uma coleção, que vai chegar a 16 exemplares.

Stop motion -Jamile é bacharel em arte pela Ufba, com habilitação em audiovisual. Mas, apesar da formação acadêmica, ela não tem o menor problema em assumir que é de uma geração que cresceu assistindo à Sessão da Tarde e que aqueles filmes foram importantes para sua formação. Ela cita, por exemplo, a animação A Fuga das Galinhas como um dos filmes que lhe entusiasmava quando criança. Não é por acaso, então, que o primeiro filme dela, Òrun Àiyé (codirigido com Cintia Maria), usa o stop motion, mesma técnica de A Fuga das Galinhas.

O stop motion é hoje o carro-chefe da produtora de Jamile, a Nubas, que promove o ensino sobre animação em universidades, comunidades quilombolas e terreiros de candomblé em Salvador. A inclusão é uma preocupação permanente da empresa, segundo a cineasta: "Nos preocupamos com toda a cadeia, desde a contratação da equipe. Por isso, mulheres negras e pessoas LGBTQIA+ têm prioridade na contratação", pontua.

No streaming - Hoje, é possível assistir online a dois trabalhos de Jamile. Òrun Àiyé está no Itaú Cultural Play, plataforma gratuita que trabalha exclusivamente com cinema brasileiro. A atuação dela como diretora de arte pode ser vista em Um Dia com Jerusa, que está na Netflix e é dirigido por outra baiana, Viviane Ferreira. Cena do curta Òrun Àiyé: A Criação do Mundo Em breve, fica pronto mais um longa-metragem de Jamile, Cores da Diáspora. A cineasta fez uma marcante viagem a Angola em 2018, onde rodou o filme. "Quando cheguei lá, tive a sensação de não ter saído da Bahia", recorda-se. Ela diz que um dos momentos mais emocionantes no país africano foi ao conhecer uma pia onde o povo escravizado era batizado antes de embarcar para a América. 

"Ali, eles ganhavam novos nomes e eram obrigados a esquecer o passado. Tinha também a árvore do esquecimento, onde os escravizados cumpriam um ritual: as pessoas escravizadas davam voltas em torno da árvores para, assim, esquecer do seu passado. Em seguida, embarcavam para uma viagem de dor e sofrimento", lamenta Jamile.