Janeiro já faz meses

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  • Kátia Borges

Publicado em 18 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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“Nunca perder a conexão com o poder criativo que fala através das tempestades”. Dizia assim o tal do Clarity, no inglês translate. Talvez Marta Ortiz o lesse assim como eu, traduzindo os hexagramas num clique. Estava cansado de lançar as moedas chinesas, de equilibrar as palas de caule de mileforme atrás de respostas. Tanto mais procurava, tanto mais. Fazia tudo como ensinava o livro de Wilhelm, com especial atenção ao prefácio de Jung. Mas recorria sempre às leituras de Marta Ortiz, aquela que nasceu em Córdoba, e que dera conselhos importantes.

Conselhos que esqueci como esqueço tantas coisas, voltando vezes incontáveis aos mesmos restaurantes onde comi mal por absoluta distração. Vivia assim, tentativa e erro. Mas agora era realmente sério. O Mestre dizia. É preciso prestar atenção às formas. Então quando ela chegou, fiquei observando o modo como se movia, ajeitando uma coisa e outra sobre os móveis. Tão bonita quanto perigosa, derrubando vinho sobre meus livros mais preciosos, pedindo desculpas. Ou eu apenas imaginava que ela vinha enquanto estive o tempo todo só. Janeiro já faz meses é o título sensacional, ela me disse.

E eu pensei em algo metafísico. O tempo é esta distração. Ou, como diz aquele nosso amigo, o tempo é algo que nos rouba. Um ladrão. Queria que jogasse, que abrisse seus caminhos. Talvez estivesse pensando naquilo, ouvindo Beatles, The long and winding road, ou apenas rindo entre os amigos. Abri minhas janelas. Em uma delas, o vídeo de uma canção, em outra, o rosto roubado do álbum de perfil. Numa terceira, o livro. Ah, menina, pois. Vai que te procuro, um dia desses, e nada encontro.

Sabe quando comentei sobre os textos que mais gosto? Falamos longamente sobre o hexagrama 19, La doncella mística. E ainda não havia o texto sobre a Dama Sun. Hexagrama 9, Cuando uno comienza a dudar. Me identifiquei muito. Mas esse não

comento. Agora, vem, faz um Sense8, senta aí nas almofadas com rosto de Frida. Isso aqui não existe mesmo. Deixa que eu lance sobre a mesa os meus Kanjis. Talvez fale um pouco sobre elas. Há pelo menos cinco tipos diferentes de moedas. Vê estas? São autênticas. Foram cunhadas durante o reinado do Imperador T’ai Hui Tsung, aquele que chamam de Sheng Sung. Estilo selo, quase pictogramas. Mas ela fechou o livro de Wilhelm e disse: acho que o hexagrama que melhor me define é O Viajante. Fiquei olhando, com certa reverência, sem comentar.

Parecia inquieta, abrindo e fechando o livro, rolando as moedas chinesas entre os dedos. Saquei um incenso, um lenço, varetas, a ideia de tatuarmos um dragão naquele momento: ah, mas sou mesmo um dragão ridículo. Há de passar. Talvez possa te distrair um pouco novamente.Sabe quando falei sobre Ana Cristina Cesar? E sobre aquele restaurante onde comemos algo diferente? Os garçons pareciam nos ignorar. Nunca acertavam o pedido. Um deles piscou os olhos para você. E quando o prato veio finalmente, desistimos. Voltei lá outro dia como se não o conhecesse. E tudo se repetiu, exatamente do mesmo jeito. Janeiro já faz meses, ela lembrou, é isso!