'João Gilberto, A Bossa', livro de Luiz Galvão, desmitifica vida de João Gilberto

O poeta, compositor dos Novos Baianos, era amigo de infância do bossanovista

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 1 de julho de 2021 às 07:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: .

O poeta e letrista baiano Luiz Galvão, 86 anos, conviveu intimamente com João Gilberto (1931-2019). Ambos de Juazeiro, se conheceram ainda na infância e mantiveram a amizade até a morte do bossanovista.  

Para se ter uma ideia da intimidade entre os dois, há uns 20 anos, o cantor ligou para o amigo e no meio do papo, perguntou: "Precisando de alguma coisa?". Sem graça, Galvão disse que estava com a conta de luz atrasada. Pudera, afinal, com seis filhos, a coisa não estava fácil. O poeta, constrangido, disse que precisava de R$ 300 para quitar a conta e restabelecer a energia. No outro dia, pingaram R$ 7 mil na conta do poeta. 

Com uma amizade tão firme, Galvão conheceu João intimamente e sabe muitas histórias sobre o pai da bossa.O letrista conheceu também muitos amigos de João, que lhe contaram novas histórias sobre o amigo em comum.Agora, essas lembranças estão no livro João Gilberto, a Bossa (Lazuli Editora/244 págs./R$31), que está em pré-venda em formato digital. O formato físico deve sair em até dois meses.  

Memorialista

Mas Galvão não tem a pretensão de ser conhecido como biógrafo do cantor. Prefere ser chamado de "memorialista", como diz no prefácio do livro. E tanto a linguagem como a organização do livro justificam a preferência do autor. De prosa fácil e bem fluente, Galvão escreve como se batesse um papo com o leitor, em tom de crônica. Além disso, cada texto tem uma média de seis ou sete páginas, sem muito aprofundamento nem preocupação em investigar nada. O que, no caso, é uma virtude.   Luiz Galvão, o autor, conheceu João Gilberto ainda criança, em Juazeiro A ideia do livro surgiu há mais ou menos 20 anos, quando João Gilberto manifestou a Galvão a insatisfação com outra publicação, Chega de Saudade, escrita por Ruy Castro, lançada fazia pouco tempo. Para o bossanovista, ele próprio havia sido retratado injustamente pelo escritor. "Chega de Saudade mostrava João como um homem muito complicado e praticamente o tratava como alguém que tinha problemas mentais", diz Janete Galvão, que é esposa de Luiz há 37 anos e foi responsável pela edição do livro. Além disso, escreveu a parte final. 

Galvão não havia lido Chega de Saudade, mas tomou as dores do amigo de infância.Propôs então ele mesmo escrever a biografia de João. O cantor topou e incentivou o poeta, que logo deu início ao trabalho. Amigos

Galvão foi atrás de pessoas que fossem amigas de João, mas que também tivesse bom conhecimento teórico de música, para provar a competência do biografado. Falou com Moraes Moreira, Carlos Rennó, Aderbal Duarte, Tuzé de Abreu e muito mais gente. Mas o livro não se perde em divagações teóricas. É através das lembranças dessas pessoas que o leitor se dá conta da habilidade musical que João tinha. 

Um exemplo disso é o autodidatismo dele ao aprender a tocar violão. Galvão relata que João ia de Juazeiro a Petrolina, onde estudava, de barco. Na viagem, observava os amigos tocarem o instrumento. Passou dias só observando, até que um dia pediu emprestado. João pegou o instrumento e imediatamente começou a tocar. Um mês depois, já tocava melhor que Dagmar, seu primo, dono do violão. 

Galvão queria ter lançado o livro antes, ainda quando João estava vivo. Mas o biografado foi adiando a autorização e o autor acabou relaxando. Foi Janete que resolveu retomar a ideia, como ela conta: "Galvão, pela amizade que tinha com ele, não queria publicar sem autorização. Um tempo depois que João morreu, fui atrás dos textos que estavam guardados porque achamos que já era hora". 

O autor não tem dado entrevistas, pois tem a saúde delicada. Mas está lúcido, como asseguram a esposa e o filho dele, Lahiri, de 32 anos. "Me perguntam sobre ele e digo: é um idoso que teve diabetes, infartos e AVC. Não tem problema mental algum, mas é um velhinho", diz Lahiri. "Mas continua assistindo aos jogos do Vasco, acompanhando as notícias do time. E sempre ouvindo João Gilberto e Novos Baianos, no YouTube, com fone de ouvido".